segunda-feira, 29 de abril de 2013

Raposa Serra do Sol vive abandono após quatro anos



Adversários na demarcação da segunda maior reserva indígena do país, fazendeiros e índios se unem na crítica ao poder público por descaso com a região. Indígenas querem apoio para produzir
Wilson Dias/ABr
STF manteve demarcação. Quatro anos depois, cenário é de abandono
BOA VISTA e PACARAIMA (RR) – Quatro anos depois de o Supremo Tribunal Federal (STF) confirmar a demarcação da terra  indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, e determinar a retirada dos arrozeiros que ocupavam a área, as antigas culturas estão abandonadas. O gado, que em muitos lugares substituiu as plantações de arroz, morre de sede, as estradas, todas de terra, estão em mau estado de conservação, com muitas pontes sem condições de uso ou mesmo queimadas. Para fazer o transporte escolar dosíndios, só com caminhonetes de cabine dupla, que transportam no máximo quatro alunos.

As condições adversas após a autorização do STF para a demarcação continuar foram constatadas pela reportagem do Congresso em Foco no início desta semana, em viagem por comunidades da segunda maior reserva do país, no norte de Roraima. Os índios têm vivido apenas de pequenas roças, mas não estão satisfeitos com a situação. Querem assistência técnica para melhorar e aumentar a produção, distribuindo riqueza entre as comunidades formadas por 20 mil pessoas, segundo o Conselho Indigenista de Roraima (CIR), ligado à Igreja Católica.
Lados opostos na demarcação da Raposa, índios, fazendeiros e deputados ruralistas ainda trocam adjetivos duros entre si, mas o abandono na reserva os fez chegar a pontos de consenso. No Centro de Tradições Gaúchas de Boa Vista, os arrozeiros ainda lamentam a perda das terras, o “engessamento” da economia de Roraima, mas entendem a demarcação como fato consumado. E defendem que os indígenas retomem a produção agrícola antes tocada por eles. O presidente da Associação dos Arrozeiros de Roraima, Genor Faccio, mostra fotos da Fazenda Canadá, antes toda verde de arroz irrigado e, agora, seca e sem utilidade. “A gente podia até perder a fazenda pra alguém, mas que alguém fosse produzir ali”, afirma.
O coordenador do CIR, Mário Nicácio Wapichana, do povo macuxi, critica o governo federal. Ele diz que, ao assumirem a terra, foram impedidos de plantar numa das principais propriedades, que antes pertencia ao deputado Paulo César Quartieiro (DEM-RR). Quando Quartiero foi multado em R$ 30 milhões por crimes ambientais, teria havido um embargo à produção, que só começou a ser quebrado pelos índios em novembro passado. “Para nós, foi um desrespeito mesmo”, disse ele. Wapichana acredita que nesses quatro anos o governo federal não agiu de forma ágil no desenvolvimento da agricultura local.
Eduardo Militão/Congresso em Foco
Sem água e alimentos, gado sofre na reserva. Abandono aproximou índios e ruralistas
 
Mercado consumidor
O deputado Márcio Junqueira (DEM-RR), que, junto com Quartiero, esteve no centro dos conflitos com os índios, diz que o importante é garantir o abastecimento dos mercados consumidores do estado, do Amazonas e do exterior, independentemente de quem seja o dono da terra. O governador José de Anchieta (PSDB) – que não é exatamente um “amigo” dos indígenas – concorda com líderes da comunidade na Raposa, ao defender assistência técnica aos indígenas. “O governo federal precisa manter a infraestrutura das comunidades, estradas, pontes e energia, dar condições com relação a saúde, educação e assistência técnica”, afirmou o governador ao Congresso em Foco. Ele diz fazer sua parte ao entregar 80 kits de irrigação, construir poços de piscicultura e oferecer técnicos aos indígenas da reserva.
Apesar de manter críticas aos arrozeiros e à bancada de políticos que os apoiam, o coordenador do CIR entende que o diálogo está melhorando. “Fazemos o plano de gestão”, explicou Wapichana. “O diálogo já está sendo feito.”
Franklin Paulino, um líder local no Baixo Cotino, lembra as dificuldades e conta que mais de 40 cabeças de gado morreram só em abril. A seca ajuda a matar as reses. Ele admite que as técnicas agrícolas avançadas, dominadas pelos ex-proprietários, ainda não são dominadas pelos índios. Faltou assistência aos indígenas.
Para o presidente da Frente Parlamentar de Apoio aos Povos Indígenas, Padre Ton (PT-RO), a Funai falha na coordenação das políticas públicas nas reservas. “É um órgão ciumento: só ele entende de índio. É muito fechado, foi muito corrupto no passado e conivente com problemas”, acusa o deputado, em entrevista ao Congresso em Foco. O presidente da Comissão da Amazônia e integrante da bancada ruralista, Jerônimo Goergen (PP-RS), diz que pretende pedir a convocação de dirigentes da Funai, na próxima semana, em busca de esclarecimentos sobre o que ele viu na Raposa Serra do Sol. “Podemos abrir uma CPI”, disse ele.
Desde terça-feira (16), o Congresso em Foco pede uma entrevista com representantes da Fundação Nacional do Índio para comentar as críticas feitas tanto por indígenas quanto por fazendeiros ao abandono da Reserva Raposa Serra do Sol. Mas não obteve retorno até o fechamento da reportagem.
* O repórter viajou a convite da Comissão da Amazônia da Câmara dos Deputados.

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