Secretário admite 'alguma migração' de criminosos por causa das 34 UPPs no Rio
17 de novembro de 2013 | 2h 03
MARCELO BERABA, WILSON TOSTA, RIO - O Estado de S.Paulo
Os últimos seis meses foram difíceis para o gaúcho José Mariano Benincá Beltrame, de 56 anos, secretário de Segurança do Rio desde 1.º de janeiro de 2007 e chefe de um dos projetos-chave do governo Sérgio Cabral Filho (PMDB), o das Unidades de Polícia Pacificadora (UPP).
Wiltonm Junior/Estadão
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Desde junho, o setor que o delegado da Polícia Federal comanda foi duramente submetido à prova por uma sucessão de problemas, crises e pressões. As manifestações de rua, marcadas pela violência, se estenderam até outubro, com acusações à Polícia Militar que variaram da omissão ao abuso. Na Rocinha, o desaparecimento do auxiliar de pedreiro Amarildo de Souza após ser preso virou um sombrio caso de sequestro e morte sob tortura perpetrado por PMs.
Recentemente, os índices de criminalidade voltaram a crescer depois de longo período de declínio: em agosto de 2013, os homicídios subiram 38% sobre o mesmo mês do ano passado. Apesar das dificuldades e de se dizer cansado, Beltrame, pela primeira vez, admite que, se for convidado, pode permanecer no cargo.
Nos últimos meses, Beltrame também precisou resistir a pressões para transferir o título eleitoral de Santa Maria, no Rio Grande do Sul, para o Rio, para tentar um cargo eletivo pelo PMDB no Estado.
Outra modificação importante foi a admissão pelo secretário de que "alguma migração" de criminosos da capital, por causa das 34 UPPs em comunidades pobres, pode ter causado aumento da criminalidade em cidades vizinhas. Beltrame afirma ainda que as passeatas representaram um fato totalmente novo para as polícias, até mesmo pelo uso, por manifestantes, de coquetéis molotov e outras armas, e questiona a ideia de que possam ser enfrentadas por meio de procedimentos "manualizados". "Eu já disse, até mesmo eu gostaria de estar na manifestação, com umas plaquinhas", brinca, sem revelar o que escreveria.
Depois de meses de queda, a criminalidade voltou a subir com força no Rio. O que está havendo? Tivemos, sem dúvida nenhuma, uma ação forte (da polícia) na capital. Tivemos uma opção pela UPP e também pelo controle de metas. Tínhamos de atacar essas duas frentes. Agora, o crime também, em uma cidade grande, pode buscar novas formas, outras alternativas. (Houve) Um pouco de migração (da criminalidade), pode ter também aí falha policial, falha na investigação, pode ter falha na supervisão, pode ter uma série de outros problemas. Mas o tráfico sentiu o golpe e pode estar procurando alguma outra maneira de suprir isso.
De que maneira essa reação do crime está impactando o programa de UPPs? Provoca algum tipo de mudança na estratégia? Não necessariamente. Em primeiro lugar, é dizer que o Estado entrou, não vai sair. Eu digo, isso que está acontecendo nas UPPs é a tirania procurando alguma coisa. Não viram uma entrevista em que o cara disse que o tráfico está perdendo dinheiro, que o tráfico está acuado, que isso é um desaforo? E isso não vai parar. Esses caras não vão entregar isso para nós de mão beijada. O que tem de fazer nesses casos é identificar as pessoas, ir lá e tirar. Mas nunca iludi ninguém de que isso seria uma solução. Acho que as pessoas precisam entender que temos hoje 9 mil policiais nesse programa, em torno de 230 comunidades ocupadas, que perfazem 34 UPPs. Isso em cinco anos. E esses 9 mil policiais não estão patrulhando a Nossa Senhora de Copacabana.
Procede a avaliação de que com as UPPs na capital houve uma grande migração de criminosos para municípios próximos, ao mesmo tempo em que tirou policiais dessas regiões? O quadro não é bem assim. Houve migração? Houve. Qual é o nosso calcanhar de Aquiles? É medir o tamanho dessa migração. As pessoas falam em migração e parece que chegaram cinco ônibus de bandidos em um lugar e tomaram conta. Só para ter uma ideia: em Niterói, tivemos, de janeiro a julho, em torno de trezentos e poucos presos... Trinta e poucos eram do Rio.
Em função dessa reação do crime nos últimos meses, pode acontecer alguma modificação no programa das UPPs? Todo planejamento é dinâmico. A gente, em 31 de dezembro, promete um monte de coisa: parar de fumar, parar de beber, emagrecer, e não consegue. Então, o planejamento tem uma margem que muda, mas não temos a intenção de mudar, vamos, até o fim do ano que vem, entregar as 40 UPPs e tem mais um número de UPPs planejadas. Agora, se tiver de fazer ajuste, a gente faz.
