sexta-feira, 9 de fevereiro de 2018

A MENINA DAS FLORES (conto)








Lourinaldo Teles Bezerra



O dia 12 de março de 2010, uma sexta-feira ensolarada e muito quente, abriu suas portas para uma jovem mocinha de Petrolina, Pernambuco.
Em cada mão um cestinho de flores, a menina de tranças e chinelinhos nos pés esperava o ônibus que a levaria à Praça Dom Malan, no centro da Cidade. Com dezesseis anos, quase completando dezessete, ela era uma menina muito bonita e risonha. Vai vender suas violetas, margaridas, botões de rosa e crisântemos aos possíveis clientes da praça da matriz.
Lenço na cabecinha jovem e formosa, Alice encantava a todos quantos a vissem com seu jeitinho meigo e educado de falar com as pessoas.
Praça Dom Malan e Catedral de Petrolina
Altar mor da catedral de Petrolina
Catedral de Petrolina vista por trás.




Passava das 16:00 h. Estava quase na hora de regressar à sua casa no bairro de Dom Avelar, zona norte da Cidade.
Ela estava absorta vendendo suas flores, quando apareceu-lhe repentinamente aquele rapagão forte e elegante saindo de seu vistoso carro. Ela ficou paradinha, sem voz, apreciando aquele homem que, possivelmente, fosse o mais belo que havia visto em sua breve vida. A senhora que escolhia as flores a tocou no ombro e acordou-a de seu sonho repentino. Ela se desculpou e a senhora riu desculpando-a. Disse-lhe, a gentil senhora, que já lhe acontecera o mesmo muitas vezes quando tinha a sua idade. Rindo gentilmente, pagou pelas flores e se afastou.

Ele não a viu de imediato, foi ter com seus amigos que o esperavam há já uns 30 minutos. Ele estava atrasado. Era normal ele se reunir com sua turma de amigos num bar muito agradável perto da Praça Dom Malan, onde fica a linda catedral católica de Petrolina. Alegre, sorridente e muito brincalhão, Alexandre estava feliz naquela tarde. Havia passado no vestibular de direito na Faculdade de Direito do Parque 13 de Maio, em Recife. Estava ali exatamente para comemorar aquele feito.

Alice, entretida com seus clientes, não o viu entrar no bar e o ficou procurando sem saber onde o seu príncipe estava. Só lhe restavam dois pequenos maços de violetas para encerrar as vendas daquele dia. Pela manhã ela havia vendido tudo em poucas horas. Deu uma voltinha na praça sempre oferecendo suas lindas e frescas flores a quem quisesse comprar.

De repente, saíram do bar em alvoroço os rapazes que faziam companhia a Alexandre, o vestibulando de direito. Carregavam-no nos braços com um corte feio no pescoço, fruto de um golpe recebido de um desafeto. O sangue escorria como água de uma fonte enquanto seus amigos o socorriam em seu próprio carro. Alice, petrificada, não sabia o que fazer para ajudar, mas era inútil, ela nada poderia fazer a não ser rezar por ele. Ficou tão aflita que não conseguia dar um passo à frente. Precisou tomar um copo com água oferecido por um amigo seu que tem uma barraquinha de cachorros quentes no local. Saiu apressada e foi à catedral orar pela saúde daquele rapaz tão lindo que ela mal vira e que saiu carregado nos braços de seus amigos todo ensanguentado.

Em casa, sem vontade de jantar, ela rezava o tempo todo deixando seus pais preocupados sem entenderem o que estava havendo com ela. O rádio da sala estava ligado na emissora local transmitindo o jornal das 20:00h, que deu o acontecido com o jovem Alexandre.

A desavença que causou o ferimento em Alexandre, foi por motivo de uma discussão tola envolvendo um abalroamento entre os carros da vítima e do agressor. Na hora da batida dos dois automóveis foi feito um acordo entre as partes e tudo se resolveu aparentemente. Esse fato ocorrera há alguns meses, tendo o rapaz ido tomar satisfações com Alexandre, no momento em que este comemorava alegremente com seus amigos. O tal jovem, já tomado pelo efeito do álcool de algumas cervejas, investiu de dedo em riste para o jovem estudante, que não gostando do gesto deu um safanão na mão do desafeto. Este, ato contínuo, quebrou uma garrafa e com o gargalo na mão desferiu um golpe no pescoço de Alexandre, quase o matando. Chamada, a polícia prendeu o agressor, que foi impedido de evadir-se por outras pessoas que a tudo assistiram no recinto.

