Resumo: A pesquisa apresentada a seguir tem,
como principal finalidade, ampliar o entendimento do crime organizado por parte
daqueles que não vivem diretamente os seus efeitos. Nos últimos vinte anos,
desde o surgimento da principal facção criminosa no Brasil, o país teve de
aprender a lidar com um novo tipo de violência. Diferentemente do criminoso
comum, o membro de organização criminosa apresenta uma ameaça muito mais grave,
que não afeta apenas aqueles que sofrem o impacto direto de suas ações. O
tráfico de armas e drogas, a corrupção e todas outras atividades
características do crime organizado são graves ameaças à segurança nacional, e
devem ser tratadas como tal. Após um lento processo de evolução, o Brasil vem
se adaptando a esta nova realidade e tentando implementar técnicas utilizadas
com sucesso em outras nações.. Ainda assim, muitos princípios básicos precisam
ser revistos para que este combate ao crime organizado seja feito de forma
eficaz. A forma como o Ministério Públ i co atua nestes casos é um exemplo do
que precisa ser reformado, além de muitos entraves criados pela legislação
falha que regula a matéria.[1]
Palavras chave: Crime organizado. Facção criminosa.
Legislação. Ministério Público. Segurança Nacional. Tráfico.
Sumário: Introdução; 1- O surgimento do Crime
Organizado; 1.1- O Comando Vermelho; 1.1.1- Criação; 1.1.2 Ascensão; 1.1.3- O
tráfico; 1.1.4 Expansão; 1.2- O Primeiro Comando da Capital; 2- O COMBATE; 2.1-
A atividade de Inteligência; 2.2- O papel do Ministério Público; 2.3 A quebra
de sigilo; 2.4- A infiltração policial; 2.5- A ação controlada; 3- Sobre a Lei
nº 9.034/95; Conclusão; Referências.
Introdução
A obra apresentada a seguir tem como
maior motivação o crescente poder que as organizações criminosas vêm adquirindo
no Brasil e no mundo todo. Seus objetivos são os de dar um maior entendimento
sobre a matéria àqueles que não são atingidos diretamente pelas consequências
deste tipo de violência e discutir sobre a forma como o problema é enfrentado.
Para atingir esta meta, o trabalho
divide-se em três partes. A primeira tem como foco o surgimento do crime
organizado no mundo e no Brasil, o modo como as principais facções criminosas
se estruturaram para conseguir o poder que hoje possuem, e uma análise mais
profunda dos dois principais exemplos: o Comando Vermelho, no Rio de Janeiro, e
o Primeiro Comando da Capital, em São Paulo.
Este entendimento inicial do cenário
é essencial para o próximo passo, que é o de analisar o combate ao crime
organizado. Serão demonstradas, nesta segunda parte do trabalho, as técnicas
utilizadas para repressão ao crime organizado, não só no Brasil como no mundo
inteiro. O objetivo, além de citar tudo o que foi feito de correto, é, também,
o de analisar novas formas de encarar o problema.
A terceira e última parte aborda as
implicações da lei brasileira no crime organizado. Serão analisados o Código
Penal, a Constituição Federal de 1988 e a Lei 9.034/95, batizada de Lei do
Crime Organizado.
È, de certa forma, pacífica a opinião
geral ao concluir que o aparato legislativo possui diversas falhas no que tange
à repressão ao crime. Os principais obstáculos serão apontados, mas a pesquisa
não se resumirá a isto. De forma humilde, serão apresentadas algumas possíveis
alterações que poderiam trazer qualquer benefício neste sentido.
O que se espera de qualquer leitor
que venha a estudar por completo o presente trabalho é um melhor
entendimento do crime organizado, como gravíssimo problema social que é,
causador de milhares de mortes por ano em nosso país e no mundo, além da
disseminação do tráfico de drogas, que produz novos viciados a cada dia.
1 O SURGIMENTO DO CRIME
ORGANIZADO
Antes de ser iniciado qualquer estudo
sobre o crime organizado, há que se discorrer, obrigatoriamente, sobre o
conceito por trás deste termo. O presente trabalho tem como tema principal as
facções criminosas e os crimes por estas praticados, não cabendo aqui um
entendimento de crime organizado como sendo qualquer crime praticado por um
grupo de pessoas de maneira organizada. Nossa própria legislação fomenta
discussão acerca deste conceito por não apresentá-lo de forma clara na Lei
9.034/95, como veremos de maneira mais detalhada na última parte da pesquisa.
Melhor seria se o legislador tivesse conceituado expressamente o termo, dando a
este tipo de fenômeno o reconhecimento específico que merece e pondo fim a
qualquer discussão.
Boa parte dos doutrinadores remonta o
surgimento do crime organizado aos séculos XVII e XVIII. As atividades do
contrabandista francês Louis Mandrin, assim como as dos piratas e bucaneiros da
época contavam com o apoio de algumas nações, estabelecendo-se assim um esquema
de corrupção parecido com o que verificamos hoje em dia entre as facções
criminosas e as autoridades.
O exemplo mais claro, porém, que vem
à cabeça de qualquer pessoa quando se fala em crime organizado, é o da máfia
italiana. Os esquemas de corrupção e tráfico praticados pelos chefões que
tratavam os integrantes da facção como família é um exemplo clássico do
funcionamento do crime organizado. As facções criminosas do país obtiveram
poder suficiente para se tornar praticamente inatingíveis pelas autoridades,
graças aos montantes irreais de dinheiro que lucravam com o tráfico de drogas.
Foi um grande exemplo, também, o modo
como o governo italiano conseguiu combater e enfraquecer substancialmente a
máfia. Hoje em dia, apesar de existentes, as facções criminosas italianas não
possuem o mesmo poder de antigamente, graças a um extensivo trabalho de combate
ao crime organizado no país. Com certeza nos seria de grandíssima valia
aproveitar alguns métodos utilizados pelo governo italiano em nosso proveito,
numa tentativa de reduzir o crescente poder que o crime organizado vem
adquirindo ao longo destes anos no Brasil.
A existência de uma máfia, na
verdade, chegou a ser questionada a um tempo atrás. Muitos doutrinadores
recusavam-se a aceitar a idéia, mantendo posturas céticas. Um exemplo disto foi
o estudioso Christopher Duggan, que em 1989 sustentou em sua tese de doutorado
que estas organizações criminosas não existiam, e que as afirmações sobre a
máfia na Sicília e nos EUA eram infundadas. Logo depois, porém, a discussão
chegou ao fim quando houve a operação italiana batizada de operazione mani pulite, que revelou muitos dos chamados pentiti,membros da máfia.
Entre os pentiti, podemos citar um dos mais famosos,
o mafioso Tommaso Buscetta, que atuava nos EUA e em alguns países
sul-americanos, chegando a ser preso no Brasil e extraditado em 2 de novembro
de 1972. Esta operação de combate à máfia trouxe, inclusive, forte retaliação
por parte dos criminosos. Podemos citar entre as vítimas o general Carlo
Alberto Dalla Chiesa, que comandava os carabinieri da Sicília, e era um dos maiores
responsáveis pelo combate repressivo à máfia, além dos juízes Giovanni Falcone
e Paolo Borselino, que mesmo sob forte esquema de proteção, acabaram
assassinados em retaliação. Este foi um dos episódios que contribuiu para
eliminar qualquer dúvida então remanescente sobre a existência dessas
organizações criminosas, além do seu poder inquestionável.
Como alguns exemplos de organização
criminosa, podemos citar: Cosa Nostra (Sicília), Organizacija (Rússia), Tríade
Chinesa (Hong Kong, Taiwan, Pequim), Lobos Cinzas (Turquia), Comando Vermelho e
PCC (Brasil). Estas duas últimas são, no nosso país, as duas facções
criminosas que se destacam por sua abrangência e capacidade de organização,
cada uma delas tendo origem em uma das metrópoles brasileiras. Veremos a seguir
a história de ambas, cabendo aqui exaltar o belíssimo trabalho realizado pelo
jornalista Carlos Amorim, autor de diversas obras, dentre as quais se destaca o
livro “CV_PCC: a irmandade do crime.”, que considero a maior e mais
completa pesquisa já feita no país sobre crime organizado.
Neste momento, porém, cabe analisar
primeiro a forma como estas facções agem para obter tamanho poder, sendo aqui
bastante úteis os ensinamentos de Mingardi (1998) acerca da relação entre o
crime organizado e o Estado. Primeiramente, o doutrinador divide o crime
organizado em duas espécies, o tradicional e o empresarial. O primeiro trata-se
do grupo de pessoas que, possuindo hierarquia própria, pratica atividades
ilícitas e clandestinas, utilizando violência e intimidação para dominar certo
território, além de contar com ajuda de alguns setores do Estado.
O controle territorial é exercido,
aqui no Brasil, principalmente nas comunidades pobres. Nestes locais, onde
muitos indivíduos consideram-se marginalizados e esquecidos pela sociedade, a
facção criminosa apresenta-se para suprir algumas destas necessidades, sejam
materiais ou até de proteção, pois de fato os criminosos chegam a agir como
polícia nas favelas, resolvendo vários dos conflitos internos. Estes grupos
obtém, assim, a simpatia dos moradores destes locais, como veremos mais à
frente no caso do Comando Vermelho.
Através da simpatia dos moradores
pobres, o crime organizado obtém, inclusive, poder político. É inegável o poder
de voto presente na grande massa de moradores de favela no Rio de Janeiro, e em
alguns casos, como o do filho de Toninho Turco que analisaremos neste capítulo,
as facções criminosas chegam a colocar participantes diretos no poder. O
princípio é simples: de forma alguma o governo estaria disposto a lidar com um
traficante. Mas com um presidente de uma associação de moradores, com certeza
não haveria problema algum. Sabendo disto, o crime organizado utiliza estes
representantes das comunidades como ferramentas para obter verbas e
benfeitorias que convenham à atividade criminosa. Possuindo o apoio destes
líderes comunitários, o C.V. possui meios de conseguir, indiretamente,
benefícios do governo. Como nada relacionado ao crime é feito de forma
pacífica, a oposição é simplesmente eliminada. Sabe-se de diversos casos em que
estes líderes comunitários, ao recusarem colaborar com os traficantes, acabaram
sendo assassinados a sangue frio e substituídos por outros que aderissem aos
seus interesses. O relatório do serviço secreto da Polícia Militar de São Paulo
mostrado abaixo corrobora esta idéia:
“A exemplo do que fizeram os
banqueiros do jogo do bicho, que têm representantes até no Congresso Nacional,
os traficantes pretendem conquistar um espaço no cenário político brasileiro.
[...] Na sociedade desorganizada, atenua-se a fronteira entre o moral e o
imoral, o lícito e o ilícito, domina o pragmatismo mais desabusado, de sorte
que o crime tende a se organizar à imagem do que seria a própria sociedade.
[...] No estado do Rio de Janeiro, o tráfico de maconha e cocaína constitui-se
numa espécie de “república livre”, impune e independente. Seu domínio se
estende a várias regiões, sua economia fatura bilhões de cruzeiros. [...] O
Comando Vermelho já domina a terça parte das associações de moradores dos
morros e exterminou treze líderes comunitários que resistiram à sua tirania.”
(Serviço de Informações da PM-SP, 1991)
Houve, também, por parte da polícia
do Rio, uma tentativa de entender a ligação do Comando Vermelho com a política,
por meio de uma investigação no mesmo ano de 1991. Uma equipe do Serviço de
Informações da Divisão de Repressão e Entorpecentes foi montada exclusivamente
para este fim. Descobriu-se que os traficantes planejavam eleger vereadores e
deputados estaduais. O repórter Jorge Luiz Lopes publicou, no dia 12 de maio de
1992, uma matéria no jornal O Globo baseada no relatório final da
operação:
“Dois desses candidatos seriam
Sebastião Teodoro, presidente da Associação de Moradores do Morro
Pavão-Pavãozinho, em Ipanema, e Pedro José de Assis Batista, o Tota, cunhado do
presidente da Associação de Moradores do Morro de São Carlos. (...) Os dados do
documento, que não cita partidos, baseiam-se em informações levantadas pelos
policiais e na correspondência apreendida com marginais. (...) Segundo a
polícia, o Comando Vermelho vem dominando as associações de moradores de
comunidades carentes com o intuito de formar uma base eleitoral para seus
candidatos. Aqueles que se opõem a este poder sofrem represálias, como aconteceu
no ano passado no Morro Dona Marta, em Botafogo, quando um casal da associação
foi seqüestrado e morto.” (LUIZ LOPES, 1992 apud AMORIM, 2004 p. 283)
Outra característica do crime
organizado é a sua relação com o aparelho estatal através da corrupção. Possuindo
grande poder aquisitivo, obtido com o tráfico ilícito de drogas e outros
materiais, grande parte do dinheiro é utilizado para corromper autoridades, que
fornecem em troca serviços diversos ou apenas “vista grossa” a algumas das
atividades do grupo. Como exemplo deste tipo de interação, podemos citar os
recorrentes casos em que a polícia, ao apreender o traficante de drogas, cobra
pagamento em dinheiro ou até mesmo em parte da droga para soltá-lo de imediato.
