terça-feira, 23 de abril de 2013

Lei não prevê embargo infringente, e os ministros sabem disso. Reputação do Supremo e da Justiça está em jogo. Ou: Não cabe ao STF ignorar a lei só para provar que é justo. Essa seria a suprema injustiça

A campanha de desmoralização do Supremo, que contou com lances sutis e outros nem tanto, não foi feita só por rancor. Onde parecia haver loucura, para ficar em citação já famosa do Hamlet, havia método. A diferença é que José Dirceu não é um príncipe meio abilolado que quer vingança para fazer justiça — se a tramoia que ele enxergava existiu ou não, aí é outra conversa… Não! No que diz respeito à tropa do mensalão, vingar-se sim, sempre! Mas, no caso, para garantir a impunidade. O “esquema” tentou levar Luiz Fux a se declarar impedido de participar dos desdobramentos do julgamento do mensalão. Tentaram atingir Joaquim Barbosa — cujo temperamento não ajuda muito. Se desse para dar uma tostada em Gilmar Mendes — sempre! —, tanto melhor! Celso de Mello não escapou em passado ainda recente, mas um pouco mais distante: ele teria mudado de opinião quanto aos atos de ofício… Já sobre a isenção de Dias Toffoli ou de Ricardo Lewandowski, “eles”, claro!, não têm a menor dúvida… Ninguém tem. Toda a pressão, vamos ver, pode não ter sido inútil. O Supremo Tribunal Federal está prestes a desrespeitar uma lei só para provar que não é tribunal de exceção. Ora, é claro que não é! Mas quem disse que era? Os que não queriam ser alcançados pelo Código Penal porque se consideram acima dessas contingências. Vamos ver.
Embargo infringente
O Artigo 333 do Regimento Interno do Supremo prevê a apresentação de embargos infringentes quando há pelo menos quatro votos divergentes. Com esse expediente, buscar-se impedir a execução imediata da pena. É preciso apontar uma razão, algum desrespeito à norma legal praticado por pelo menos um juiz e que teve influência no resultado. Uma das condenações de Dirceu — formação de quadrilha — se deu por seis a quatro. Por ela, foi apenado com dois anos e 11 meses de prisão. Somado esse período aos sete anos e 11 meses por formação de quadrilha, tem-se o total de 10 anos e 10 meses. Terá de começar a cumprir a pena, necessariamente, em regime fechado. Caso se reverta o resultado da pena por quadrilha, a que resta (menos de oito anos) pode ser cumprida em regime semiaberto. Como praticamente inexistem instituições para essa modalidade no Brasil, Dirceu poderia ficar solto, exercendo a sua missão de professor de educação moral e cívica.
O deputado federal João Paulo Cunha (PT-SP) foi condenado a nove anos e quatro meses no total — o que também exige cumprimento da pena em regime inicialmente fechado. Três anos desse total se devem à condenação por lavagem de dinheiro. Nesse caso, o placar contra ele foi de seis a cinco (o tribunal estava, então, completo). Caso isso seja revertido, sua pena total será de seis anos e quatro meses — também vai par o semiaberto, o que tem significado, em Banânia, a liberdade. Há ainda outros réus que seriam beneficiados — nem sempre a mudança significa, nesses casos, a diferença entre o regime fechado e o semiaberto. Adiante.
Haverá embargo infringente?
Agora a pergunta que não quer calar: os embargos infringentes serão admitidos? Se o Supremo não quer se desmoralizar logo à partida, está obrigado a fazer, entendo, a coisa em duas etapas:

a) na primeira, o plenário tem de decidir se o Artigo 333 do Regimento Interno ainda está em vigência. Se o texto legal faz sentido e se o Supremo reconhece o valor da lei, NÃO ESTÁ.
b)
caso se admita que esse artigo ainda vige, aí o plenário teria de decidir se há ao menos motivo para admitir o embargo. Reitero: é preciso apresentar algum motivo verossímil ao menos.
Vamos pensar o “Item a”
A Lei 8038, de 1990, disciplina os processos penais nos tribunais superiores — STF e STJ. Isso significa que eles devem se dar dentro dos parâmetros que lá estão estabelecidos. ATENÇÃO! INEXISTE EMBARGO INFRINGENTE NO TEXTO. A menção a esse procedimento diz respeito a outro assunto. ORA, SE A LEI QUE CUIDA DO PROCESSO PENAL NOS TRIBUNAIS SUPERIORES NÃO PREVÊ EMBARGO INFRINGENTE, COMO É QUE O SUPREMO VAI RECORRER A ESSE EXPEDIENTE SÓ PORQUE ESTÁ PREVISTO EM SEU REGIMENTO? Só poderá fazê-lo se considerar, então, numa inversão espetacular de grandezas, que o regimento de um órgão é superior a uma lei. Pergunto: é superior?
Até a Constituição de 1967, o Regimento Interno do Supremo tinha força de lei. Isso acabou com a Constituição de 1988. SAIBAM AINDA OS LEITORES QUE O SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA NÃO ADMITE MAIS EMBARGOS INFRINGENTES. E POR QUE NÃO? Porque segue a Lei 8038.
Que o STF respeito o STF
Atenção! O STF admitia embargos infringentes em casos de Ação Direita de Inconstitucionalidade. Está previsto no Artigo 331 do Regimento Interno. Deixou de admiti-los depois da lei 9868. Por quê? Porque ela simplesmente não prevê esse recurso. Se há quem argumente que o Regimento Interno continua com força de lei, caberia indagar por que o próprio Supremo declarou sem efeito o Artigo 331.
Assim, minhas caras, meu caros, se o Supremo foi seguir a lei — é o que sempre se espera, não? — e se for seguir o padrão que ele próprio adotou quando uma lei contraria o seu Regimento Interno, É EVIDENTE QUE OS EMBARGOS INFRINGENTES TERIAM DE SER DESCARTADOS DE SAÍDA.
Vamos pensar o item b
Digamos, no entanto, que o Supremo ignore a Lei 8038. Insisto que é preciso, antes de qualquer coisa, votar se o Artigo 333 está ou não em vigência. Caso se conclua, contra a lei, que sim, aí, então, será preciso que o plenário examine os argumentos dos advogados. Por que o embargo infringente está sendo apresentado? Bastam os quatro votos divergentes e pronto? Reza o bom senso que não. É preciso ver em que se ancora a defesa. Repete os argumentos já vencidos no julgamento? Expõe novos? Não parece que os advogados de defesa tenham chegado a algum ovo de colombo, não. Aposta-se, isto sim, numa única coisa: a nova composição do tribunal.
Agora, o(s) novo(s) votam(m)
Os ministros já tornaram públicos os seus votos. O acórdão está aí. Dos votantes de antes, ninguém mudou de ideia. Cezar Peluso participou só de uma parte ínfima do julgamento. Ayres Britto teve tempo de votar em todos os casos. Substituiu o primeiro o ministro Teori Zavascki. Dilma ainda precisa indicar o substituto do segundo. É claro que os novos ministros, desta feita, podem ser decisivos no destino de alguns réus e do próprio STF. Zavascki e, eventualmente, o nome ainda não indicado é que farão a diferença — salvo, evidentemente, algum caso muito particular de esquizofrenia jurídica, que leve a alguma mudança espetacular de voto.
Digamos que se considere que o Artigo 333 ainda está em vigência e que os embargos sejam admitidos. Quem pode mudar o placar de seis a quatro contra Dirceu? Ora, Teori Zavascki e o Nome Ainda Desconhecido. Dos seis que condenaram Dirceu por formação de quadrilha, cinco continuam no tribunal (Peluso não votou nesse caso).
O procedimento
A coisa pode ir longe, o que, mais uma vez, contribui para desmoralizar a Justiça. Admitidos os embargos, será preciso nomear um novo relator — que não pode ser nem Joaquim Barbosa nem Ricardo Lewandowski, respectivamente relator e revisor do processo. Haverá sorteio. Também já não será Roberto Gurgel o procurador-geral da República. Dilma deve nomear Rodrigo Janot, que venceu a “eleição”. Digamos, só para pensar, que a tarefa da relatoria caia no colo de Dias Toffoli, ex-subordinado de Dirceu. Pois é…
Admitidos os embargos, lá se vai o ano de 2013 consumido por essa questão. E cumpre ficar de olho no calendário. Assim como se tentou evitar o julgamento em 2012 porque era ano eleitoral, alguém se lembrará do incômodo de ver petistas eventualmente indo para a cadeia em 2014, quando Dilma disputa a reeleição. Saibam: o relator não tem prazo para entregar o seu voto.
Não foi em vão
No próximo post, demonstrarei que todo o esforço protelatório durante o julgamento não foi em vão. Quando menos, ele resultou na mudança de composição do tribunal e no que acaba sendo uma espécie de segundo julgamento. Na prática, dois ministros que não participaram do processo funcionarão como corte revisora do próprio STF.
Os ministros do Supremo que pensem muito bem. O que está em questão é a reputação do tribunal e da Justiça. E NÃO! EU NÃO ESTO COBRANDO QUE O SUPREMO IGNORE A LEI PARA FAZER JUSTIÇA. ESTOU COBRANDO É O CONTRÁRIO: QUE SE RESPEITE A LEI E QUE NÃO SE PREMIEM A CHICANA, A PROCRASTINAÇÃO E O DEBOCHE.
Por Reinaldo Azevedo

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