Alice correu e ficou ao pé do radinho ouvindo tudo sobre seu príncipe. Soube onde ele estava internado em estado preocupante, mas sem gravidade. Não perdeu tempo, trocou de roupa e correu para o Hospital Geral e Urgência, na esperança de vê-lo. Mas, já passava das 22:00 h e visitas já não eram permitidas, ainda mais para uma estranha à família do rapaz.
Hospital Geral e Urgência de Petrolina


Alexandre era membro de uma das mais tradicionais famílias de Petrolina, alto sertão de Pernambuco. Seu pai era um forte e rico comerciante de cereais na cidade sertaneja. Dono de muitos bens, o Sr. Juliano Alcântara de Albuquerque, providenciou que seu filho fosse transferido para a capital pernambucana, assim que o jovem melhorou e teve permissão dos médicos para a remoção. Seu pai havia contratado os serviços de uma excelente clínica particular em Recife.

Alice ficou sabendo da transferência do seu príncipe por intermédio de uma enfermeira, sua prima, que trabalha no hospital. Ficou pesarosa com a distância que ele estaria dela, mas conformou-se já que era para seu bem.

Pela manhã do terceiro dia, como sempre fazia, a menina vendedora de flores saiu de casa logo cedo, umas 7:00 h. Por volta das 11:30 h já tinha vendido todas as flores que levara. Sua impaciência por saber da saúde de Alexandre, levou-a até o hospital, onde trabalhava sua prima. Procurou-a, mas sem sucesso, ela estava de folga, havia tirado plantão no dia anterior. Incontida, ela foi até sua casa nos arredores da cidade. Depois de conversar demoradamente com Cecília, sua prima, foi-se embora para casa mais tranquila. Ele não corria perigo de vida, estava se recuperando muito bem.

Passaram-se duas semanas sem que ela tivesse qualquer notícia do rapaz. Até que, no meio da tarde de uma terça-feira, em frente ao cartório de notas da cidade, ela viu o rapaz que carregou Alexandre nos braços. Foi até ele e perguntou como estava a saúde dele. O rapaz ficou espantado, pois não a conhecia e perguntou-lhe qual seu interesse por ele. Ela, educadamente, disse-lhe que estava na hora em que tudo acontecera e ficara muito preocupada com ele. Diante das explicações daquela mocinha tão delicada, o rapaz deu-lhe todas as informações de que ela precisava para acalmar-se. Ele estava bem, recuperando-se na fazenda de seus pais, cerca de 120 quilômetros ao norte dali.

De volta à sua casa, Alice procurou se acalmar e logo foi se deitar, havia jantado muito pouco. Não tinha fome, aliás, emagrecera uns três quilos desde que seu príncipe havia sofrido o atentado. Precisava repousar.

Dois dias após, ela estava um pouco febril e não pôde ir à praça vender suas lindas flores. Seu pai resolveu levá-la até o pronto socorro para que um médico a examinasse. Em lá chegando, ela arregalou seus dois olhinhos cor de mel e quase desmaia. Alexandre acabara de entrar no consultório para uma consulta rotineira e revisão médica. Por incrível que pudesse parecer, a menina ficou boa da febre de imediato. Seu pai não entendeu coisa alguma. Ela ficara boa de um momento para outro... Que milagre teria acontecido? Só depois ele entenderia. O amor faz milagres. Bastou ela vê-lo para que tudo voltasse ao normal.

Alexandre estava bem, o corte no pescoço não atingira vasos importantes como a jugular ou a carótida, foi pouco profundo e ele logo ficou curado. Mas, perdera muito sangue e precisou de uma transfusão de emergência.

Ela estava muito esperançosa de o conhecer, falar com ele. Mas, naquele ambiente e diante das circunstâncias era meio impróprio, teria que ser noutro lugar. Na praça, talvez, pensou ela. Mesmo assim ela o esperou sair do consultório do médico plantonista. Sentou-se bem próximo à porta do consultório 1 e ali esperou. Depois de uns 15 a 20 minutos, o rapaz saiu e ela se iluminou, ficou muito nervosa a ponto de deixar cair seu celular aos pés dele. Tentou pegá-lo antes que chegasse ao solo, mas foi inútil e embaraçoso demais. Ela terminou por se chocar contra as pernas do rapaz, que teve um susto, e a segurou pelo braço evitando sua queda ao chão. Inesperadamente os dois se encontraram num momento nunca esperado ou planejado por ela. Mas, o fato é que houve um contato entre ambos que os motivou a trocarem algumas palavras, senão românticas, mas que ajudaram muito. Ele perguntou-lhe se estava tudo bem com ela, ao que a menina toda embaraçada gaguejou e disse que sim, estava tudo bem. Ele, encantado com a beleza de Alice, perguntou seu nome. De pé, seu pai, meio desconsertado, aguardava o fim do diálogo breve dos dois. Os dois jovens trocaram informações e se despediram, não sem antes adicionarem-se ao celular de cada um. Aquilo, para Alice, foi como ganhar um prêmio na loteria.