Em seu estudo, Mingardi revela a existência de outras formas de corrupção como
esta, como o pagamento mensal que policiais exigem diretamente no ponto de
distribuição de drogas, e o modo como presos pagam honorários a seus advogados,
que em seguida repassam o valor a autoridades corruptas, de forma que a
investigação e denúncia torna-se difícil.
Falemos, agora, da organização
criminosa empresarial. Na CPI da Assembléia Legislativa Paulista, o coronel
Claudionor Lisboa, comandante da Polícia Militar do Estado de São Paulo,
admitiu saber da existência do crime organizado com organização empresarial,
com hierarquia, estrutura e objetivos próprios. A atividade deste tipo é
diferente daquela praticada pelo crime organizado tradicional, visto que
coloca-se como uma verdadeira empresa, atuando em áreas como o jogo do bicho,
tráfico, lavagem de dinheiro, receptação etc. Recentemente, no Rio de Janeiro,
constatou-se o envolvimento de donos dos restaurantes Capricciosa e Satyricon com lavagem de dinheiro, sendo que os
estabelecimentos, dentre os melhores da cidade, eram inclusive utilizados para
este fim, um claro exemplo do que seria a organização criminosa empresarial.
Aproveitando a menção à cidade, agora seria um bom momento para falar da facção
situada na mesma, a maior e mais abrangente do país, o Comando Vermelho.
1.1. O Comando Vermelho
1.1.1 Criação
A primeira facção, precursora do
crime organizado no país, surgiu com o nome de “Comando Vermelho”, ou
simplesmente “C.V.”, no estado do Rio de Janeiro, nos anos 70. Nesta época
encontravam-se no Instituto Penal Cândido Mendes, situado na Ilha Grande, os criminosos
de maior periculosidade do país, dentre eles muitos militantes de esquerda. Os
presos políticos chegavam à cadeia esperando tratamento diverso daquele dado ao
‘bandido comum’. Não gostavam de ser comparados a estupradores, ladrões de
banco e assassinos. Faziam, por este motivo, grandes esforço para se manter
afastados dos outros presos.
De fato, havia grande diferença entre
as duas “classes”. A maioria dos militantes possuía escolaridade, não sendo
raros os casos de professores e indivíduos de cultura acima da média, presos
naquela época em virtude da guerra política. De maneira oposta, tínhamos do
outro lado indivíduos marginais, sem qualquer tipo de educação. Estes não
possuíam poder organizacional, e sua estadia no presídio resumia-se a lutar
pela sobrevivência, não aspirando qualquer tipo de mudança. Já os presos
políticos, inconformados com o tratamento animalesco na cadeia, pareciam
possuir o poder de revolucionar. E foi com este poder que conseguiram muitas
mudanças dentro do presídio, algumas inclusive boas.
As condições de vida no presídio da
Ilha Grande eram realmente desumanas. Graças, em grande parte, à violenta crise
econômica sofrida no país, o lugar era um verdadeiro depósito de pessoas.
Construída para abrigar 540 presos, em 1979 o lugar alojava 1.284 homens.
Superlotação e inexistência de visitas ou qualquer atividade para os
presos eram apenas alguns dos problemas. Os presos chegavam ao cúmulo de se
matar por um prato de comida. Encontrando este cenário, os presos políticos
uniam-se e realizavam greves de fome, obrigando o governo a ceder às suas
exigências por condições melhores, tentando evitar que as mortes dos presos
trouxessem maior repercussão no cenário mundial.
O contato inevitável destes
militantes com os presos comuns acabou trazendo uma mudança no comportamento de
muitas pessoas que se encontravam ali. Carismáticos, os líderes revolucionários
eram respeitados dentro da cadeia pelos outros presos, que exaltavam sua
extensa lista de crimes e o modo como utilizavam seus conhecimentos de
guerrilha para praticá-los. Alguns presos foram aprendendo com estes
militantes, como foi o caso do primeiro líder do Comando Vermelho, Willian da
Silva Lima.
O hábito de estudar e se
organizar foi passado aos bandidos, e estes mantiveram estes princípios mesmo
após a saída dos presos políticos. Neste sentido temos o depoimento do assaltante
Osvaldo da Silva Calil, publicado em entrevista na edição de 22 de outubro de
1981 da revista IstoÉ.:
“Fiquei com os marinheiros presos em
64. Depois, com os rapazes da ALN, MR-8, VAR-Palmares, Colina, Juventude
Operária e Juventude Universitária. No começo estranhei um pouco mas, com o
passar dos anos, eles fizeram a minha cabeça, e cheguei até a ler a Bíblia.”
(ISTO É apud AMORIM, 2004, p. 100)
Estes presos, “doutrinados” pelos
presos políticos de maneira natural e até involuntária, passaram por sua vez a
ensinar os outros, à medida que eles iam sendo transferidos ou libertados, como
vemos na sequência da entrevista: “Os alunos passaram a professores.
Convencemos os presos de que eles tinham que estudar e se organizar. Foi assim
que tudo começou.”
Esta é a origem do Comando Vermelho,
e podemos dizer que é também a origem do crime organizado da maneira como vemos
hoje em dia no Brasil. Uma mistura do conhecimento de guerrilha e dos ideais
revolucionários da milícia de esquerda com a frieza e o terrorismo do bandido
da favela, que resultou em uma combinação letal, geradora de mais mortes por
ano no país do que em todas as guerras pós-vietnã.
Rapidamente a organização foi
crescendo dentro do presídio. Os presos filiados ao Comando Vermelho eram
respeitados pelos outros, e sua maneira estruturada era novidade. Possuíam o
lema “respeite o companheiro”, e entre as regras estabelecidas estava um pacto
de não-violência entre os membros.
O grupo trouxe várias mudanças, como
o “Clube Cultural e Recreativo do Interno” (CCRI), instituição inédita no
sistema penal brasileiro. Este grêmio começou administrando uma cantina, onde
os presos sem recursos poderiam conseguir em “fiado” coisas como cigarro e
bebida. Aos poucos foi recebendo ajuda financeira de fora, das famílias dos
presos e dos traficantes. Chegou a abrir uma farmácia dentro da cadeia, onde os
presos que possuíssem dinheiro poderiam comprar remédios.
Em um local onde os presos viviam
como mendigos, estas mudanças instituídas eram ótimas para o bem coletivo, e o
Comando Vermelho apenas crescia em simpatizantes. O CCRI chegou a fundar um
time de futebol, um jornal intitulado “O Colonial” e até mesmo uma biblioteca.
As sementes plantadas pelos presos políticos começavam a dar frutos, e de fato
causaram uma verdadeira revolução no presídio. A idéia de se organizar e criar
uma estrutura finalmente havia chegado à cabeça dos presos, que antes não
possuíam esta mentalidade.
O código de ética do C.V. instituía
que coisas como o estupro e o assalto dentro do presídio deveriam ser abolidas.
Havia, porém, grande parte da massa que ainda praticava estas atitudes, e
estavam dispostas a evitar que a “tradição” fosse quebrada. O choque entre os
dois grupos era inevitável, e de fato aconteceu de maneira muito violenta.
1.1.2 Ascensão
Em 17 de setembro de 1979, o Comando
Vermelho assumiu em definitivo a hegemonia no presídio da Ilha Grande, na base
da violência. Ao invadir a ala de presos onde estavam concentrados os inimigos
da facção, a chamada “Falange Jacaré”, os “Vermelhos” anunciaram em voz alta
que aqueles que se rendessem continuariam vivos. E então invadiram, armados de
tudo que pudesse ser considerado arma num presídio. Houve um massacre, do qual
entre centenas de presos apenas pouco mais de dez saíram vivos.
A guarda do presídio, curiosamente,
não se envolveu, vindo a aparecer apenas quando a briga havia se encerrado,
muito tempo depois. É sabido que nos presídios superlotados e sem recurso
daquela época, a administração preferia que sempre houvesse disputa entre as gangues
e facções. Estes conflitos sempre geravam morte em massa, o que na prática
resultava em menos presos para alimentar.
O massacre foi o marco que
estabeleceu apenas uma liderança no presídio. Todos os outros presos não
filiados ao C.V. passaram a submeter-se às suas regras a partir daquele dia. O
episódio ocorrido na Ilha Grande foi documentado pelo comandante Nelson Salmon,
que enviou um relatório descrevendo detalhadamente a luta travada, e em que
aquilo poderia implicar a partir daquele dia. Inexplicavelmente, o relatório
foi ignorado. A medida adotada foi a pior possível. Os líderes do Comando
Vermelho foram separados uns dos outros, transferidos para diversos presídios
do estado do Rio de Janeiro.
A medida
trouxe alívio imediato ao conflito, mas a longo prazo tornou-se letal. Em pouco
tempo, a facção havia se espalhado por todas as instituições penais do Rio.
Suas regras eram conhecidas pelos presos:
“Morte para quem assaltar ou estuprar
companheiros; Incompatibilidades trazidas da rua devem ser resolvidas na rua,
porque a rivalidade entre quadrilhas não pode perturbar a vida na cadeia;
Violência apenas para tentar fugir; Luta permanente contra a repressão e os
abusos”. (AMORIM, 2004, p. 137)
O slogan da organização “Paz, justiça e
liberdade” pode ser visto ainda nos dias de hoje pelas favelas. A expansão do
Comando Vermelho foi meteórica, e logo os presos começaram a se comunicar com
os outros presídios e favelas, utilizando um sistema de mensagens que até hoje
é utilizado. Celulares, advogados, tudo que pode ser utilizado como mensagem ao
mundo exterior. Apesar de encarcerado, o líder comanda sem problema algum os
seus subordinados, e a ideologia dos “Vermelhos” é adotada por quase todos os
comandantes do tráfico carioca.
Nas favelas, os bandidos passaram a
se organizar em estrutura hierárquica, criando um sistema em que cada um dos
membros da facção exercia o seu papel. As crianças passam a ser utilizadas como
“aviãozinho”, aproveitando sua inimputabilidade penal para levar a droga até o
consumidor. Há os soldados, os chefes de boca, os traficantes. Nunca houvera
tamanha organização no tráfico de drogas, e como acontece com uma empresa que
adota nova administração, o negócio começou a gerar muito lucro.
O novo poder aquisitivo deu ao
Comando Vermelho um arsenal que nunca antes havia sido visto em posse de
qualquer bandido. Granadas, rifles, pistolas, metralhadoras e até bazookas eram encontradas em posse dos
criminosos. O C.V. começava a se dividir em células, que atuavam de maneira
muito organizada.
Como exemplo, podemos citar uma
célula comandada pelo bandido apelidado de “Saldanha”. Ele e mais alguns
membros da facção se estabeleceram no conjunto habitacional dos bancários,
localizado na Ilha do Governador. Saldanha possuía documentos falsos que lhe
conferiam o título de Juiz de Direito. Carismático, o suposto juiz fazia
amizade com os funcionários dos bancos, obtendo informações vitais sobre as
agências. Utilizava, então, tudo o que colhia para programar seus assaltos. Em
uma operação, um grupo policial tentou prender os bandidos da célula. O
resultado foi um massacre, que produziu cinco mortos e vinte e quatro feridos,
a maioria policiais, sobrepujados pela superioridade bélica dos criminosos.
A equipe de policiais designada para
a missão era composta, em sua maioria, por oficiais com menos de trinta anos. O
grupo havia recebido a informação de que uma quadrilha estava agindo sob
disfarce na área, mas não sabia exatamente do que se tratava. Em poucos minutos
vasculhando a área, sua presença foi notada por alguns dos membros da célula do
Comando Vermelho, que após breve troca de tiros conseguiu escapar. A outra
parte do bando entocou-se em um dos milhares de apartamentos do conjunto
habitacional, e logo os oficiais encontravam-se tentando adentrar o
apartamento, sob rajadas de balas incessantes dos bandidos, que utilizavam
metralhadoras com poder de fogo muito maior que o armamento simples utilizado
pelos policiais, constituído por pistolas e espingardas calibre doze.
