segunda-feira, 15 de abril de 2013

A flauta não tocou para Juan Manuel


 

A marcha do dia 9 confirmou o fato de que os grupelhos que fazem o jogo das FARC, a Marcha Patriótica e o PCC, entre outros, e as próprias FARC, fazem parte da unidade nacional de Santos? Parece-me que as coisas vão nessa direção. Tudo isto teria sido a confirmação pública, e nos fatos, de um protocolo secreto.

A flauta não tocou para Juan Manuel Santos. Há uma defasagem evidente entre a manifestação do dia 9 de abril “pela paz” em Bogotá e as “marchas” nas outras cidades. A de Bogotá foi grande, sem dúvida, embora não muito, nem como o presidente Santos e os outros organizadores esperavam. As das outras cidades foram inexistentes, em algumas cidades, ou esqueléticas em outras [1].
A marcha de Bogotá encheu a duras penas a Praça de Bolívar [2]. Pode-se dizer que foi uma vazão rotineira, habitual. Como as manifestações convocadas em anos recentes pela esquerda e os sindicatos controlados, nos 1º de maio, por exemplo, ou no final dos processos eleitorais.
Desta vez havia um elemento novo, muito particular, que devia pesar muito sobre a opinião pública: o chamado do chefe do Executivo, e de funcionários como o Promotor Geral [3], para sair e se manifestar. O mesmo fizeram o polêmico prefeito de Bogotá, Gustavo Petro, um cardeal politiqueiro, Rubén Salazar Gómez, e os chefes das FARC. Nunca se tinha visto na Colômbia um ramalhete de convocadores tão heterogêneo. Entretanto, não houve avalanche. E houve outra coisa raríssima: Santos ordenou que uma parte da Força Pública fosse utilizada como massa de manobra da manifestação em Bogotá. Isso não se via na Colômbia há décadas. Nem sequer a ditadura do general Gustavo Rojas Pinilla se atreveu a cometer semelhante abuso.
O uso da Força Pública em uma manifestação política é certamente um traço da tirania de Hugo Chávez. Esse elemento é central, em minha opinião, no momento de fazer a análise do que aconteceu ontem na Colômbia. Esse fato afetará sem dúvida a trajetória política de JM Santos e afetará a credibilidade da presidência da República. Compromete sem dúvida seu afã re-eleicionista. O feito pelo chefe do Executivo nesse sentido é inusitado e abominável. Essa decisão poderia mudar a definição que até agora os colombianos tinham do atual governo. A manifestação pró-FARC do dia 9 confirma que há mudanças na configuração das forças políticas sobre as quais repousa o governo de Juan Manuel Santos.
Ele foi eleito graças a um programa de restauração da autoridade do Estado que as maiorias respaldavam. Uma vez eleito, JM Santos traiu essa agenda e se rodeou das forças minoritárias que haviam perdido as eleições. A passeata do dia 9 foi um passo a mais nessa errática e anti-democrática direção.
A pergunta é: o ocorrido no dia 9 confirmou o fato de que os grupelhos que fazem o jogo das FARC, a Marcha Patriótica e o PCC, entre outros, e as próprias FARC, fazem parte da unidade nacional de Santos? Parece-me que as coisas vão nessa direção. Tudo isto teria sido a confirmação pública, e nos fatos, de um protocolo secreto. Isso é novo e muito grave. Que conseqüências tem essa revelação de Santos para essas formações extremistas? O que responderão ante isso o Partido Conservador e as facções liberais e verdes? O que isso pode anunciar a curto e médio prazo sobre o exercício do poder?
Outra pergunta: Santos não violou a lei e a Constituição ao fazer uma utilização política da Força Pública? O Artigo 219 da Constituição nacional diz: “A Força Pública não é deliberante”. Essa norma não foi violada ontem? “Qual é a sinceridade de um Governo que chama uma formação militar para participar em um desfile de civis, com o pretexto de que é uma homenagem às vítimas? Quem foi indulgente, quem deu impunidade aos verdugos, não tem autoridade moral para convocar uma homenagem às vítimas”, declarou o ex-presidente Álvaro Uribe na rádio. “Que tristeza que 5 mil militares do Exército tenham que cumprir uma ordem presidencial de estar na marcha para apoiar as FARC”, sublinhou o pré-candidato presidencial, Oscar Iván Zuluaga.
Apesar da massiva propaganda oficial santista e dos aparatos farianos, os organizadores da marcha em Bogotá não mobilizaram tantas pessoas como queriam. Isso é evidente. Nisso eles fracassaram. Eles queriam fazer algo idêntico ou superior às históricas manifestações contra as FARC do 4 de fevereiro de 2008 (entre 12 e 14 milhões de colombianos saíram às ruas em 45 cidades colombianas e em 125 cidades do estrangeiro). Entretanto, ontem o país deu as costas a esse cenário. Os colombianos não saíram em massa às ruas, não disseram sim a Santos. Não assinaram o cheque em branco que lhes havia pedido. E, sobretudo, rechaçaram o convite hipócrita das FARC. O povo colombiano mostrou assim, com esse magnífico gesto, quão inteligente pode ser em meio a uma crise e quão lúcido se mostra ante os espelhismos que as FARC estão improvisando nas carreiras para enganá-lo uma vez mais.
O fracasso das manifestações “de paz” é um triunfo da oposição, sobretudo do campo uribista, que soube explicar o que estava em jogo.
A manifestação de Bogotá foi construída com recursos financeiros e materiais das FARC? Segundo o secretário de Governo de Bogotá, chegaram à capital mais de mil ônibus e caminhões de carroceria aberta com manifestantes. Eles vinham sobretudo do sul do país. Quem pagou essa enorme operação? A Marcha Patriótica é muda a respeito. Depois, é legítimo supor que o dinheiro do narcotráfico das FARC foi mobilizado para o traslado dessas pessoas.
Apesar das palavras de ordem neutras e abstratas, como “pela paz”, “pelas vítimas”, as manifestações de ontem tiveram outro aspecto obscuro. Houve manifestantes encapuzados em Bogotá. Houve gente que gritava vivas a Chávez e a Maduro. Um estudante que portava uma camiseta com a frase “Não mais FARC” foi agredido por manifestantes. Ao lado deles havia uma maioria sincera que estava no cortejo por razões diferentes. Uma parte deles assistia a uma manifestação em favor da paz. Outros o fizeram porque queriam respaldar as negociações em Cuba [4]. Outros porque queriam se manifestar em favor das vítimas do conflito. Na realidade, a faixa mais minoritária, a extrema esquerda, inventou essa jornada para “pôr gente” na sua meta: fortalecer o projeto das FARC, as exigências delas em Havana e reforçar o que eles chamam nesses dias o “bloco popular revolucionário”.
Isso muda a natureza dessa jornada. Não foi uma marcha pela paz, senão uma para perpetuar o conflito. A Colômbia não aceitará jamais que as FARC cheguem ao governo sem haver desmontado seu aparato de morte e sem ter pago por seus crimes. A manifestação do dia 9 foi só um episódio a mais das gesticulações das FARC para construir sua hegemonia. Por isso o povo o repudiou. O inquietante é que o chefe de Estado colombiano cruzou uma linha vermelha que nunca devia ter cruzado.


