terça-feira, 21 de maio de 2013

Comissão da Verdade quer falsificar a história e inventar os “assassinos do bem” e os “assassinos do mal”



Pois é… Ontem mesmo escrevi a respeito. A Comissão da Verdade busca compensar a sua irrelevância produzindo factoides barulhentos. Há tempos observei aqui que o objetivo sempre foi levar as Forças Armadas para o banco dos réus. Até havia pouco, a turma mirava em militares que já estão na reserva, preservando a instituição. Essa fase acabou. Agora, os da ativa também entraram na mira. Nesta terça, a Comissão deu seu passo mais ousado: passou a defender abertamente o desrespeito à Lei da Anistia e à própria lei que a instituiu. Como é, na prática, um grupo de assessoramento da Presidência da República, é de supor que atue sob a orientação da presidente Dilma Rousseff.
A VEJA.com publica uma reportagem de Laryssa Borges cujo título é este: “Comissão da Verdade diz que Marinha ocultou mortes e defende revisão da Lei da Anistia”. Reproduz com fidelidade o que vai no texto, que retrata, por sua vez, a investida do dia. A Comissão acusa a Força de ter omitido informações sobre 11 pessoas dadas como desaparecidas e que já estavam mortas. Digamos que seja mesmo assim. O grupo está aí para denunciar o caso.
Maria Rita Kehl, uma das integrantes da Comissão, aproveitou, no entanto, como de hábito, para ir além das suas sandálias: “As Forças Armadas mancharam suas honras com essas práticas”. Opa!!! Há uma grande diferença entre dizer que torturadores mancham a honra das Forças Armadas e afirmar que as Forças Armadas mancharam as respectivas honras. No primeiro caso, a instituição é preservada; no segundo, é enxovalhada. A tortura não faz parte do código de honra militar. Ocorre que dona Maria Rita não entrou na Comissão para apurar verdade nenhuma. Ela entrou para usar o passado como instrumento político do presente.
Não foi a única a atravessar o samba. Rosa Cardoso, então advogada da então militante Dilma Rousseff (que pertenceu a três grupos terroristas, o que é apenas um fato), assumiu a presidência rotativa da Comissão na sexta-feira. Veio a público nesta terça para defender oficialmente a responsabilização criminal dos agentes do estado acusados de abusos, em flagrante desrespeito à Lei da Anistia e à lei que criou o grupo que agora preside. Afirmou:
“Os crimes de lesa humanidade são imprescritíveis. As auto-anistias, diante do direito internacional, não valem. Vamos ter, sim, de recomendar que esses casos sejam judicializados pelo direito interno”.
Ela é advogada. O “direito interno”, seja lá o que isso signifique, já decidiu que a Lei da Anistia não pode ser anulada. Ela integra um conjunto de ações que resultou na transição pacífica da ditadura para a democracia. Essa conversa de “autoanistia” está mais torta do que a biruta ideológica de Rosa. Vamos pensar com um mínimo de lógica. Se o estado estivesse impedido de conferir anistia também a seus agentes, ele a concederia a quem? Apenas aos outros criminosos, como os terroristas, por exemplo? Então se parte do pressuposto de que o perdão político só pode ser concedido àqueles que cometeram crimes para mudar a ordem vigente, mas nunca àqueles que os cometeram para preservá-la? Então se parte do pressuposto de que anistia só pode ser concedida a quem, tendo cometido crimes, foi derrotado, mas nunca a quem, sendo igualmente criminoso, estava do lado de quem venceu o confronto. Então se entende que o derrotado, que recebe de bom grado o perdão do vitorioso — perdão esse visto como um imperativo ético —, não concede a esse mesmo vitorioso a graça que reivindica para si, de sorte que o derrotado cobra, na prática, o direito de punir quem venceu a batalha? Então se exige daquele tomando como algoz uma generosidade de que a vítima pode se dispensar? Essas indagações e constatações expõem o buraco moral e lógico em que se situa essa gente. De fato, Rosa e seus companheiros estão dizendo que, quando agentes do estado mataram esquerdistas, estavam cometendo crimes contra a humanidade, mas quando as esquerdas armadas mataram agentes do estado — além de pessoas que não tinham nenhuma vinculação com a luta política —, estavam apenas lutando por um sonho e defendendo a democracia.
É uma posição juridicamente indefensável, uma vez que, já demonstrei aqui tantas vezes, as leis não permitem a responsabilização criminal de ninguém. E é uma posição moralmente indefensável porque essa turma está querendo inventar os “assassinos do bem” e os “assassinos do mal”.
Por Reinaldo Azevedo

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