A duração total do confronto beirou o
tempo de um dia inteiro, e a resistência apresentada por Saldanha, o chefe e
último homem do grupo a ser neutralizado, causou mais prejuízo do que o
esperado. O confronto ficou conhecido como “quatrocentos contra um”, e é
considerado o marco do conhecimento por parte do público do Comando Vermelho.
Saldanha literalmente cuspia balas pela janela nos civis e policiais, gritando
o nome da facção pela qual estava disposto a morrer. O nome “quatrocentos
contra um” foi dado pelo fato de que ao fim do conflito, aproximadamente
quatrocentos policiais civis e militares estavam amontoados sem a menor idéia
de como reagir à maneira organizada e feroz como o bandido e seus comparsas
resistiam à prisão. Sem ninguém no comando e sem experiência com aquele tipo de
situação, a tragédia era inevitável.
Após despejar uma de suas saraivadas
pela janela, o bandido recebeu uma resposta que demonstrava claramente o
despreparo dos oficiais para lidar com aquela situação. Ao mesmo tempo, a
maioria deles descarregou uma verdadeira chuva de balas, assim como mais de dez
granadas incendiárias contra o prédio, que por incrível que pareça, ainda
possuía civis dentro. O resultado, obviamente, foi desastroso, destruindo
vários dos apartamentos. O bandido ainda conseguiu ferir mais dois ou três
oficiais até ser finalmente morto com um tiro.
Um dos oficiais envolvido no
conflito, o Capitão Jorge Pimentel, descreveu, em uma entrevista dada ao jornal O Estado de S. Paulo no dia 12 de abril de 1981, como
conseguiu sobreviver milagrosamente após receber um tiro no rosto do criminoso:
“Estava tudo escuro. Nesse momento,
dentro do quarto, com a porta aberta e agachado, o bandido me viu quase de
frente. Disparou a metralhadora em cima de mim a três ou quatro metros de
distância. Eu não sabia que ele tinha escapado do quarto de um apartamento para
o outro, aproveitando-se da confusão. (...). Quando senti que fui atingido, não
desmaiei. Não sabia quantos tiros tinha levado. (...). Comecei a sentir uma dor
fortíssima nas costas, na altura da colina cervical. (...). Estava
completamente ensangüentado. Pude observar que ainda mexia com as pernas.
Cláudio me ajudou a ficar de pé, deu-me o colete, segurando-o com a mão direita
para proteger o meu corpo e a cabeça. Cheguei ao corredor. O sangue jorrava.
Tentei avisar que o Cláudio estava lá sozinho. Mas não conseguia articular
nenhuma palavra. Caí e me colocaram numa maca”. (O ESTADO DE S. PAULO, 1981
apud AMORIM, 2004, p. 153)
Aquele episódio infeliz marcou a vida
de todos os habitantes do Rio de Janeiro. No dia seguinte, houve larga
repercussão por parte da mídia, e todos passaram a conhecer o Comando Vermelho,
inclusive muitos dos bandidos que mais tarde se filiariam à facção. Estava
claro que a segurança pública não possuía qualquer tipo de chance contra aquele
tipo de ameaça, tamanha a falta de recursos e despreparo da polícia.
Surgiu uma onda de terror na cidade,
e o nome do Comando Vermelho se fez presente nos muros da cidade, nas letras de funk, na boca do povo. Tive a
possibilidade de presenciar a ascensão do Comando Vermelho nos meus tempos de
infância em que residia na cidade do Rio de Janeiro. Lembro daquela época como
um período em que falar do C.V. chegou a ser “moda”, e a brincadeira preferida
entre as crianças de classe média era, mais que nunca, a de “polícia e ladrão”.
Lembro que por todos os bairros surgiam siglas da facção pixadas nos muros,
muitas vezes por pessoas que nada tinham a ver com ela.
De fato, o respeito pelo poder destes
traficantes chegava, algumas vezes, a se transformar em admiração. E não
somente na cabeça das crianças, como podemos perceber pelo depoimento do
ex-Secretário de Justiça de São Paulo, o jurista Manoel Pedro Pimental:
“Entendo que, comparado ao
mendigo, o ladrão é melhor. O mendigo, cuja honestidade é preferida como mais
comovente pela sociedade, é um vencido que desistiu de lutar. Entregou-se,
conformou-se com a marginalização e estendeu a mão desarmada à caridade pública.
O ladrão não. Reage e enfrenta a sociedade. Arrisca a liberdade e a própria
vida. Continua lutando, não se conformando com a sorte que Ihe foi destinada.
Estende a mão armada e tira aquilo que muitas vezes é negado ao mendigo. Por
isso é que chego a sentir certa admiração e qualificado respeito ao ladrão.
Pelo mendigo, não consigo sentir mais do que piedade.” (DE SOUZA, 1983.)
Esta declaração foi apresentada no
livro “O prisioneiro da Grade de Ferro”, do autor Percival de Souza.
Recentemente, no Encontro Gaúcho de Estudantes de Direito realizado em nossa
universidade, tivemos a oportunidade de assistir o filme baseado neste livro.
Como percebemos, a “coragem” dos criminosos em desafiar as leis do nosso país é
apreciada pelas nossas próprias autoridades. É claro, se a tão admirada “luta
contra o sistema”, que o ladrão trava diariamente, tornasse a filha do citado
jurista mais uma das incontáveis vítimas de bala perdida ou sequestro que o
crime organizado faz anualmente, sua opinião seria diferente, com absoluta
certeza.
Quanto à expansão do Comando
Vermelho, esta foi realmente meteórica. Nos anos noventa, a facção já dominava
quase todas as favelas do Rio. No dia 9 de dezembro de 1990, foi publicada uma
extensa matéria sobre o C.V. no jornal O Globo, revelando o espantoso domínio que o grupo exercia
na cidade do Rio de Janeiro:
“[...] 90 por cento das 480 favelas
do Rio são dominadas por quadrilhas ligadas ao Comando Vermelho. [...] os
gerentes desses grupos armados de traficantes, sequestradores e assaltantes de
bancos impõem suas leis à força aos quase dois e meio milhões de moradores dos
morros que dominam.” (O GLOBO, 1990)
Um novo tipo de crime aparecia na
cidade, e a diferença estava estampada na forma como os bandidos agiam,
principalmente nos assaltos a bancos, que se tornaram inacreditavelmente
frequentes. Neste aspecto, pude testemunhar outra experiência nos anos em que
vivi na cidade. Minha mãe, Mariza, trabalhou vinte e cinco anos como bancária
na Caixa Econômica Federal. Sua agência no Rio de Janeiro, uma das maiores da
cidade, estava localizada no Andaraí, um bairro de classe média baixa próximo
de onde morávamos. Durante os anos em que trabalhou lá, ocorreram diversos
assaltos. Segue abaixo seu depoimento (informação verbal)[2] sobre como era o ambiente de trabalho
na época:
“Nós os Caixas Executivos
trabalhávamos sob tensão durante o tempo todo, sabíamos que seríamos o contato
principal em uma ação de bandidos dentro do banco. Escolhi uma agência mais
segura, que ficava em centro de terreno, com uma guarita onde os guardas faziam
o seu trabalho e acredito que por isso nesse período foram somente 3 assaltos.
Todos aconteceram no segundo dia útil do mês, quando fazíamos o pagamento dos
militares e obviamente o cofre estava com muito dinheiro. Nessas datas o
trabalho era tenso, olhávamos o tempo todo para a porta de entrada e um barulho
ou uma voz mais alta no meio da agência lotada já era motivo para pânico e
medo. No primeiro assalto entraram 15 bandidos na agência logo na abertura da
agência, aos gritos ameaçando atirar com fuzis se alguém reagisse. O guarda foi
desarmado imediatamente enquanto outro grupo se dirigia aos caixas com mochilas
esvaziando as 12 gavetas. Tudo acontecia ao mesmo tempo e enquanto entregávamos
todo o nosso numerário outro grupo de bandidos já estava na Tesouraria. Lembro
que minha colega Tesoureira levou algum tempo para abrir o cofre e sofreu uma coronhada
na cabeça e teve que ser atendida no hospital. Eles estavam sempre muito
nervosos e tudo tinha que acontecer muito rapidamente. No total ficavam no
máximo 4 minutos dentro da Agência. Nesse dia fecharam a rua, para poder fugir
com rapidez. Numa outra ação, quebraram a porta de vidro e pessoas se
machucaram com os estilhaços. Foi um susto muito grande, os clientes se jogavam
no chão e se escondiam embaixo das mesas. Nós caixas não podíamos fugir, com
medo de tiros pelas costas. Nesse episódio, alguém na rua viu a entrada dos
bandidos na agência e avisou a polícia que chegou no momento em que saíam.
Houve troca de tiros e dois bandidos morreram, outros três foram pegos e os
outros fugiram. Durante esses onze anos foram muitos os momentos de tensão e medo.
Qualquer mal entendido dos bandidos ou reação de nossa parte poderia ter nos
custado a vida.”
Os assaltos eram, realmente, muito
bem planejados. Não apenas as agências bancárias, mas também as lotéricas e
qualquer tipo de estabelecimento que concentrasse dinheiro era alvo. A cidade
não estava acostumada com aquele tipo de atividade desde a época da ditadura
militar, quando a guerrilha de esquerda praticava atos parecidos. A maioria dos
assaltos durava entre quatro a cinco minutos, e os conflitos com a polícia,
quando existiam, ocorriam sempre já na fuga, um bom tempo após os criminosos
terem deixado o banco.
Um bom exemplo de como as investidas
às agências bancárias eram bem planejadas é o caso, já anteriormente citado, da
célula do C.V., que, liderada por Saldanha, instalou-se no conjunto
habitacional dos bancários para obter informações preciosas sobre os bancos.
Com toda a certeza outras diversas células do grupo trabalhavam infiltradas,
colhendo informações sobre os lugares que pretendiam assaltar, tamanho o
conhecimento que os bandidos demonstravam sobre os alvos, e tamanha a rapidez
com que agiam.
Algumas estatísticas nos oferecem um
bom panorama da situação em que a cidade se encontrava naquela época. Uma
pesquisa feita pelo CESeC[3] – Centro de Estudos de Segurança e
Cidadania analisou o número de roubos a instituição financeira no período entre
os anos de 1991 a 2008 na cidade do Rio de Janeiro.
Segundo o referido estudo realizado
pelo CESeC, o número de roubos a instituição financeira no ano de 1991 foi de
270 (Fig.1). Isto porque nos anos 90 o grupo já não utilizava tanto o assalto
como fonte de renda, mas sim o tráfico. Ainda assim, o número espanta. Mais
recentemente, no ano de 2008, foram registrados apenas 27 (Fig. 1).
Isto representa uma redução de 90%, o
que nos mostra como a segurança pública foi surpreendida na época e precisou de
um bom tempo para se adaptar ao novo tipo de criminoso que havia se instalado
na cidade. Mais precisamente, o pior ano nesse aspecto foi o de 1995, em que
houve 361 roubos a instituição financeira. A partir daí, houve sistemática
redução do número, que a partir de 2002 não ultrapassou mais a casa das
centenas. Os dados podem ser vistos na Fig. 1 abaixo:
Figura 1 – Roubos a instituição financeira. Rio de Janeiro, RJ.
Figura 1 – Roubos a instituição
financeira. Rio de Janeiro, RJ.
Outro aspecto importante que podemos
reparar ao analisar o gráfico, é a forma como os números aumentam e diminuem em
forma de ondulação. A explicação para isto é simples: os assaltos ocorriam “em
rajada”, em curtos períodos, inclusive muitos ao mesmo tempo, para dificultar a
ação da polícia. Desta forma, em períodos que ocorria grande atividade por
parte dos assaltantes, a segurança era reforçada. Sabendo disto, os criminosos
ficavam algum tempo sem conduzir novos roubos, o que poderia gerar mortes
desnecessárias em confrontos com a polícia. Esperavam que a “poeira baixasse”,
para então retomar os trabalhos. Isto fica bastante claro principalmente na
evolução dos roubos entre os períodos de 1991 a 1995. Em 1992, após um pico de
270 roubos no ano anterior, o número caiu para 153. Em 93 e 94 não aumentou muito,
até que em 95 houve um verdadeiro pandemônio na cidade, que registrou 360
assaltos a banco, o recorde de todos os tempos.
A partir de 1996, houve grande queda
nos roubos a instituição financeira, e hoje em dia este número é irrisório
perto do que era antigamente. Com certeza isto se deve ao fato de que a
segurança nas instituições evoluiu de forma considerável, mas este não foi o
motivo determinante. O que fez os assaltos diminuírem tanto foi o fato do
Comando Vermelho, especificamente, perceber que poderiam investir em algo muito
mais seguro e rentável, como veremos no próximo subcapítulo.
