13 de agosto de 2013, em Análise, Estratégia, Noticiário Internacional, Segurança, Terrorismo, por Nicholle Murmel
DAVID, ROTHKOPF, FOREIGN POLICY, É PESQUISADOR DA EUROPA NA HUMAN RIGHTS WATCH – O Estado de S.Paulo
A cada dia que passa, torna-se mais evidente que, apesar do que parece ser uma ameaça terrorista muito séria, os maiores riscos com que os EUA se defrontam são fruto dos seus próprios equívocos e pressupostos errôneos. Falei com um funcionário do governo de alto escalão – um dos melhores e mais brilhantes da Casa Branca – que descreveu em termos enérgicos a importância de os americanos destruírem totalmente o “núcleo” da Al-Qaeda. O porta-voz da Casa Branca, Jay Carney, reiterou esse ponto. Mas dois erros de avaliação tornaram-se significativamente evidentes.
O primeiro é óbvio, considerando que, como foi informado, o último alerta se deveu, em parte, às comunicações ocorridas entre o núcleo ainda ativo da Al-Qaeda, chefiado por Ayman al-Zawahiri, e seus vices na Al-Qaeda da Península Arábica (AQAP). A segunda e talvez mais importante revelação é o persistente conceito de que a Al-Qaeda poderia ser efetivamente derrotada (ou os riscos relativos à organização poderiam ser reduzidos) destruindo seu chamado núcleo.
Grande parte da ameaça relacionada à Al-Qaeda tem a ver com o fato de que não se trata de uma organização hierárquica tradicional. Ela opera com uma estrutura que lhe permite se recuperar até mesmo dos golpes mais duros, transferir-se para novos locais, bem como modificar-se e retomar as operações.
Além disso, evidentemente, analisando o subproduto do levante em todo o mundo árabe (particularmente em países como a Síria), os extremistas se apresentam de várias formas com muitas facções. Portanto, concentrar-se em uma organização específica não reduziria necessariamente a ameaça.
Por outro lado, a propagação de regimes fracos e do caos na região, na realidade, contribui para acelerar o recrutamento de novos combatentes, o surgimento de novas organizações (como a Al-Nusra na Síria) e o alastramento dos riscos, tornando a gestão deles ainda mais difícil.
A confluência desses dois últimos fatores é bem ilustrada pelo fato de que a suposta comunicação de Zawahiri ocorreu com o novo n.º 2 da Al-Qaeda – seu líder na Península Arábica, Nasser al-Wuhayshi. Anteriormente secretário pessoal de Osama bin Laden, Wuhayshi foi preso, mas conseguiu fugir e se mudou para o Iêmen, um dos Estados mais frágeis da região.
Desde então, ele se encarregou de uma persistente operação local de fortalecimento da organização com aspirações globais. Ibrahim al-Asiri, o especialista saudita na fabricação de bombas, de 31 anos, que estava por trás de recentes complôs, como a bomba na cueca e o artefato explosivo sob a forma de cartucho da impressora, também estaria no Iêmen e faria parte da AQAP.
A fuga de Wuhayshi da prisão também destaca outra prioridade equivocada dos americanos. Embora os EUA tenham se empenhado em um debate de cunho extremamente político e aberto sobre o ataque de 11 de setembro, em Benghazi, na Líbia, tem sido pouco discutida uma série ainda mais preocupante de fracassos: as fugas das prisões em instalações onde estão abrigados perigosos extremistas.
Essa lista incluía recentemente Abu Ghraib, uma prisão do Paquistão, e outra fora de Benghazi. Com as três últimas fugas, fala-se de cerca de 2 mil extremistas que estariam à solta.
Onde está a investigação que deveria mostrar como essas fugas foram possíveis, o motivo pelo qual sua possibilidade não foi mencionada anteriormente como um grave risco e por que não foi implantado um sistema de segurança mais rigoroso? Na realidade, embora Washington tenha se preocupado compreensivelmente com os erros da segurança no escritório diplomático americano de Benghazi, falhas de consequências mais sérias ocorreram posteriormente.