Houve um momento em que se juntaram números de aumento de criminalidade, problemas nas UPPs e manifestações de rua, que geraram muitas críticas à PM. Como o senhor avalia isso? A polícia tem de procurar o meio-termo. Se ela não faz, prevarica; e, às vezes, se faz, está sujeita a abuso de poder. Então, o meio disso aí é a solução. E como você chega ao meio, em um movimento totalmente caótico, em um movimento que não tem pessoas para você fazer interlocução e em um movimento totalmente novo? Nunca tivemos aqui pessoas mascaradas, coquetel molotov, estilingue incendiário, muito menos pessoas com rosto coberto. Então, teve aquele primeiro dia, em que 102 cidades do Brasil amanheceram quebradas. E acho que ali a polícia poderia ter agido melhor. Em contrapartida, tenho certeza que ela também evitou muita coisa. A polícia do Rio, de Choque, é uma das mais treinadas do País. O problema é que é uma situação totalmente diferente. Eu já disse, até mesmo eu gostaria de estar na manifestação, com umas plaquinhas, lá...
Com que placa? Não posso dizer agora, né?
Como o senhor analisa as acusações de que a Polícia Militar tem feito, nas manifestações, prisões sem prova, que levam à liberação dos acusados? Por que isso? Porque a legislação quer que tenha autoria e materialidade. Em uma situação caótica, você pode ver, em São Paulo, em outros Estados, é muito difícil. Teve um delegado que enquadrou com Lei de Segurança Nacional. Quando conseguimos pegar as pessoas com porrete com prego na ponta, com bombas, essas pessoas foram presas.
Quando manifestantes presos no Rio foram enquadrados na Lei de Organizações Criminosas, houve muitas críticas, dizendo que essa lei seria adequada para tratar de quadrilhas internacionais, envolvidas em tráfico transnacional de drogas, armas, pessoas. Houve exagero? O que vejo é (a necessidade de) uma adequação. O que estamos vendo são ações muito maiores do que o simples dano, e essas pessoas hoje estão sendo enquadradas no dano. É muito mais do que dano e menos do que organização criminosa, talvez. Mas, uma vez enquadrada, e a polícia trabalhando, nada impede que no transcorrer de uma investigação cheguemos a uma organização criminosa, ou a uma infiltração, ou à participação de outros atores.
Procedem as informações sobre a ação de ativistas ligados a partidos nas manifestações? Aí vai te falar um cara que tem 30 anos de inteligência: eu, sobre inteligência, não falo. Uma coisa é você ter a informação, outra coisa é você divulgar essa informação. Quem tem a informação é responsável pela salvaguarda dela.
Essa divulgação foi precipitada? Claro que foi.
E está prejudicando a investigação? Sem dúvida. Não é nada contra a imprensa, acho que a imprensa está no papel dela.
Um dos fatos que ajudaram a incendiar as manifestações foi o caso do Amarildo de Souza, ajudante de pedreiro desaparecido depois de preso pela PM na Rocinha. Como o senhor viu esse episódio? Muito ruim, muito triste, em especial para a família. Sem dúvida nenhuma chocou a todos nós.
Atingiu a imagem da UPP e da política de segurança? Na minha percepção, não. Porque teve ali um episódio isolado, teve uma ação da polícia representando o Estado, que apresentou os autores à sociedade, estão entregues à sociedade para responder por isso. E a gente mostrou que não tem corporativismo, tem oficiais presos, tem uma turma grande que foi apresentada à Justiça. E hoje (a Rocinha) é um lugar onde se investiga como em qualquer lugar.
Tudo indica que a morte de Amarildo foi resultado de uma sessão em que foi torturado. Por que a polícia do Rio não consegue se livrar do estigma da tortura? Acho que, em primeiro lugar, não dá para generalizar. Temos aí muitas prisões muito bem feitas. Acho que temos diariamente vidas que são salvas (pela polícia), anonimamente, ou pelo menos vocês não estão sabendo. Mas temos, sem dúvida nenhuma, uma história um pouco negativa nesse aspecto, que alguns policiais insistem, por vezes, nessa questão de abuso.
Vão achar o corpo de Amarildo? Como vou te responder isso? Tenho esperança que na Justiça, onde vamos ter o enquadramento da participação de cada um (dos PMs), tenhamos algum tipo de resultado.
O senhor até há pouco tempo dizia que seu sonho era, encerrado o atual governo, ir para a iniciativa privada. O senhor mantém essa disposição ou poderia aceitar continuar, se o vice-governador Luiz Fernando Pezão ganhar a eleição para governador no ano que vem? Se o Pezão ganhar, a gente pode continuar.
Esse 'pode continuar' é eleitoral ou é vontade? Não, não é nada eleitoral. Você tem horizontes aqui para a segurança pública que não terminam mais. Tem toda uma questão de educação, qualificação, preparo nas academias, tecnologia. A gente vê uma série de outras coisas que ainda faltam. O Rio tem uma história de violência. E talvez a gente perca uma geração para mudar esse patamar.
Passados sete anos, o senhor não está cansado? Cansado eu estou. Não tenha dúvidas de que cansado eu estou. Mas quem sabe, se eu ficar, o Pezão não vai me dar férias?
Foi difícil esse período que juntou Amarildo, manifestações, aumento da criminalidade e pressão grande sobre o senhor se candidatar? Difícil, não tenha dúvida. Muito difícil.
Na sua gestão, o senhor acha que o mais importante foi a UPP? O mais importante para mim, de tudo, foi a despolitização da secretaria.
Essa despolitização significa que o senhor não vai para a televisão pedir votos para o Pezão? Não estou pensando nisso, não estou pensando absolutamente em fazer campanha, não é comigo.
As UPPs trouxeram a sensação de segurança de volta a cidade. Isso já foi a maior mudança.
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