Outro fenômeno que aparecia na cidade
era o resgate de presidiários. Esta era provavelmente mais uma “herança” dos
aprendizados com os presos políticos, que tinham o costume de libertar seus
companheiros utilizando diplomatas estrangeiros como reféns. A ação do Comando
Vermelho, porém, era diferente. Os criminosos faziam de tudo para tirar os
membros importantes da organização que tivessem sido presos. Muitos advogados
desprovidos de ética e providos de ganância eram utilizados para isso, mas
outras formas mais radicais também eram utilizadas. No próprio presídio da Ilha
Grande, por diversas vezes uma lancha foi utilizada para resgatar presos.
Em um dos mais impressionantes e
audaciosos resgates de que se teve notícia, dois membros da facção entraram no
prédio do Conselho de Sentença da 2ª Auditoria do Exército, localizado no
centro da cidade. Armados, os homens aproveitaram o momento em que o seu
comparsa, Rubens Pereira da Silva, estava a sós com o juiz Antônio Cavalcanti
Siqueira Filho para prestar depoimento. Entraram na sala, renderam a escolta
responsável pelo preso e o levaram, diante de aproximadamente quinze homens da
polícia do Exército que se encontravam no lugar.
1.1.3 O tráfico
Apesar do respeitável poder que o
Comando Vermelho possuía, o que realmente elevou a organização a outro nível
foi o investimento pesado no tráfico de drogas. Até então, o tráfico existia,
mas era feito de maneira muito mais modesta. Era praticado de forma menos
abrangente, em pontos de venda principalmente nas favelas. A partir de 1984,
porém, os líderes resolveram expandir o negócio.
O objetivo era controlar toda a
região do Grande Rio, assim como cidades próximas e de turismo como Búzios,
Cabo Frio, Petrópolis, Teresópolis e Nova Friburgo. Os líderes da facção haviam
percebido com a prática que o tráfico era um negócio muito mais rentável. O
lucro era absurdo, o perigo não era tão grande se comparado aos frequentes
assaltos à mão armada que eram realizados, e o grupo já era grande o suficiente
para que pudesse tomar o próximo passo.
Na verdade, esta mudança nos rumos da
facção refletia o que já acontecia a um bom tempo com o crime organizado no
mundo inteiro. Antes da entrada nos anos 80, a máfia italiana já utilizava o
tráfico de drogas como principal atividade. Atuavam em diversos países como os
EUA, onde tinham grande influência, principalmente em Nova York. De 80 em
diante, houve destaque por parte dos cartéis colombianos de Medellín e Cali,
que rapidamente passaram a fornecer drogas para a megalópole brasileira. O C.V.
entrou na história como “sócio” desses grandes fornecedores de cocaína da
América do sul. O próximo passo seria obter controle total sobre a venda nas
favelas, eliminando os pequenos grupos individuais que não atuassem com a
organização.
Começaram, então, os famosos
confrontos nos morros do Rio de Janeiro. Os membros do Comando Vermelho
formavam grupos com dezenas de “soldados”, geralmente armados com Uzis[4] ou fuzis AK-47[5], e invadiam as favelas, matando ou
capturando todos os traficantes pertencentes à quadrilha que dominava o ponto
local. Nestas guerras, apesar de comum a morte de muitos inocentes moradores
das favelas,não era raro o Comando Vermelho obter apoio das comunidades. A
organização se preocupava em realizar um tipo de “trabalho social” nas
comunidades onde estabelecia suas bases de operação. O apoio vinha de diversas
formas, como distribuição de botijões de gás roubados, comida, e até construção
de creches.
Um interessante depoimento, prestado
pelo criminoso Jorge Zambi, filiado ao C.V., na edição de 10 de dezembro de
1984 no Jornal do Brasil, mostra esta idéia:
“Nós, ex-assaltantes de bancos que
entramos no mercado do tóxico, catequizamos os favelados e mostramos a eles que
o governo não está com nada e não faz nada para ver o lado deles. Então, nós
damos alimentação, remédios, roupas, material escolar, uniforme para crianças e
até dinheiro. Pagamos médicos, enterros, e não deixamos os favelados saírem de
lá para nada. Até briga de marido e mulher nós resolvemos dentro da favela,
pois não pode pintar sujeira para polícia não entrar”. (JORNAL DO BRASIL, 1984 apud AMORIM,
2004, p. 217)
Este tipo de atitude não existia na
relação entre os moradores da favela com os criminosos comuns, não filiados ao
C.V. Por este motivo, ainda que os moradores tivessem que conviver com tiros e
explosões, ou até mesmo sair de suas casas por quanto durasse os conflitos,
sabiam que o tratamento que receberiam seria “melhor” que o anterior.
Outro aspecto que preocupa em relação
ao exército criminoso formado nas favelas, é a capacidade de rápida
substituição. Sempre que cai um líder, outro estará prontamente capacitado para
tomar o seu lugar. O índice de natalidade nas comunidades carentes é bem maior
que nas classes média e alta, e isto proporciona uma fonte inesgotável de
possíveis novos criminosos. Cada criança destas que nasce em meio ao crime,
convivendo com traficantes que lhes dão quase tudo o que a sociedade não lhe
proporciona, se tornará possivelmente um novo soldado do crime. O depoimento
prestado pelo traficante William da Silva Lima, um dos líderes do C.V., ao
detetive João Batista Pereira Neto, ilustra esta idéia:
“À medida que não nos deixamos usar,
comprovamos, sem soberba, que conseguimos aquilo que a guerrilha não conseguiu,
o apoio da população carente. Vou aos morros e vejo crianças com disposição,
fumando e vendendo baseado. Futuramente, elas serão três milhões de
adolescentes que matarão vocês nas esquinas. Já pensou o que serão três milhões
de adolescentes e dez milhões de desempregados em armas? Quantos Bangus Um,
Dois, Três, Quatro, Cinco... terão que ser construídos para encarcerar essa
massa?” (AMORIM, 2004)
Muitos violentos conflitos ocorreram
nos anos subseqüentes, mas o poder de fogo e organização do Comando Vermelho
estavam lhe conferindo a vitória na guerra. Ao final de 1985, o grupo dominava
setenta por cento dos pontos de venda da cidade, e ainda assim continuava sua
busca pela hegemonia no tráfico. Ao final de cada batalha no morro, uma imensa
cruz iluminada era construída no alto do morro, representando o domínio
exercido pelo C.V. naquela área.
Quando criança, morador do bairro do
Grajaú, frequentemente observava pela varanda do prédio um morro que ficava bem
próximo. Lembro-me perfeitamente do dia em que reparei uma imensa cruz
brilhante no alto do morro, surgida de um dia para o outro. Ao perguntar a
algum adulto do que se tratava, disseram-me que era provavelmente uma igreja.
Dei-me ao trabalho de inspecionar a tal cruz com um binóculo emprestado,
percebendo então que não estava acima de uma igreja, mas simplesmente fincada
no solo. Mais de quinze anos depois, realizando esta pesquisa, consegui finalmente
entender do que se tratava aquilo.
As guerras no morro produziam vítimas
muito além das que ali estavam. Algumas das armas utilizadas possuíam longo
alcance, como os rifles AK-47. O projétil desta arma pode viajar a
uma distância superior a 1,5Km. Com isso, todos os bairros de classe média
localizados nas proximidades dos morros, como o meu, eram frequentemente
alvejados. Lembro-me de pelo menos uma vez em que uma dessas balas atingiu o
prédio onde morava, em uma área onde costumava brincar com os amigos, no playground. Uma das amigas de nossa família,
Heloísa Borges, também moradora do Grajaú, teve seu apartamento atingido três
vezes por bala perdida e decidiu compartilhar sua experiência (informação
verbal)[6], contribuindo com a pesquisa:
“O primeiro tiro atingiu a porta da
varanda do meu quarto que fica de frente para a rua Castro Barbosa, ou seja não
é de frente para o morro. Foi num domingo às 18:00 mais ou menos. Neste
mesmo dia, minutos antes, eu havia falado no tel sentada na varanda no
exato lugar aonde o tiro atingiu a porta. Quando acabei a ligação fui para a
cozinha e o Claudio estava no quarto vendo televisão. Da cozinha ouvi um
barulho e fui ver o que era. Quando cheguei ao quarto a porta estava quebrada.
Só não despencou porque tinha “insulfilm”. Procuramos e achamos o projétil
caído no chão. Tb houve um tiro no portal da cozinha para a área de serviço em
outra ocasião. Este cômodo fica de frente para o morro do Andaraí. Seu pai
levou o projétil para analisar e constatou ser de fuzil. Desta vez eu não
estava em casa. Os vizinhos não se espantaram muito pois outros apartamentos já
haviam sido atingidos e já foram encontradas balas caídas na piscina do prédio.
E assim fica tudo por isto mesmo.”
Depoimentos como este são comuns,
inclusive hoje em dia. As chamadas “balas perdidas” fazem muitas vítimas todo o
ano no Rio de Janeiro, em alguns casos resultando em morte. Foi assim com o
famoso caso da estudante atingida na cabeça enquanto transitava nas
dependências da faculdade em que estudava.
Paralelo à guerra pelo controle do
tráfico, continuavam os resgates a líderes presos. José Carlos dos Reis Encina,
conhecido como “Escadinha”, foi um dos que desfrutou desse tipo de operação.
Exatamente na véspera do ano-novo, em 1985, Escadinha foi resgatado do presídio
da Ilha Grande para ajudar na guerra pelo tráfico. No período da tarde, à plena
luz do dia, um helicóptero pousou sem a menor preocupação no pátio do presídio,
embarcou Escadinha e uma mulher que o acompanhava, e voou de volta para o
continente sem o menor problema. A desculpa alegada pelos funcionários da
cadeia era de que acreditavam tratar-se do helicóptero usado pelo diretor do
Desipe[7]. Durante o carnaval seguinte, no
ano de 1986, o criminoso chegou a desfilar em uma escola de samba, sendo até
mesmo entrevistado por iniciativa própria por emissoras de rede nacional.
Apenas mais uma demonstração da incapacidade do poder público perante os
grandes chefes do tráfico daquela época. Segue abaixo relato publicado na já
mencionada obra de Carlos Amorim, “CV_PCC A Irmandade do Crime”, dado pela jornalista Lily Yusim, que
conversou com o bandido enquanto este se encontrava foragido:
“Conversamos muitas vezes. Escadinha
pedia que eu fosse me encontrar com ele. Ficava desmentindo o noticiário dos jornais.
Dizia que era tudo um tremendo sensacionalismo. Foi uma experiência muito
curiosa. O mais engraçado é que ele ligava para a rádio e mandava me
chamar. Na época, tive muito medo disso”. (AMORIM, 2004)
E a fuga de prisioneiros continuava
de forma desenfreada. O diretor do presídio da Ilha Grande chegou a afirmar, no
ano de 1986, que nada menos que 36 prisioneiros sumiram da instituição, sem que
se pudesse explicar como. De qualquer forma, a presença de Escadinha figurando
na liderança do grupo pareceu acelerar o processo de tomada dos morros, e
algumas das maiores favelas do Rio, como o Vidigal e a Rocinha, foram tomados
de vez pela facção nesta época. Em 1987 a guerra é dada como encerrada, e o
Comando Vermelho possui poder sobre quase todos os pontos de tráfico da cidade.
Chegava a hora de fechar negócio com os grandes fornecedores.
Sabe-se que o primeiro grande acerto
de importação de cocaína feito pelo C.V. foi negociado diretamente com o cartel
de Medellín, da Colômbia. O negócio foi feito com o traficante considerado o
mais poderoso do mundo, o colombiano Pablo Escobar. A cocaína que chegava da
Colômbia possuía mais de 90% de pureza. Nas favelas do Rio de Janeiro, porém,
sofria um processo de modificação. Eram adicionados ao pó substâncias de aspecto
semelhante, como bicarbonato de sódio, talco e pó de mármore. Mesmo após este
processo, o grau de pureza da cocaína permanecia muito acima do que se
costumava ver à venda na cidade, e por este motivo era vendida – literalmente –
a preço de ouro. Naquela época, 1 grama de cocaína equivalia exatamente a 1
grama de ouro.