Outra série de equívocos está associada às informações que levaram ao alerta. Como observa o recente artigo de Shane Harris, publicado pela Foreign Policy, está claro que as revelações de Edward Snowden, que provocaram uma enorme tempestade em Washington, não esgotaram a capacidade de utilizar informações para interceptar complôs terroristas. No entanto, a decisão do governo de divulgar que as interceptações determinaram o alerta antiterror e fechamento de embaixadas também colocou em risco as fontes e os métodos dos EUA.
Embora a decisão de revelar a natureza da informação indubitavelmente tenha sido tomada após uma cuidadosa análise, ela destaca o peculiar jogo de gato e rato que os EUA e esses extremistas estão jogando – as comunicações e as técnicas de interceptação mudam e evoluem constantemente.
Evidentemente, o maior erro relacionado ao programa de inteligência é a ideia de que, para deter os terroristas, é válido menosprezar os direitos básicos à privacidade dos cidadãos americanos e de seus aliados. As ameaças do terror são limitadas, fugazes e literalmente impossíveis de frear plenamente – razões que jamais deveriam ter sido aduzidas para menosprezar outros princípios duradouros. É importante percebermos e reconhecermos esse ponto, mesmo quando há uma ameaça à espreita.
Entretanto, em Washington, muitos já tentam usar essa ameaça declarada para justificar o programa do serviço de informações escancarado por Snowden e outras excessivas reações ao terrorismo. Se devesse ocorrer outro ataque, eles, seguramente, fariam o mesmo. Existe um padrão a esse respeito que precisamos examinar de modo sereno deixando o medo de lado.
A Lei Patriota foi uma reação excessiva. A criação de novos programas de vigilância da NSA foi uma reação excessiva. E, é preciso destacar, fechar dezenas de escritórios diplomáticos americanos é uma reação excessiva. Os EUA devem proteger seus diplomatas. Mas também devem evitar parecer que estão sendo acovardados pelos terroristas. E, evidentemente, há outras opções além do fechamento de grande parte da capacidade diplomática americana em todo o mundo islâmico.
Outros países, outras embaixadas e outros escritórios estão sob o risco constante de um ataque. Entretanto, eles optam por permanecer abertos. Reforçam suas defesas. Reestruturam as instalações. Tomam precauções de maneira discreta. E o fazem a fim de evitar espalhar o pânico, mas também porque fechar dezenas de escritórios só contribuiu para que outras instalações se tornassem alvos.
E isso nos traz ao pressuposto equivocado final – o de que é realmente possível ganhar a guerra contra o terror. Evidentemente, os EUA podem sofrer derrotas. Elas ocorrem ao perseguir os alvos errados, empregar as táticas erradas e não avaliar prudentemente os riscos.
Na realidade, os EUA poderão perder essa guerra se permitirem que os terroristas determinem suas estratégias, esgotem seus recursos e os hipnotizem com jogos de sombras que nunca acabam, jogos que oferecem apenas vitórias ilusórias e os distraem de suas necessidades e prioridades reais e das ameaças maiores.
Os EUA só não perderão essa guerra se não a projetarem como tal. Deverão se proteger, mas não apenas contra os terroristas, e sim contra si mesmos e seu terror. Uma perspectiva cautelosa é mais eficiente do que todos os drones, os artigos especiais e os programas de vigilância que possam utilizar. Isso não quer dizer que não devam se manter alerta ou que não devam atacar energicamente as ameaças concretas e os que atacaram o país no passado.
Os EUA, no entanto, também devem compreender quais são os elementos para os quais devem estar constantemente preparados e se concentrarem nos riscos reais e não simplesmente nos que causam mais estardalhaço e protestos entre os histéricos no Capitólio e na imprensa americana. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA
FONTE: O Estado de S. Paulo
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