Muitos egípcios comuns e políticos de oposição consideravam o Exército e a Justiça as duas únicas instituições independentes e confiáveis do país. Desde então, essa convicção foi testada muitas vezes. Agora, parece ter chegado a hora da verdade
19 de agosto de 2013 | 22h 46
Lourival Sant'Anna - O Estado de S. Paulo
Seis semanas após o golpe militar que depôs o presidente eleito Mohamed Morsi, a Justiça do Egito pode libertar o ex-ditador Hosni Mubarak, derrubado em fevereiro de 2011. A informação veio a público ontem, após uma audiência sobre um dos processos que Mubarak responde a acusações de envolvimento no assassinato de opositores no início da revolução.
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Na contramão, Morsi foi acusado ontem de cumplicidade pela morte e tortura de oposicionistas em 2012. Em fevereiro de 2011, no calor da convulsão social que levou à queda do presidente Hosni Mubarak, muitos egípcios comuns e políticos de oposição consideravam o Exército e a Justiça as duas únicas instituições independentes e confiáveis do país. Desde então, essa convicção foi testada muitas vezes. Agora, parece ter chegado a hora da verdade.
Ao retirar ontem uma acusação de corrupção contra Mubarak, um tribunal do Cairo abriu caminho para que o ex-ditador de 85 anos seja solto da prisão. Em janeiro, a Justiça já havia determinado um novo julgamento depois que ele foi condenado à prisão perpétua pela morte de manifestantes na repressão ao levante popular que o derrubou.
Desde o início de julho, quando o comando das Forças Armadas destituiu o presidente Mohamed Morsi e instituiu um governo de transição, os militares têm sido vistos pelos secularistas – chamados de "liberais" no Egito – como os garantidores da separação Mesquita-Estado. Entre seu histórico autoritário e seu discurso democrático, esses liberais têm concedido aos militares o benefício da dúvida, principalmente por considerar a Irmandade Muçulmana um mal maior, neste momento.
Uma libertação de Mubarak poderia mudar bruscamente o humor dos secularistas, que alimentam esperanças de ver um Estado egípcio livre do domínio tanto religioso quanto militar. E reforçaria a posição da Irmandade Muçulmana, que acusa os militares de querer reinstalar a ditadura. Mubarak, um ex-oficial da Força Aérea, que governou durante três décadas, é o símbolo vivo da ditadura militar instalada no Egito desde a derrubada da monarquia pelos "Oficiais Livres", em 1952. Os militares sabem disso e não interessa a eles a saída de Mubarak, neste momento, da prisão de Tora, que guarda também alguns dos principais líderes da Irmandade Muçulmana.
Eles são responsabilizados por mortes durante sua fuga da prisão no levante contra Mubarak, em 2011, supostamente com a ajuda do grupo palestino islâmico Hamas, e também de assassinatos de manifestantes em frente à sede da Irmandade, em junho. A saída de Mubarak e a manutenção dos dirigentes islâmicos na prisão teriam enorme peso simbólico. Assim, ironicamente, a liberação de Mubarak, neste momento, seria um sinal de independência da Justiça diante das Forças Armadas. Mas ela embaralharia, mais uma vez, as cartas da democracia e da religião, lançando o Egito em mais um abismo.
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