A máfia colombiana já era monitorada
a algum tempo pela polícia federal americana. Quando descobriu-se o
envolvimento de Pablo Escobar com o Brasil, houve uma ação conjunta entre os
países para reprimir a atividade. O DEA (Drug Enforcement Administration) e o
FBI (Federal Bureau of Investigation) forneciam informações valiosas à
polícia federal brasileira, e desta ação conjunta resultaram grandes
apreensões. As cidades em que a operação do tráfico era mais incisiva eram Rio
de Janeiro, São Paulo e Florianópolis. Grandes apreensões eram feitas, como em
1988, quando a Delegacia Federal de Repressão a Entorpecentes prenderam no
centro de Florianópolis o traficante Gerson Palermo, do Cartel de Medellín. O
criminoso enviava do Brasil à Colômbia materiais necessários para o refinamento
da cocaína, como éter, acetona e lâmpadas infravermelhas. Recebia de volta
grandes quantidades de cocaína para revender. No dia de sua prisão, a polícia
interceptou dez caminhões e seis aviões contendo milhares de recipientes com
este material para refino.
Já em São Paulo, em outubro do ano de
1990 foi feita outra grande apreensão com a prisão de três italianos e um
colombiano, todos traficantes. As informações necessárias à prisão dos
criminosos foram fornecidas pela Interpol à Polícia Federal, que desta forma
ficou sabendo que dois dos traficantes encontravam-se no Rio, e dois em São
Paulo. Juntamente com a prisão, foi apreendida a quantia de 500 kg de cocaína,
o que equivalia a 5 milhões de dólares. Cada vez mais se percebia o lucro
irreal que era obtido com o tráfico de drogas, principalmente da cocaína.
Estas grandes apreensões revelavam
como o panorama havia mudado no país após o envolvimento das máfias internacionais,
principalmente dos cartéis colombianos. A cocaína estava disponível em
quantidades jamais vistas antes, e estava claro que seria essencial tentar
reprimir este intercâmbio, se não cortando o elo entre os traficantes dos dois
países, ao menos enfraquecendo-o.
Começaram a ser elaboradas operações
tentando inibir o tráfico internacional de drogas. Uma delas, a Operação
Mosaico[8], revelou, em agosto de 1987, outro dos
grandes personagens no tráfico de drogas brasileiro, o traficante Antônio José
Nicolau, também conhecido como “Toninho Turco”. Ao analisar as rotas do tráfico
internacional, a Polícia Federal descobriu que trinta e uma das favelas do Rio
de Janeiro eram “abastecidas” com cocaína por este mesmo indivíduo, que possuía
52 anos na época. O traficante era envolvido ainda com o jogo do bicho, uma
espécie de “hobbie”.
Outro aspecto interessante é que seu
filho, José Antônio Nicolau, foi eleito Deputado Estadual no ano de 1986. Sua
campanha foi financiada pelo próprio pai. Este fato confirma uma característica
já mencionada do crime organizado, a de envolver-se com o Estado, possuindo
poder dentro do próprio governo. A repórter Mônica Freitas, presente no dia em
que Toninho Turco acabou morto em conflito com agentes federais, disse o que
sabia sobre o criminoso na edição de 11 de fevereiro de 1988 do Jornal do Brasil:
“A fortuna de Turco financiou a
campanha de seu filho José Antônio, eleito deputado estadual em 86 pelo Partido
Liberal, e de outros políticos como o delegado José Aliverti, suplente de
deputado pelo PL. Ainda hoje, nas ruas de Marechal Hermes, podem ser vistas
placas da campanha de José Antônio, um deputado apagado, ideologicamente
indefinido, que no ano passado transferiu-se para o Partido Socialista, para
assumir a liderança na Assembléia, onde é o único deputado da legenda”. (JORNAL
DO BRASIL, 1988)
Especificamente sobre seu
envolvimento com o jogo do bicho, a mesma jornalista diz:
“Ligado à contravenção por laços de
amizade, Turco seria, pelo que a polícia deduz, o elemento encarregado pelos
banqueiros (bicheiros) de fazer o tráfico de drogas. Alguns banqueiros estariam
financiando o tráfico
Interno e externo e emprestando
dinheiro para os traficantes comprarem grandes quantidades de cocaína,
repetindo assim a trajetória de Turco – aplicar dinheiro sujo em negócios
sujos. A ligação de Turco com o bicho era reconhecida até mesmo na Assembléia
Legislativa, onde José Antônio é apontado como “filho de bicheiro”. (...) Um
documento reservado das Forças Armadas reforça as suspeitas do envolvimento do
bicho no tráfico de drogas, através de Turco. Segundo o relatório, após a morte
do ex-policial Mariel Mariscotte de Mattos, em 81, houve uma reunião entre os
chefões do bicho, que chegaram à conclusão de que, em pouco tempo, o tráfico de
drogas se tornaria perigoso e incontrolável.” (JORNAL DO BRASIL, 1988)
Além da participação no jogo do
bicho, Toninho Turco chegou a trabalhar como policial no passado. O traficante
começou sua carreira como fiscal de barreira, trabalhando em postos de controle
de rodovias do Serviço Fazendário da Guanabara. Comercializava ilegalmente as
mercadorias apreendidas, sendo mais tarde chamado para trabalhar como detetive
na delegacia de Roubos de Automóveis. Em 1982, no entanto, acabou sendo
demitido de vez, provavelmente por causa de sua conduta de flagrante corrupção.
Os anos como policial serviram,
porém, para que Toninho Turco fizesse amizades importantes na sua vida de
traficante. A Operação Mosaico descobriu que dentre os 96 criminosos membros da
quadrilha de Toninho Turco, aproximadamente 60 por cento deste número eram
policiais ou ex-policiais. Até policiais militares e oficiais do exército
participavam do esquema, o que acabou explicando o sumiço de grandes
quantidades de munição e armas no Exército. Mais uma vez revela-se oportuna a
reportagem feita pelo Jornal do Brasil com a repórter Mônica Freitas:
“No segundo semestre de 87, policiais
civis prenderam Turco em flagrante, com cocaína, junto com o ex-agente federal
João César Rodrigues, o João Fofão, condenado por extorsão e que, para a
justiça, deveria estar cumprindo pena na Prisão Especial do Ponto Zero, em
Benfica. Os dois ofereceram aos policiais um milhão e 600 mil e foram liberados
sem qualquer registro. (...) Em 7 de dezembro, um grupo de policiais civis
teria tentado fazer uma mineira (extorsão) em Marechal Hermes. Foram cercados
por homens ligados a Turco, que reagiram e chegaram à agressão física. (...) Em
20 de janeiro de 88, uma equipe da Delegacia de Vigilância Norte prendeu três
homens no estacionamento da rua Sirici, 44, de propriedade de Turco, em meio a
uma venda de dois quilos de cocaína. (...) Os presos foram liberados.” (JORNAL
DO BRASIL, 1988)
A participação de policiais e
oficiais das forças armadas com quadrilhas criminosas é um fenômeno que ocorre
até hoje. Roubos inexplicáveis de armamentos militares continuam a acontecer, o
tipo de coisa que só é possível com ajuda interna. O poder de corrupção das
quadrilhas ligadas ao tráfico é, de fato, algo a ser levado em consideração.
Muitos oficiais não possuem a coragem e pulso firme suficientes para enfrentar
as ameaças e propostas dos bandidos.
Muitas vezes um trabalhador honesto e
sem prévia participação alguma com o crime se vê sem alternativas ao saber que
se cooperar com o tráfico, receberá uma quantia enorme em dinheiro, mas que se
não o fizer, pagará com a vida de seus familiares. Da mesma forma existe,
claro, aqueles que entram por conta própria no mundo do crime, aproveitando seu
cargo de autoridade para lucrar algo que supra o baixo salário e lhe permita
uma vida mais confortável.
O fato é que, ao fim da Operação
Mosaico, Toninho Turco acabou morto e o tráfico do Comando Vermelho sofreu o
maior golpe já recebido até hoje em suas finanças. Afinal de contas, mais tarde
descobriu-se que o traficante encarregava-se, sozinho, de mais de 60% da droga
distribuída nas favelas do rio. Os detalhes acerca da operação serão dados no
próximo capítulo, em que será feita uma análise mais minuciosa daquela que foi
considerada uma das operações mais bem-sucedidas da Polícia Federal contra o
crime organizado, algo de que devemos realmente nos orgulhar.
Sempre que a polícia realizava este
tipo de operação, e o abastecimento da cocaína era cortado, o preço da droga
subia de forma instantânea. Assim, muitos dos viciados acabavam comprando a
fiado, o que gerava sempre muitas mortes. Não pagar um traficante significa,
quase sempre, sentença de morte. Até hoje vemos casos de usuários de drogas,
alguns de classe alta, verem sua vida chegar ao fim por problemas com este tipo
de organização criminosa.
1.1.4 Expansão
Alguns dos fatos expostos mencionaram
o fato do Comando Vermelho possuir ligações com outros lugares do país,
principalmente São Paulo e Florianópolis. Ainda assim, a organização não havia
se estabelecido estruturalmente nestas cidades. Ocorreu, porém, que com o
notável ganho de poder tido pelo C.V. a partir do investimento no tráfico, a
cidade de São Paulo foi logo alvo de uma operação que pretendia instalar o
Comando Vermelho ali. Alguns dos líderes da facção reuniram-se, e começaram a
comprar estabelecimentos e montar bases de operações na capital paulista. Uma
reportagem publicada no dia 11 de março de 1993, era anunciada na primeira
página do jornal Folha de S. Paulo, com a frase “Comando Vermelho Invade
SP”. Segue abaixo um trecho da mesma:
“O Comando Vermelho, agremiação de
traficantes de drogas e ladrões do Rio e Janeiro, invade lentamente São Paulo.
É o que diz um relatório elaborado pelo Serviço de Inteligência da Polícia
Militar, obtido com exclusividade pela Folha. Pelo menos sete assaltos foram
praticados em São Paulo, no último ano, por membros do Comando Vermelho. (...)
um dos centros de operação é o Conjunto Habitacional Tiradentes. O suposto
líder do CV em São Paulo seria o comerciante Mário Sérgio Arias, aponta o
relatório. Arias foi preso em maio de 1991 em Monguaguá, sob acusação de portar
680 quilos de maconha. Simulando uma dor de estômago, Arias foi levado a um
hospital e resgatado por doze homens armados de metralhadoras. O documento
revela ainda que o CV estaria comprando postos de gasolina, lojas, restaurantes
e casas lotéricas, por intermédio de bicheiros, para lavar o dinheiro da
organização. (...) As quantias arrecadadas pelo CV não mais seriam remetidas ao
Rio, e sim instaladas definitivamente em São Paulo”. (FOLHA DE S. PAULO, 1993)
O relatório feito pelo serviço
secreto da Polícia Militar trazia um tom de preocupação, e com toda a certeza
justificada:
“No COHAB TIRADENTES havia pequenos
furtos e brigas de bares. Tudo mudou com a chegada dos líderes do COMANDO
VERMELHO: eles recrutavam ladrões e traficantes, entregando-lhes armas pesadas,
e passaram a reinar no conjunto. (...) Em janeiro de 91, dois integrantes do
COMANDO VERMELHO foram presos em São Paulo e confessaram ter assaltado
cinco prédios residenciais na capital. MARCUS JOSÉ DE OLIVEIRA e ADAUTO
TEIXEIRA foram reconhecidos por moradores de três prédios. (...) MARCUS
OLIVEIRA informou aos policiais que 10% do valor dos assaltos eram entregues ao
COMANDO VERMELHO: “O dinheiro serve para pagar advogados, melhorar a situação
dos que estão presos e financiar comida e drogas nos presídios. (...)
Representa um problema muito sério o agregamento de presidiários paulistas ao
COMANDO VERMELHO, o que poderia proporcionar aos mesmos um “sentimento de
superioridade”, tendo em vista a glorificação do mundo do crime em torno do
COMANDO, ocasionando rebeliões e, o que é pior, uma situação espelho do estado
caótico do Rio de Janeiro.” (FOLHA DE S. PAULO, 1993)
Esta última parte do trecho, em
especial, é muito interessante. Os policiais pareciam adivinhar o que estava
por vir ao alertar para o convívio dos presos do C.V. com os presos normais de
São Paulo. Ocorre que, foi exatamente assim que mais tarde o Comando Vermelho
aliou-se com uma das três facções criminosas da capital paulista, o Primeiro
Comando da Capital, a qual analisaremos em seguida.
