terça-feira, 20 de agosto de 2013

Os protestos sem fim no Rio, o estado de direito e a conversa tola sobre a espontaneidade. Cabral é quem é, mas Garotinho, Freixo e Lindbergh são quem são






Reportagem de Leslie Leitão e Helena Borges na VEJA desta semana informa que o escritório de advocacia de que é sócia Adriana Ancelmo, mulher de Sérgio Cabral, cresceu muito durante o mandato do marido governador. Segundo a reportagem, antes de Cabral governar o Rio, apenas 2% do faturamento do escritório tinha origem em concessionárias e prestadoras de serviço para o Estado; hoje, chega a 60% — os ganhos mensais de Adriana alcançam R$ 184 mil. Cabe, creio, um debate sobre a legalidade dessa clientela. Do ponto de vista ético, não há o que discutir. O escritório deveria recusar esses clientes e pronto! Ninguém quer impedir a primeira-dama de trabalhar — aliás, é desejável que continue com a sua profissão; poderia ser um bom exemplo de independência. Parece não ser o caso.
Lembro esse episódio porque é mais um elemento a complicar a situação política de Sérgio Cabral, cujo prestígio, que se mostrava impermeável a situações até mais constrangedoras, se manteve incólume até a onda recente de caça aos políticos — o que, como é sabido, nunca me entusiasmou e jamais contou com o meu endosso. E não contou porque não acredito em movimentos espontâneos. A rigor, a espontaneidade não existe, a não ser na natureza — e olhem lá. A palavra deriva do vocábulo latino “sponte”, aquilo que se dá pela própria vontade, por moto próprio. Daí que o conceito vá bem com a natureza, desde que não seja tomado como sinônimo da ocorrência imotivada. Algum motivo sempre há — a não ser para os milagres, mas aí estamos em outro domínio.
Um certo “malaise” se espalhou pelo Brasil inteiro, como a gente viu, mas se mostra mais persistente e agudo no Rio — e o esforço para engolfar a Prefeitura é visível. Sempre há motivos para protestar contra governos, e não estou aqui a questionar o que é um direito democrático. Mas é um desserviço à democracia considerar que a livre manifestação, que é constitucional, se sobrepõe à liberdade de ir e vir, que também é assegurada pela Carta. E é o que se tem visto Brasil afora, especialmente no Rio. Não há um empate entre esses direitos porque isso faria supor que se anulam. Eles podem conviver. Digam-me: alguém já viu por aí o direito de ir e vir cassando a liberdade de manifestação? Quando? Onde? O que se vê cotidianamente é o contrário. As coisas não ficam por aí. Não raro, protestos são tomados por arruaceiros, que se dizem anarquistas, e o que se tem é um rastro de destruição. Mas não vou tomar esse atalho agora. Quero voltar ao Rio.
Vi, neste domingo, os professores promovendo o enterro simbólico de Sérgio Cabral. Oficialmente, a categoria está em greve no Estado e no Município. “Movimento espontâneo”? Não! As mãos que balançam esse berço são principalmente do PSOL e do PSTU. Os abduzidos de Marcelo Freixo comandam ainda a absurda ocupação da Câmara dos Vereadores do Rio, agora com o endosso de uma juíza, que se negou a conceder uma liminar para que os vereadores possam fazer o seu trabalho — e, caso não façam, sempre restam as eleições para apeá-los de lá. Disse a meritíssima que aquela é Casa do povo. Sem dúvida. Justamente por ser do povo, não pode ser privatizada pelo PSOL, não é mesmo, doutora? O que é de todos não pode ser de um grupo em particular. Quer ainda a magistrada que, no caso de alguma transgressão evidente à lei, as forças policiais atuem. Sei… Impedir vereadores eleitos de tocar uma comissão de inquérito, segundo o dispõem o Regimento da Casa e a lei, supõe a atuação da Polícia? Em vez de a digníssima fazer valer esses dois códigos e determinar a desocupação pacífica, prefere o quê? Que ela se dê com o uso, ainda que legítimo, da força? As explicações da juíza atendem ao estado de direito ou ao alarido das ruas?
E a turma que acampa nas imediações da casa de Sérgio Cabral? Também PSOL e PSTU? Pode até haver um outro, mas aí já é outra fauna, composta, curiosamente, de, como posso chamar?, entusiastas do deputado Garotinho (PR-RJ) e da bicho-grilagem que também se nega a crescer. E, atenção!, em qualquer caso, em qualquer manifestação, não faltam os petistas, entusiastas da candidatura do senador Lindbergh Farias (PT-RJ) ao cargo de Cabral. Os petistas evitam exibir suas bandeiras, até porque o partido está no governo. Participam da confusão por intermédio dos ditos movimentos sociais. Como já lembrei aqui, o senador pode ter sua candidatura abalroada por um processo que corre contra ele no Supremo. Se candidato e vitorioso e se condenado (aí, no caso, com o processo migrando para o STJ), poderia ter o mandato cassado.
Desserviço
A imprensa, nessa fase absurda de competição com as redes sociais (como se fossem a mesma coisa!), se nega a dar nome aos bois e presta, assim, um desserviço ao leitor, ao telespectador, ao internauta. Eles têm o direito de saber quem está na rua e para quê. Eles têm o direito de saber quem promove a ocupação nas imediações do apartamento do governador e para quê. Eles têm o direito de saber quem manda nos sindicatos de professores e para quê. Eles têm o direito de saber quem comanda a invasão da Câmara e para quê. Se vão achar isso bom ou ruim, eis uma questão que não diz respeito ao jornalismo. Informar quem faz o quê não desqualifica reivindicação nenhuma. Omitir do leitor a informação certa, aí sim, desqualifica o próprio trabalho jornalístico.
Cabral passou tanto tempo sendo protegido de si mesmo pela imprensa carioca — e nacional! — que se mostra atrapalhado, aturdido, meio aparvalhado. De resto, eventos de sua vida privada deitaram uma sombra sobre as questões políticas, e parece que ele não consegue reunir forças para reagir. Protestar contra ele, com ou sem motivo, parece ter virado uma onda deste inverno carioca.
Não!!! É inútil tentarem me atribuir o que não escrevi. E eu não escrevi que inexistem motivos para protestar. Até porque, meus caros, a democracia assegura, e eu também o reconheço, o direito de protestar até sem motivo. Só estou lembrando que o estado democrático é caracterizado por uma teia de direitos e que nenhum deles é soberano. E, por óbvio, sobre os arruaceiros, dizer o quê? Não existe a licença para a arruaça e o quebra-quebra. Isso é crime! E, mais uma vez, expresso a minha curiosidade final: essa gente que acampa por dias na rua ou na Câmara vive de quê? Quem paga as contas de água, luz, telefone, supermercado? Seria uma burguesia rentista, que vive do que lhe propicia um gordo patrimônio privado, ou, se formos verificar, constataremos que, no fim das contas, todos eles vivem mesmo é do dinheiro público?
Por Reinaldo Azevedo

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