domingo, 29 de dezembro de 2013

Ativista brasileira diz que repressão russa foi ‘uma vergonha’





Em entrevista exclusiva ao 'Estadão', Ana Paula Maciel considera que ação do Greenpeace foi uma vitória na luta pela defesa do Ártico

28 de dezembro de 2013 | 12h 37

Giovana Girardi
Ana Paula Maciel, a bióloga gaúcha e ativista do Greenpeace que ficou dois meses presa e depois mais 40 dias sob custódia do governo russo, voltou ontem enfim ao Brasil. Ainda atordoada da viagem, que levou 12 horas, ela falou brevemente com a imprensa que a aguardava no aeroporto de Guarulhos, onde disse que o voo foram as "12 horas para sua liberdade". Depois trocou algumas palavras com exclusividade com o Estado. Veja a seguir:
Bióloga e ativista do Greenpeace Ana Paula Maciel desembarca no Aeroporto Internacional de São Paulo - Daniel Teixeira/Estadão
Daniel Teixeira/Estadão
Bióloga e ativista do Greenpeace Ana Paula Maciel desembarca no Aeroporto Internacional de São Paulo
Como é pisar de volta no Brasil depois de cem dias sob custódia russa, na incerteza de que seria libertada?
Depois de ficar dois meses na prisão, esse último mês com liberdade sob fiança foi bastante difícil, mas essas últimas 12 horas no 'avião da liberdade' foram incríveis. Muito mais fáceis do que as tantas vezes, enquanto estava presa, que eu passava 12 horas na solitária, esperando os procedimentos. Uma prisão que foi uma grande injustiça, uma tentativa frustrada de calar protestos pacíficos. Mas acho que os russos não esperavam essa repercussão. Foi bola fora que tentaram cobrir com a anistia, mas fui anistiada por um crime que não cometi.
O que achou de vocês serem incluídos na anistia geral concedida pelo governo russo para mais de 20 mil presos?
Éramos inocentes. A prisão foi ilegal, em águas internacionais. Houve uma declaração do Tribunal Marítimo Internacional desde o dia 20 de novembro dizendo isso, para que fôssemos libertados e os russos não cumpriram com a lei internacional. Eles erraram muito, e muitas vezes.
Você já disse que a sensação ainda não é de alívio total porque o navio de vocês permanece lá. Vocês já conseguiram pensar nos próximos passos daqui para frente?
Nós continuamos sem entender a situação. Desde o princípio, nós ficamos nessa sensação de insegurança. Ainda vamos pensar no que fazer para libertar o navio. Agora os russos param para as festas e só voltam em 10 de janeiro. Esperamos que devolvam nosso navio e o que confiscaram ilegalmente da gente. O que eles fizeram foi vergonha. Em 1985, o Serviço Secreto Francês pôs uma bomba no navio Rainbow Warrior e matou um amigo nosso. Agora, em 17 de setembro, eles invadiram nosso navio, mantiveram 30 inocentes na prisão, e depois mais um mês sob fiança. Tudo isso por causa de um protesto pacífico. Liberdade de expressão não é crime. Eles atiraram com armas de fogo ao lado dos nossos botes. Nos abordaram em águas internacionais. Quem são os piratas e vândalos? Eles ou nós, do Greenpeace, que temos 40 anos de protesto pacífico?
Você acredita que a prisão dos '30 do Ártico' pode dar mais visibilidade para a causa do Ártico e do aquecimento global ou teme que toda essa comoção causada pelas prisões possa agora esmorecer?
Eu acredito que esses dois meses valeram a pena. Mas é um processo lento. Foram dez anos, por exemplo, para conseguir um santuário antártico. Nosso objetivo é ter um santuário no Ártico. Mas tudo isso que aconteceu foi um passo para explicar para as pessoas o que está acontecendo lá. Muita gente agora sabe que o que acontece no Ártico tem reflexo em outras partes do planeta. Que protegendo o Ártico eu estou protegendo também a Amazônia, porque se lá derreter, aqui vai virar um deserto. É preciso compreender essa dinâmica planetária e saber que os problemas são globais.
O Greenpeace nunca anuncia com antecipação seus protestos, mas você diria que é possível vocês voltarem a protestar na Rússia?
Essa é uma pergunta difícil de responder. Realmente esperamos que eles tenham aprendido a lição. A Gazprom (empresa petrolífera dona da plataforma que os ativistas tentaram escalar) certamente colocou pressão para nos prenderem e nos manterem presos. Agora, acredito que eles estejam arrependidos de terem feito isso, porque no passado o Greenpeace tinha feito a mesmíssima ação, na mesma plataforma e nada aconteceu. Ninguém nem soube do nosso protesto. Agora que eles fizeram esse escarcéu, o mundo inteiro ficou sabendo o que eles estão fazendo no Ártico. Essa nunca foi uma ação contra a Rússia. O Greenpeace incomoda todas as empresas petrolíferas no mundo. Já foi assim no Brasil, nos Estados Unidos, na Noruega, em vários países. Foi uma tentativa falida de calar protestos pacíficos e a liberdade de expressão.
PARA LEMBRAR
Ana Paula Maciel, juntamente a outros 27 ativistas e dois jornalistas que estavam a bordo do navio Artic Sunrise, foi presa em 19 de setembro, após protestos em uma plataforma da empresa Gazprom contra a exploração de petróleo no Ártico. A embarcação foi apreendida em águas internacionais pela polícia russa e rebocada até a cidade de Murmansky, onde os ativistas ficaram presos por alguns dias. Depois, foram transferidos para São Petersburgo. Inicialmente, eles foram acusados de pirataria, crime que poderia levar a uma pena de até 15 anos. Depois, a acusação foi aliviada para vandalismo, que ainda poderia render 7 anos de prisão. A liberdade provisória, sob fiança, veio cerca de dois meses depois. Na semana retrasada, os ativistas souberam que seriam anistiados junto com outros 20 mil presos, como os integrantes da banda Pussy Riot.

Nenhum comentário:

Postar um comentário