1.2 O Primeiro Comando da Capital
Acredita-se que a primeira pessoa a
revelar a existência desta organização foi a jornalista Fátima de Souza, no ano
de 1995. Em uma reportagem feita para o Jornal da Band, Fátima denunciava a facção que 6
anos depois se tornaria responsável pela maior e mais violenta rebelião
conjunta nos presídios da cidade. Em 2002, a mesma repórter relatou o que sabia
sobre o início da organização:
“Na cela sempre escura da Casa de Custódia
de Taubaté, numa quinta-feira, os seis detentos ainda estavam com as camisas
suadas. Tinham jogado mais uma partida de futebol. O talento com a bola tinha
rendido a eles fama e liderança na prisão. E também um nome para o time:
“Comando da Capital”. Transferidos de São Paulo para o interior, foram
desafiados pelo time local, formado por presos da terra: “Os Caipiras”. Naquela
noite, mais uma vitória. Cesinha, franzino de olhos incrivelmente vivos,
questiona os companheiros de penas: - Nossa união e luta vai se resumir à
vitória no futebol? Por que não aproveitamos esta força para lutar pelos nossos
direitos? Até quando vamos ser tratados assim, sem respeito?” (AMORIM, 2004)
Os times de futebol bem-sucedidos no
presídio ganhavam o respeito dos presos. Foi assim nos primórdios do C.V.,
quando o time “Chora na Cruz”, dos integrantes da facção, atuava no presídio da
Ilha Grande. Ainda na reportagem, mais esclarecimentos sobre como evoluiu a
idéia de expandir o que começou como um simples time de futebol:
“Geléia, amigo de coração e de crime
de Cesinha, acompanhou o discurso inflamado do outro e também falou naquela
noite: - Como vamos chamar esse novo ‘time’? – Primeiro Comando da Capital –
batizou Cesinha, usando parte do nome do time que os consagrara na cadeia.
Nascia ali o PCC. Em poucos dias as idéias foram colocadas no papel. E até um
Estatuto foi manuscrito. Prometiam fidelidade, luta até a morte pelos direitos
jamais respeitados dos detentos neste país. Foi rápido: nas rebeliões, lençóis
brancos apareciam com as três letras (PCC) do partido do crime. Subestimado
pelo governo, que não conhece a realidade das cadeias, o PCC criou raízes em
todo o sistema carcerário paulista. Nas prisões, diretores ultrapassados, da
época da repressão, tentavam resolver o problema da maneira em que foram
doutrinados: porretes, choques, água fria, porrada... Não foi suficiente. Em
menos de três anos, já eram três mil. Em menos de dez anos, 40 mil...” (AMORIM,
2004)
Em 2001, o PCC apareceu para todo o
Brasil. O grupo comandou vinte e nove rebeliões simultâneas, em cadeias de todo
o estado de São Paulo. O saldo da ação foi de dezesseis mortos e
aproximadamente cem feridos. O movimento, com cobertura total da imprensa,
anunciava o que a repórter Fátima já havia alertado seis anos atrás.
Algo que os presos sempre respeitaram
era o dia de visitas, uma conquista preciosa na luta contra o sistema
carcerário opressivo e animalesco. No dia 18 de fevereiro de 2001, no entanto,
os presos aproveitaram-se deste dia quase que sagrado para organizar a grande
rebelião. Sua exigência era de que os chefes do PCC, transferidos a pouco tempo
para localidades no interior do estado, voltassem. A intransigência levou ao
grande tumulto que se seguiu, onde familiares e pessoas alheias ao conflito passaram
horas em estado de total caos. Mesmo com a convocação de todo o batalhão de
choque, que juntou milhares de policiais, a operação foi bastante difícil. Os
membros da facção aproveitaram o tumulto para assassinar dentro da cadeia
alguns dos chefes das quadrilhas inimigas de forma brutal.
Esta demonstração dada pelo PCC da
fragilidade do sistema chamou a massa carcerária para seu lado. Com a
popularização da facção, houve um crescimento instantâneo do número de
afiliados, que passaram a respeitar o poder demonstrado pelos criminosos, ao
mobilizar naquele mesmo dia, 27 mil presidiários para um mesmo objetivo. Foi
divulgado na época até mesmo um estatuto com regras de conduta, formulado pelos
líderes do grupo, com diretrizes idênticas às do Comando Vermelho.
José Márcio Felício, o já citado
Geléia, era o líder da organização. Quando perguntado pelo jornalista Carlos
Amorim sobre seu envolvimento com o Comando Vermelho, respondeu: “Tudo o que
posso dizer é que estamos associados.” De fato, tudo indicava que havia uma
parceria entre as duas facções. Os membros do PCC, assim como os do C.V.,
utilizavam o Alfabeto Congo para codificar suas mensagens. O antigo lema “Paz,
Justiça e Liberdade” também era adotado pela nova organização, assim como os
princípios que condenavam a violência entre os presos, os estupros e etc.
Apesar de não possuir poder sequer
comparável com o do C.V., o PCC já conquistou a hegemonia entre as quadrilhas
da capital paulista. O grupo não é tão bem estruturado nem tão atuante quanto o
C.V., mas por ter se aliado ao mesmo representa uma ameaça a ser considerada.
As consequências que a aliança entre esses dois monstros criados pelo sistema
carcerário brasileiro podem trazer vão além da imaginação de qualquer um. Até o
momento não se encontrou a solução ideal, apesar da notável evolução.
Analisaremos a seguir os aspectos concernentes à repressão do crime organizado.
2 O COMBATE
As atividades praticadas pelo crime
organizado são muitas e variadas. É absolutamente correto dizer que dentre os
pilares que sustentam o crime, o tráfico de drogas é o mais forte. Ele dá - em
abundância - ao criminoso a sua principal arma: o poder financeiro. O
grande trunfo das principais facções criminosas de hoje em dia é possuir uma
economia fora da realidade, que lhe permite lucrar, de modo ilícito, valores
acima da capacidade de qualquer outra atividade comercial conhecida.
Ainda assim, há que se atentar para
as outras ramificações tomadas pelo crime organizado. Podemos citar o
tráfico ilícito de armas, pessoas, automóveis roubados, recursos naturais,
objetos de valor cultural, espécies animais em extinção e até mesmo de órgãos
humanos, além da lavagem de dinheiro. Outro mal causado é o da corrupção, que é
proporcional ao capital possuído pelos criminosos. Mediante a corrupção das
autoridades, o crime organizado obtém maior facilidade para realizar as
atividades ilícitas, além de esquivar-se de forma eficaz da lei.
Outro aspecto a ser relevado quando
se fala em crime organizado é o da globalização. O estágio atual de tecnologia
avançada, ao facilitar as relações humanas de todo o mundo, facilitou também as
atividades ilícitas. Como exemplo podemos citar a poderosíssima internet, que
trouxe uma nova e vasta gama de opções para os mal-intencionados. A difusão
desta tecnologia trouxe grande mudança na natureza e na amplitude do crime
organizado. A comunicação rápida e dinâmica simplesmente anula os problemas com
tempo e distância, fazendo com que pessoas em lugares opostos do mundo possam
trocar informações rapidamente, de forma até certo ponto sigilosa.
Enquanto o criminoso adaptou-se
facilmente às novas mudanças trazidas pela tecnologia e aprendeu a utilizar
esta situação para seu benefício, os governos evoluem lentamente na criação de
leis e outros aparatos impeditivos da prática do crime. Em decorrência disto, o
que vemos na prática é a impunidade do infrator, que está sempre um passo à
frente das autoridades.
Países em desenvolvimento, como o
caso do Brasil, são os que mais sofrem com esta difusão global da criminalidade.
O perigo trazido pela corrupção das instituições policiais, alfandegárias e
judiciais é ainda mais real, e pode se tornar um entrave na prosperidade da
nação. É essencial, neste caso, uma interação entre os países do mundo todo.
Adotando as práticas bem-sucedidas pelos outros Estados, trocando informações e
aprendendo, serão obtidas as maiores vitórias contra o crime organizado. Os
resultados já foram vistos na prática, quando a Polícia Federal brasileira
uniu-se à americana na repressão ao tráfico internacional de drogas que havia
se instalado no nosso país. Num esforço conjunto, importantes operações foram
feitas, e este é mesmo o melhor caminho a ser tomado.
Se o crime aprendeu a se globalizar,
fortalecendo-se com isso, a repressão deve tomar o mesmo rumo, de forma a obter
melhores resultados. Uma grande esperança neste sentido é a atividade exercida
pela ONU – Organização das Nações Unidas – que ultimamente têm se preocupado
bastante com este intercâmbio na luta contra o crime organizado, criando resoluções
e convenções entre as diversas nações do mundo com o intuito de aprender novas
formas de combate ao crime, além de difundir as já conhecidas.
2.1 A atividade de inteligência
Podemos definir a inteligência como
“a atividade que objetiva a obtenção, análise e disseminação de conhecimentos,
dentro e fora do território nacional, sobre fatos e situações de imediata ou
potencial influência sobre o processo decisório e a ação governamental e sobre
a salvaguarda e a segurança da sociedade e do Estado”. De forma resumida, o
serviço de inteligência procura obter informações sobre as ameaças, no caso em
tela o crime organizado e as facções criminosas que o praticam. A inteligência
é primordial no combate ao crime organizado, e se mostrou muito eficaz em todas
as operações nas quais foi utilizada com paciência e sabedoria.
A atividade de inteligência é um
método antigo, utilizado há muito tempo por todas as civilizações. Sua
importância sempre foi valorizada pelas nações, não apenas nos tempos de guerra
e conflitos, mas até mesmo quando havia relativa paz. Hoje em dia, qualquer
Estado necessita deste tipo de serviço para manter a segurança, sendo
imprescindível a criação de ao menos um órgão estatal específico para isto.
Em nosso país, os serviços de
inteligência começaram já no século XX, apesar da referência mais conhecida ser
a do antigo SNI, o Serviço Nacional de Informações. Este órgão possui uma
imagem ruim, graças ao radicalismo com que executava suas operações, tentando
deter os insurgentes de esquerda utilizando-se da tortura e outros métodos
incompatíveis com a nossa realidade atual. Ainda assim, foi o serviço de
inteligência que minou a guerrilha de esquerda lentamente, acabando por
destruí-la. É importante dizer que os métodos utilizados não correspondem com
os princípios humanitários atuais, sendo aqui valorizada apenas a idéia de que
o serviço de inteligência é de fato eficaz contra as ameaças à segurança
nacional, no caso em tela o crime organizado.
Hoje em dia, o principal órgão de
inteligência brasileiro é a ABIN, a Agência Brasileira de Inteligência, criada
pela Lei 9.883/99. A lei atribui à ABIN o trabalho de “planejar, executar,
coordenar, supervisionar e controlar as atividades de inteligência e
contra-inteligência do País, de modo a assessorar o Presidente da República com
informações de caráter estratégico”. Na redação, o legislador deixa bem clara a
preocupação com o método como este objetivo será alcançado, ao dizer que as
atividades deverão ser realizadas com “irrestrita observância dos direitos e
garantias individuais, fidelidade às instituições e aos princípios éticos que
regem os interesses e a segurança do Estado”.
Desta forma, percebe-se que o atual
órgão diferencia-se do antigo SNI da época da ditadura, em que estes princípios
não eram muitas vezes levados em conta. Até para que este processo seja feito
desta maneira, a Lei 9.883/99 institui um mecanismo de controle externo das
atividades da ABIN, por meio de uma Comissão Parlamentar composta por membros
da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, disposta a fiscalizar todas as
atividades do órgão.
O Art. 6° desta lei prevê este
controle externo da atividade de inteligência:
“Art. 6o O controle e fiscalização
externos da atividade de inteligência serão exercidos pelo Poder Legislativo na
forma a ser estabelecida em ato do Congresso Nacional.
§ 1º Integrarão o órgão de controle
externo da atividade de inteligência os líderes da maioria e da minoria na
Câmara dos Deputados e no Senado Federal, assim como os Presidentes das
Comissões de Relações Exteriores e Defesa Nacional da Câmara dos Deputados e do
Senado Federal.
§ 2º O ato a que se refere o caput
deste artigo definirá o funcionamento do órgão de controle e a forma de
desenvolvimento dos seus trabalhos com vistas ao controle e fiscalização dos
atos decorrentes da execução da Política Nacional de Inteligência.”
A ABIN é o órgão central que faz
parte de um conjunto maior, o chamado SISBIN - Sistema Brasileiro de
Inteligência - , instituído na mesma lei. O objetivo do SISBIN é basicamente o
de obter e analisar os dados, oferecendo subsídios para que o Presidente da
República tome decisões no que tange à segurança nacional de forma mais
adequada.
