Editorial do Estadao
Uma velha praga volta a ameaçar a agricultura brasileira, pondo em risco a eficiência, o poder de competição e a liderança internacional conquistados em décadas de muito investimento e intensa modernização tecnológica. É a praga do intervencionismo primário, demagógico e orientado por objetivos políticos de curto prazo.
Depois de comprometer a saúde financeira da Petrobrás e a produção de etanol com sua intromissão desastrada, o governo agora se prepara para mexer politicamente nos preços dos alimentos e desarranjar o agronegócio. O Conselho Interministerial de Estoques Públicos de Alimentos (Ciep), recém-criado por decreto presidencial, será o instrumento dessa lambança, a mais nova demonstração de voluntarismo da mal assessorada presidente Dilma Rousseff. O novo conselho usurpará funções até agora atribuídas à Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) e geralmente exercidas com eficiência quando subordinadas a critérios técnicos. Esses critérios serão obviamente postos em segundo ou terceiro plano,com a previsível politização das decisões.
Só a intenção de politizar a formação e a administração de estoques de alimentos pode explicar a instituição do Ciep. Se a presidente da República estivesse apenas descontente com a ação técnica dos atuais dirigentes da Conab, poderia simplesmente substituí-los. Nem precisaria buscar muito longe pessoal para assumir as funções. Antigos e competentes funcionários da Conab permanecem no governo. Outros foram para a vida acadêmica ou empresarial. Não falta, no mercado, gente capacitada para dirigir empresas públicas desse tipo, conhecidas em vários dos grandes países produtores.
Os preços agrícolas subiram no mercado internacional durante vários anos e essa tendência afetou também o mercado brasileiro. Apesar da elevação de preços, não houve nenhuma crise de suprimento no Brasil.
Crises desse tipo foram muito frequentes quando havia controles de preços, porque a ação oficial dificultava a modernização produtiva. A liberação gradual do mercado, a racionalização da política e o forte investimento em pesquisa permitiram uma ampla mudança do quadro. As crises sumiram e a alimentação passou a pesar menos no custo de vida, liberando recursos para o consumo de outros produtos. Mesmo com a alta de preços dos últimos anos, o custo da comida, no Brasil, continuou sendo um dos mais baixos do mundo.
Em países bem administrados, a variação de alguns custos, como o dos alimentos ou dos combustíveis, apenas altera a relação entre preços, sem pôr em movimento uma espiral inflacionária. No Brasil, a difusão dos aumentos foi favorecida por outros fatores, como a expansão do crédito, o estímulo ao consumo e a elevação dos salários bem acima dos ganhos de produtividade da economia. Mas o governo prefere desconhecer esses fatos evidentes, promover um corte de juros obviamente voluntarista e manter a gastança pública.
Em vez de combater a inflação, o governo tem procurado conter os índices, controlando preços de combustíveis, cortando alguns impostos para baratear produtos selecionados e tentando administrar o câmbio.
A Conab tem promovido frequentes vendas de estoques. Só de feijão, por exemplo, dez leilões foram programados entre 24 de janeiro e 22 de fevereiro. Alguns setores da indústria de alimentos poderão até apoiar maior intervencionismo, se isso resultar em maiores vendas de matérias-primas, como o milho. Mas isso será uma demonstração de visão curta.
Uma boa política de estoques serve para a sustentação de preços, por meio das compras oficiais, e para a moderação das altas, por meio das vendas. Mas é preciso balizar toda intervenção pelo bom senso. Mexer no mercado para derrubar alguns preços selecionados é um jogo perigoso, tentado no Brasil, em outros tempos,com péssimos resultados. Seria insanidade ressuscitar a velha Sunab, a desastrosa Superintendência Nacional do Abastecimento. A presidente Dilma Rousseff deveria se lembrar disso. Não é necessária muita cultura econômica para entender esses fatos.
OESP, 22 defevereiro de 2013.
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