Notas do autor:
[1] Manifestações em outras cidades: Medellín: 500 pessoas, Cali: 300, Cúcuta: 200, Bucaramanga: 700, Neiva: 800, Pereira: 50, Pasto: 100, Barranquilla: NENHUMA, Manizales: NENHUMA.
[2] Na Praça de Bolívar cabem 30 mil pessoas. Essa praça, onde houve o dia todo concertos de música rock, nunca esteve completamente cheia.
[3] O Promotor Geral, Eduardo Montealegre Lynett, chefe do ente investigador, escandalizou o país quando declarou, durante a manifestação do 9 de abril de 2013, que no Ministério Público “não existe nenhuma condenação contra membros do Secretariado das FARC por crimes de lesa-humanidade”, e que as condenações que se produziram no passado foram por “delitos de rebelião, homicídio agravado e algumas violações ao Direito Internacional Humanitário (DIH)”. Portanto, os chefes das FARC “não têm por quê terminar na prisão”. Contudo, o Estatuto de Roma (Corte Penal Internacional), assinado pelo Governo da Colômbia em 1998 e em 2002, estabelece que os crimes de lesa-humanidade, os crimes de guerra e o crime de agressão são imprescritíveis. Eles não podem ser objeto de anistias nem de indultos. Para a Justiça colombiana alguns dos atos e decisões da cúpula das FARC constituem crimes de lesa-humanidade e crimes de guerra.
[4] Essas “negociações de paz” entre o governo de Juan Manuel Santos e as FARC começaram em 19 de novembro de 2012. Foram interrompidas várias vezes. Serão reiniciadas em 15 de abril de 2013. O conflito na Colômbia provocou a morte de mais de 600 mil pessoas e o deslocamento de 3,7 milhões de pessoas. Quinze mil pessoas desapareceram.


Tradução: Graça Salgueiro

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