O Decreto 4.376/02, em seu Art. 4°,
enumera os órgãos que constituem o SISBIN:
“Art. 4º Constituem o Sistema
Brasileiro de Inteligência:
I – a Casa Civil da Presidência da
República, por meio do Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da
Amazônia – CENSIPAM;
II – o Gabinete de Segurança
Institucional da Presidência da República, órgão de coordenação das atividades
de inteligência federal;
III – a Agência Brasileira
de Inteligência - ABIN, como órgão central do Sistema;
IV – o Ministério da
Justiça, por meio da Secretaria Nacional de Segurança Pública, do Departamento
de Polícia Rodoviária Federal e da Coordenação de Inteligência do Departamento
de Polícia Federal;
V – o Ministério da Defesa,
por meio do Departamento de Inteligência Estratégica, da Subchefia de
Inteligência do Estado-Maior de Defesa, do Centro de Inteligência da Marinha,
do Centro de Inteligência do Exército, da Secretaria de Inteligência da
Aeronáutica;
VI – o Ministério das
Relações Exteriores, por meio da Coordenação-Geral de Combate a Ilícitos
Transnacionais;
VII – o Ministério da Fazenda,
por meio da Secretaria-Executiva do Conselho de Controle de Atividades
Financeiras, da Secretaria da Receita Federal e do Banco Central do Brasil;
VIII – o Ministério do
Trabalho e Emprego, por meio da Secretaria-Executiva;
IX – o Ministério da Saúde,
por meio do Gabinete do Ministro e da Agência Nacional de Vigilância
Sanitária - ANVISA;
X – o Ministério da
Previdência e Assistência Social, por meio da Secretaria-Executiva;
XI – o Ministério da
Ciência e Tecnologia, por meio do Gabinete do Ministro;
XII – o Ministério do Meio
Ambiente, por meio da Secretaria-Executiva; e
XIII – o Ministério de Integração
Nacional, por meio da Secretaria Nacional de Defesa Civil.’
O serviço de inteligência no Brasil é
ainda mais complexo, sendo realizado também por empresas privadas e órgãos
menores como o Subsistema de Inteligência de Segurança Pública, além de quase
todos os órgãos do Executivo que possuam poder de polícia.
No caso específico do crime
organizado, a chamada “inteligência financeira” tem obtido resultados
expressivos. Esta tem como finalidade atingir a economia das organizações
criminosas, o que têm se provado bastante efetivo, visto que a principal arma
dos criminosos é o capital absurdo obtido ilegalmente, seja pelo tráfico ou por
qualquer outra atividade. A inteligência financeira busca prejudicar este lucro
ilegal, observando a movimentação de capital feita e por fim apreendendo
grandes valores, que vão direto para o cofre público. Por este motivo, a
inteligência financeira é cada vez mais utilizada no cenário mundial de combate
ao crime organizado. O impacto que causa nas organizações criminosas e o
retorno de capital aos cofres do governo são bastante significativos.
Perante a comunidade internacional, o
Brasil possui grande presença neste quesito. O Conselho de Controle de
Atividades Financeiras (COAF) têm atuado em diversos congressos mundiais,
buscando novas opções com este intercâmbio, aperfeiçoando suas atividades.
Podemos destacar aqui o Grupo de Ação Financeira Internacional (GAFI),
considerada a principal instituição contra os crimes financeiros praticados
pelo crime organizado. Este órgão realiza diversas reuniões com países do mundo
inteiro, onde são traçados os melhores rumos no combate a este tipo de crime. O
Brasil é sempre representado por membros do COAF e da ABIN, entre outros.
Diferentemente da Inteligência
Governamental explicitada nos parágrafos acima, a Inteligência Policial possui
outro papel. Seu trabalho é o de repressão, investigando os ilícitos, e
reunindo indícios que auxiliem o judiciário. Este trabalho é realizado em nosso
país pelas polícias estaduais civis e militares, assim como pela Polícia
Federal. No Manual de Inteligência Policial do Departamento de Polícia Federal
do Brasil, temos o conceito das operações de Inteligência Policial:
“(...)conjunto de ações de
inteligência policial que empregam técnicas especiais de investigação, visando
a confirmar evidências, indícios e obter conhecimentos sobre a atuação
criminosa dissimulada e complexa, bem como a identificação de redes e
organizações que atuem no crime, de forma a proporcionar um perfeito
entendimento sobre seu modus operandi, ramificações, tendências e alcance de
suas condutas criminosas”. (AGÊNCIA BRASILEIRA DE INTELIGÊNCIA, 2004)
Seu trabalho é, portanto, o de
prevenir e obstruir as atividades ilícitas, de forma direta. Esta ação seria
ineficaz, no entanto, não fosse o trabalho conjunto exercido pelos órgãos de
Inteligência Governamental, como a ABIN. Apenas em esforço mútuo podem estes
dois tipos de inteligência combater de modo eficaz o crime organizado.
2.2 O papel do Ministério Público
O Ministério Público é um órgão de
grande importância na repressão ao crime organizado. Na Itália, onde já
mencionamos que houve grande mobilização para combater a máfia, o parquet foi reconhecidamente essencial nesta
luta. No país, no entanto, o Poder Judiciário e o Ministério Público são
praticamente uma instituição só. O concurso público é o mesmo, e forma os
chamados magistrados. Estes, após o ingresso, serão designados para seu cargo,
seja ele no Ministério Público ou não. Forma-se um conjunto, podendo os membros
de um passar a exercer função em outro, coisa que no Brasil ocorre de maneira
diferente.
Em nosso país vemos uma espécie de
segregação do Ministério Público, que lhe concede autonomia mas ao mesmo tempo
cria certos inconvenientes, principalmente no que tange à repressão ao crime
organizado. É sabido, inclusive, que muitos participantes do judiciário, como
advogado e juízes, revelam-se incomodados com os poderes e a autonomia que são
conferidos aos procuradores do Ministério Público. Vimos, nos diversos exemplos
que se seguiram neste trabalho, que o combate ao crime organizado deve sempre
ser feito de maneira conjunta, com certa sinergia dos órgãos que exercem esta
função. Esta separação do Ministério Público pode ser considerada, de certa
forma, um entrave para isto.
Continuemos analisando o ótimo
exemplo italiano, que com esta mentalidade de ação conjunta, conseguiu reprimir
de forma eficaz o crime organizado que tomava conta do país. A Lei nº 82/91 deu
ao Ministério Público a possibilidade de requerer o arresto dos bens das
vítimas de sequestro mediante extorsão e de seus familiares, de forma a impedir
a sua utilização no pagamento do resgate aos criminosos. Da mesma forma, o
órgão possui a capacidade de retardar medidas cautelares como a prisão, de
forma até mesmo verbal, sendo mais tarde formalizada. Este método, como já foi
explicitado, é essencial na luta contra o crime organizado. Muitas vezes, a
prisão antecipada do criminoso pode trazer mais prejuízos que benefícios.
No mesmo sentido, a citada lei
estabelece um método eficaz de proteção às vítimas e colaboradores da justiça.
Mais uma vez, cabe ao Ministério Público determinar o novo domicílio do
protegido, em local próximo a estabelecimento policial ou pessoa de confiança.
O órgão pode até mesmo autorizar a polícia local a prender o protegido em
estabelecimento que não seja o penal, até que se encontre um lugar seguro. Já
outra lei, a nº 8/92, institui a chamada “Superprocuradoria”, que visa
coordenar as investigações contra o crime organizado dentro do Ministério
Público. Dentro do Código de Processo Penal, há normas que regulamentam o
“procurador nacional antimáfia”, uma espécie de procurador especializado no
crime organizado, algo que poderia ser estabelecido no nosso país.
Muitas outras alterações foram feitas
no Código de Processo Penal italiano, a partir do ano de 1988. Grande parte
destas alterações deu ao Ministério Público este papel decisivo no combate ao
crime organizado, coisa que não verificamos em nosso país. Analisando de forma
fria, o Ministério Público brasileiro na verdade não chega a possuir relevância
no atual método de repressão utilizado.
A política de combate ao crime
organizado utilizada pelo nosso país com certeza evoluiu nos últimos anos,
principalmente no que diz respeito ao já explicitado serviço de inteligência,
além da Polícia Federal, que é hoje em dia uma das instituições mais fortes do
país. Isso se deu graças ao bom aprendizado que tivemos com outros países que
enfrentaram de forma positiva o crime organizado, assim como a Itália. Ainda
assim, neste aspecto específico do Ministério Público, vemos um claro atraso.
Enquanto o Ministério Público e todo o aparato judiciário não concentrarem suas
forças no complicado e extenso processo de repressão ao crime organizado, não
será possível obter êxito nesta luta.
Atualmente, o projeto de Lei nº
3.731/97 do Senado Federal visa uma melhoria neste aspecto. O projeto autoriza
o Ministério Público, na apuração de crimes praticados por organização criminosa,
a instauração de um procedimento investigatório, de natureza inquisitiva,
sigilosa e informal. Desta forma, poderiam ser colhidas as provas necessárias
antes da instauração do processo, o que hoje em dia acontece, apenas após
iniciado o mesmo, e por parte do juiz. A aprovação desta lei seria um ótimo
passo neste esforço para tornar o Ministério Público uma instituição mais
atuante no combate ao crime organizado.
2.3 A quebra de sigilo
O combate à criminalidade organizada,
para conseguir reprimir de forma rápida e eficaz as ações criminosas, algumas
vezes se encontra em conflito com as garantias constitucionais ao ser humano. A
quebra do sigilo, que é garantido pela carta magna, é um mal necessário à
obtenção da segurança pública. O primeiro exemplo a ser analisado será o da
quebra de sigilo das comunicações, que acontece quando a interceptação
telefônica é utilizada em uma investigação.
A interceptação telefônica tem sido
utilizada, de forma muito eficaz, no combate ao crime organizado. Hoje em dia é
considerada uma arma vital na obtenção de informações sobre os criminosos, e
muitas das operações bem-sucedidas contra o crime organizado basearam-se em
dados coletados desta forma. Tratando-se de crime organizado, onde está sempre
presente uma complexa e extensa estrutura articulada, a obtenção de provas é
difícil. Isto leva o aparato Estatal a utilizar métodos ágeis como a
interceptação telefônica, ainda que isto implique na restrição de algum
direito.
Este método, ainda que eficaz,
inegavelmente acaba por ferir o direito à intimidade dos envolvidos na
conversa. O que se deve fazer, então, é um balanceamento sobre os valores
envolvidos, utilizando-se do já consagrado Princípio da Razoabilidade, o qual
nos permite resolver muitos dos conflitos entre os princípios da constituição,
analisando o peso de cada um. De um lado, temos o direito à intimidade, que
representa o interesse individual da pessoa em ter sua privacidade respeitada.
De outro, temos a segurança pública, que perante o estado avançado da
criminalidade, só pode ser garantida com o uso de artifícios como o da
interceptação telefônica. Devendo sempre o interesse público preponderar sobre
o particular, percebemos que não cabe discussão acerca da utilização deste
método, visto que o benefício obtido, no que diz respeito à segurança pública,
é muito maior do que a lesão acarretada pelo desrespeito à intimidade.
A interceptação de ligações
telefônicas foi regulamentada pela Lei nº 9.296/96. Esta autoriza a
interceptação das ligações telefônicas, bem como o fluxo de comunicações em
sistema de informática e telemática, para fins de prova em investigação
criminal e em instrução processual penal, mediante autorização judicial. Para
que esta autorização judicial seja concedida, é exigido que exista prévia
investigação criminal formal, ou que a instrução criminal dependa da
interceptação. Apenas o Ministério Público possui legitimidade para ser titular
da ação penal pública que requer a utilização da interceptação telefônica. A
autoridade policial envia requerimento ao M.P., que então realizará a petição.
Dispõe o Art. 2º, III, da Lei
9.296/96, que a interceptação telefônica não será admitida quando o fato
investigado constituir infração penal punida, no máximo, com pena de detenção.
O Art. 5º da mesma Lei determina que a interceptação não poderá exceder o prazo
de 15 dias, renovável por igual tempo, uma vez comprovada a indispensabilidade.
Em 2003, a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça analisou duas questões
acerca disto. A primeira, se a interceptação poderia ser admitida no caso de
crime apenado com detenção conexo ao crime apenado com reclusão. Entendeu-se
que sim, visto que nos casos de macro criminalidade, a interceptação deste tipo
de conversa era corriqueira, e seria impossível separar as conversas pela gravidade
da pena. O segundo problema seria a renovação por mais de uma vez do prazo de
15 dias. Também se chegou à conclusão que sim, visto que a lei não impede a
renovação por ilimitadas vezes, se preciso. Ambas as decisões foram
importantes, pois afastaram qualquer possível entrave na utilização desta
técnica que em tanto ajuda as investigações de hoje em dia.
Outra medida necessária às
investigações feitas contra o crime organizado é a quebra do sigilo bancário.