Mal chegaram em casa e o celular da menina tocou. A voz do outro lado da ligação foi logo reconhecida por Alice, era seu príncipe. Ele queria saber se ela estava bem. Ficaram falando através do celular por uns 30 minutos, mais ou menos, o suficiente para que Alice ficasse tão eufórica que não quis jantar. Isso deixou os pais dela boquiabertos. Não entendiam o que estava acontecendo com sua filha querida. Apesar de apreensivos não perguntaram nada acerca.

Alice continuou com sua rotina de vendedora de flores. Um dia na semana ela tirava para cuidar de seu jardim, fonte de sua renda. Adubava, revolvia a terra, cortava os galhinhos mortos das plantas, limpava o solo e aspergia fungicida para matar pulgões e outras pragas. Ela sabia como cuidar de suas flores. Fizera um curso de floricultura por correspondência e aplicara seus conhecimentos no quintal de sua casa.

Estava no final do dia quando um automóvel muito bonito parou em frente à sua casa. Alexandre desceu do carro e atravessando o jardim fronteiriço à residência de Alice, tocou a campainha. Dona Estela, mãe da menina o atendeu gentilmente. Ele disse que viera visitar Alice, que havia conhecido no hospital há cerca de uma semana. A senhora pediu-lhe que entrasse que ia chamar sua filha. A mocinha ficou sem saber o que fazer. Estava toda suja de terra e desarrumada... Pediu à sua mãe para fazer sala à sua visita enquanto daria um trato de emergência em si própria. Depois de uns vinte minutos ela apareceu de roupa trocada na sala onde Alexandre e seus pais conversavam alegremente. Assim que ela apareceu toda formosa, os pais dela pediram licença e se retiraram deixando os dois a conversar.

Ele disse-lhe que ficara preocupado com ela, que gostou muito de seu jeitinho meigo, etc. Alice não sabia o que dizer diante de tanta felicidade. Conversaram durante umas duas horas e depois o rapaz se despediu e foi embora.

Quando Alexandre chegou ao seu lar, depois da visita que fizera à casa dos Pacheco Bezerra, relatou a seus pais o que estava ocorrendo em sua vida. Contou-lhes que uma mocinha simples, mas muito educada e de bom nível cultural, o havia comovido com sua preocupação em relação ao ocorrido no bar. Contou-lhes que o José Carlos Madeira, seu colega de turma no colégio, havia lhe comunicado que uma mocinha muito bonita e pequena, ainda muito jovem, que vendia flores na praça da matriz, havia perguntado por ele, dois dias após seu acidente. Alexandre ficou muito curioso para saber quem era a mocinha e foi investigar a respeito. Depois de perguntar na redondeza onde ela atuava, concluiu que valeria a pena conhecê-la e foi o que fizera, depois do encontro fortuito no hospital. Seus pais confiavam muito no único filho que tinham e não se opuseram.

Desde aquele instante em que Alexandre a visitou em sua casa, a vida da pequena vendedora de flores mudou. Ela ia à praça com suas flores, mas seus trajes eram muito mais caprichados. Alexandre estava sempre à sua espera. Aguardava pacientemente enquanto sua princesinha vendia suas flores, para só depois juntar-se à ela. Ficavam um bom tempo na sorveteria saboreando delícias ali produzidas e depois ele a levava à sua casa. Estavam namorando, por fim. A vida dos dois mudou completamente, Alexandre estava ausente nas reuniões de seus amigos e isso fez com que alguns reclamassem dele. Mas, o jovem sabia o que queria da vida e não dava importância.

As duas famílias se conheceram num almoço oferecido pelos pais de Alexandre, na bela mansão onde residiam nos arredores de Petrolina. Foi um dia magnífico onde todos festejaram e ficaram felizes. Dali em diante era só administrar a vida dos dois e tudo sairia como queriam.
Fachada leste da Faculdade de Direito de Recife ( A primeira faculdade de direito do Brasil, junto com a Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, em São Paulo)*

Vista aérea da Faculdade de Direito de Recife

Vista oeste da Faculdade de Direito de Recife


Passados cinco anos depois do primeiro encontro da dupla de enamorados, a formatura de Alexandre se aproximava. Concomitantemente com a formatura do jovem futuro advogado, o noivado dos dois pombinhos acontecia também. Eles marcaram seu casório para alguns meses após a colação de grau e o exame da Ordem dos Advogados do Brasil- OAB.

Tudo se realizou como eles dois queriam e planejaram.

E o amor triunfou mais uma vez.

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* No dia 11 de agosto de 1827, por ordem do Imperador do Brasil, Dom Pedro I, foram criadas as primeiras Faculdades de Direito do Brasil, uma em São Paulo e outra em Olinda, Pernambuco. A de Olinda funcionou naquela cidade por 26 anos e foi tranferida para a cidade do Recife.

(http://www.cartaforense.com.br/conteudo/artigos/a-origem-das-faculdades-de-direito-no-brasil/4485)