Ao contrário do que vemos no caso do sigilo das comunicações, não há na
Constituição Federal proteção específica ao sigilo bancário. Ainda assim,
considera-se que o mesmo faz parte da proteção à intimidade, que encontra-se
garantida pelo Art. 5º, inciso X da Constituição. A violação do sigilo bancário
é permitida com autorização judicial, conforme regulamentação dada pela Lei
4.595/64.
Existem outros dois casos de quebra
de sigilo para o auxílio das investigações criminais, quais sejam, a quebra de
sigilo fiscal e a quebra de sigilo eleitoral. No primeiro caso, a
regulamentação é feita pelo Código Tributário Nacional, no Art. 198, parágrafo
único. Mais uma vez torna-se essencial a autorização judicial, que permitirá,
então, a análise do histórico fiscal da pessoa física ou jurídica a ser
investigada criminalmente. No segundo caso, a quebra do sigilo eleitoral é
feita apenas quanto às informações cadastrais dos eleitores, que geralmente são
de uso exclusivo da Justiça Eleitoral, sendo a única exceção feita exatamente
no caso de investigação criminal, mediante autorização judicial prévia.
2.4 A infiltração policial
A infiltração por parte de agentes
nas organizações criminosas é um método que, apesar de arriscado, oferece
informações que muitas vezes não poderiam ser obtidas pelas demais técnicas. O
risco deste tipo de operação é maior, pelo fato de que a descoberta do agente
infiltrado quase sempre resultará em perigo à sua vida. A única forma de se
obter êxito com este tipo de atividade é o sigilo total, além do treinamento
extensivo do indivíduo a realizar a infiltração. Temos ótimos exemplos, no
entanto, dos resultados expressivos que podem ser alcançados assim.
Apesar de não ser uma habilidade
desenvolvida no nosso país, outras nações vêm utilizando, de modo muito eficaz
a infiltração, em especial os EUA. Diversos agentes do FBI já foram
introduzidos no círculo da máfia, resultando na prisão de grandes líderes das
organizações, algo que de outra forma não seria possível. Uma destas operações
é mostrada no filme “Donnie Brasco”, em que se conta a história real do agente
Joseph Pistone, que passou longos seis anos colhendo informações sobre a máfia
italiana que atuava em cidades como Nova Iorque e Nova Jersey. Muitas outras
operações assim foram feitas, por períodos iguais de tempo.
A infiltração policial, nestes países
que a utilizam com sucesso, é regulamentada por lei. No Brasil, de início, não
havia esta regulamentação, quando do surgimento da lei 9.034/95. Uma das
medidas da lei 10.217/01, contudo, foi o de estabelecer que a infiltração
policial se desse por agentes de polícia ou inteligência, em tarefas de
investigação, mediante a devida autorização judicial. Com esta mudança, a
atividade de infiltração, que antes era feita à margem da lei, teve seu devido
reconhecimento e hoje em dia pode ser realizada com as exigências formais
contidas na lei.
2.5 Ação Controlada
No combate ao crime organizado,
colher informações sobre as atividades dos criminosos faz a diferença entre uma
operação bem ou mal sucedida. Muitas vezes vale à pena esperar para agir, ainda
que isto implique em observar as operações ilícitas ocorrerem sem intervir,
para que em longo prazo, seja este de meses ou anos, o mal seja cortado pela
raiz. Um bom exemplo disto foi a Operação Mosaico, realizada no Rio de Janeiro,
que após um período de coleta de informações, reuniu as condições necessárias
para derrubar o maior chefão do tráfico na cidade.
Muitas vezes, a autoridade policial
se vê obrigada a postergar a prisão de um dos elementos da organização
criminosa, por saber que o deixando solto e continuando seu monitoramento,
conseguirá informações valiosíssimas que não conseguiria caso o mesmo fosse
preso. Esta técnica, conhecida como “ação controlada”, encontra respaldo na Lei
9.034/95, e dá ao Juiz a possibilidade de, após ouvir o Ministério Público,
suspender a ordem de prisão ou apreensão de bens, quando isto possa ameaçar
toda a investigação. A matéria é disciplinada no inciso II do Art. 2º da
referida lei:
“II - a ação controlada, que consiste
em retardar a interdição policial do que
se supõe ação praticada por
organizações criminosas ou a ela vinculado, desde que mantida sob observação e
acompanhamento para que a medida legal se concretize no momento mais eficaz do
ponto de vista da formação de provas e fornecimento de informações”;
O artigo a define como o retardamento
da interdição policial em relação às ações tidas como praticadas por
organizações criminosas, ou em seu benefício, mediante a observação e o
acompanhamento que permitam uma eficaz medida legal tendente a uma boa formação
de provas e ao fornecimento e informações.
Embora a lei não exija autorização
legal para a prática da ação controlada, há quem entenda que esta seria
necessária, pois poderiam ocorrer abusos. A exigência de prévia autorização
legal, no entanto, poderia se tornar um entrave desnecessário à prática da ação
controlada, de forma que a motivação posterior fornecida pela autoridade
policial e o controle externo exercido pelo Ministério Público mostram-se
medidas suficientes contra qualquer eventual abuso.
3 SOBRE A LEI Nº 9.034/95
Críticas e defeitos à parte, a Lei
9.034/95 foi a primeira demonstração explícita do legislativo no sentido de
preocupar-se em diferenciar o crime organizado, também classificado como “macro
criminalidade”, do crime comum, que não apresenta o mesmo potencial ofensivo à
sociedade. Esta lei teve origem com o Projeto de Lei nº 3.516, elaborado pelo
Deputado Michel Temer, tendo sido feitas diversas alterações em seu texto
original.
Infelizmente, a primeira tentativa de
ajustar a legislação brasileira contra o crime organizado veio com falhas
graves e básicas, sendo a referida lei alvo de crítica pela maior parte dos
doutrinadores. Seu maior erro foi, provavelmente, o de não apresentar um
conceito do que seria “crime organizado”, ou até mesmo uma “organização
criminosa”. No projeto de lei inicial, a organização criminosa era definida
como “aquela que, por suas características, demonstre a exigência de estrutura
criminal, operando de forma sistematizada, com atuação regional, nacional ou
internacional.” No entanto, com as modificações feitas no projeto inicial, este
conceito foi retirado do texto.
Na verdade, além de não conceituar
crime organizado nem organização criminosa, a lei criou grande confusão ao
enunciar, em seu Art. 1º, que dispõe sobre “crime resultante de ações de
quadrilha ou bando”. Há que se diferenciar, claramente, a quadrilha da
organização criminosa. A quadrilha, conceituada no Art. 288 do Código Penal, é
formada por no mínimo quatro agentes, enquanto seria perfeitamente possível a
existência de uma organização criminosa composta por apenas dois ou três
membros. Além disso, a quadrilha só existe quando há prática de crimes
comissivos, e não de contravenções ou crimes omissivos. Sendo assim, estaria
excluído da área de atuação da quadrilha o crime de facilitação de contrabando,
frequentemente praticado pelas organizações criminosas. Mais adiante, com o
advento da lei 10.217/01, foram feitas algumas mudanças no texto original. Uma
delas foi a de estender os efeitos da lei 9.034/95, que agora atinge, além dos
participantes de quadrilha ou bando, também os membros de associações ou
organizações criminosas de qualquer tipo. Ainda assim, não foi conceituada a
organização criminosa, sendo sua definição até hoje objeto de discussão.
O conceito de crime organizado
apresentado pela Convenção de Palermo diz:
“Grupo criminoso organizado – grupo
estruturado de três ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando
concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou
enunciadas na presente Convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente,
um benefício econômico ou outro benefício material (...) Infração grave – ato
que constituía infração punível com uma pena de privação de liberdade, cujo
máximo não seja inferior a quatro anos ou com pena superior. (...) Grupo
estruturado – grupo formado de maneira não fortuita para a prática imediata de
uma infração, ainda que os seus membros não tenham funções formalmente
definidas, que não haja continuidade na sua composição e que não disponha de
uma estrutura elaborada.” (CONVENÇÃO DE PALERMO, 2000)
Podemos dizer que de fato não existe
conceito totalmente pacífico do que seria o crime organizado ou as organizações
criminosas. O que vemos são idéias semelhantes, com alguns aspectos iguais
presentes na maioria delas, mas sempre divergindo em um ou outro detalhe. Em
uma situação atípica, o Superior Tribunal de Justiça acabou por reconhecer este
conceito dado na Convenção de Palermo para utilização em um caso concreto no
Brasil. Cabe aqui citar entendimento dado pelo STJ acerca desta matéria:
“HABEAS CORPUS. LAVAGEM DE DINHEIRO.
INCISO VII DO ART. 1.º DA LEI N.º 9.613/98. APLICABILIDADE. ORGANIZAÇÃO
CRIMINOSA. CONVENÇÃO DE PALERMO APROVADA PELO DECRETO LEGISLATIVO N.º 231, DE
29 DE MAIO DE 2003 E PROMULGADA PELO DECRETO N.º 5.015, DE 12 DE MARÇO DE 2004.
AÇÃO PENAL. TRANCAMENTO. IMPOSSIBILIDADE. EXISTÊNCIA DE ELEMENTOS SUFICIENTES
PARA A PERSECUÇÃO PENAL. 1. Hipótese em que a denúncia descreve a existência de
organização criminosa que se valia da estrutura de entidade religiosa e
empresas vinculadas, para arrecadar vultosos valores, ludibriando fiéis
mediante variadas fraudes - mormente estelionatos -, desviando os numerários
oferecidos para determinadas finalidades ligadas à Igreja em proveito próprio e
de terceiros, além de pretensamente lucrar na condução das diversas empresas
citadas, algumas por meio de "testas-de-ferro", desvirtuando suas
atividades eminentemente assistenciais, aplicando seguidos golpes. 2.
Capitulação da conduta no inciso VII do art. 1.º da Lei n.º 9.613/98, que não requer
nenhum crime antecedente específico para efeito da configuração do crime de
lavagem de dinheiro, bastando que seja praticado por organização criminosa,
sendo esta disciplinada no art. 1.º da Lei n.º 9.034/95, com a redação dada
pela Lei n.º 10.217/2001, c.c. o Decreto Legislativo n.° 231, de 29 de maio de
2003, que ratificou a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado
Transnacional, promulgada pelo Decreto n.º 5.015, de 12 de março de 2004.
Precedente.”
Após a leitura do julgado, cabe
mencionar análise feita por Luis Flávio Gomes, dizendo que:
“De três vícios padece o
posicionamento do STJ que acaba de ser transcrito: 1º) a definição de crime
organizado contida na Convenção de Palermo é muito ampla, genérica, e viola a
garantia da taxatividade (ou de certeza), que é uma das garantias emanadas do
princípio da legalidade; 2º) a definição dada, caso seja superada a primeira
censura acima exposta, vale para nossas relações com o direito internacional,
não com o direito interno; de outro lado, é da essência dessa definição a
natureza transnacional do delito (logo, delito interno, ainda que organizado,
não se encaixa nessa definição). Note-se que a Convenção exige "(...)
grupo estruturado de três ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando
concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou
enunciadas na Convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um
benefício econômico ou outro benefício material". Todas as infrações
enunciadas na Convenção versam sobre a criminalidade transnacional. Logo, não é
qualquer criminalidade organizada que se encaixa nessa definição. Sem a
singularidade da transnacionalidade não há que se falar em adequação típica, do
ponto de vista formal; 3º) definições dadas pelas convenções ou tratados
internacionais jamais valem para reger nossas relações com o Direito penal
interno em razão da exigência do princípio da democracia (ou garantia da lex populi).” (FLÁVIO GOMES, 2009)
Diante disto, seria de grande
importância uma conceituação clara do crime organizado, assim como das
organizações criminosas, na legislação. A atitude do STJ de adotar um conceito
criado por uma convenção internacional para aplicação no direito penal interno
brasileiro é um exemplo claro das dificuldades encontradas pela falta desta
conceituação na lei brasileira. Sem este pré-requisito fixado, torna-se sempre
presente a dúvida: determinado crime encaixa-se ou não no que o legislador
pretendia regrar com a Lei 9.034/95?
No Art. 2º, a referida lei trata de
anunciar alguns procedimentos de investigação novos, já tratados no capítulo
anterior deste trabalho. São eles a ação controlada e o acesso a dados,
documentos e informações fiscais, bancárias, financeiras e eleitorais.
A contradição conceitual já
mencionada fica mais visível no caput do Art. 2º, quando a lei dispõe que estes
procedimentos investigativos serão admitidos “em qualquer fase de persecução
criminal que verse sobre ação praticada por organizações criminosas”.
Já no Art. 3º, a lei trata mais
especificamente de como se dá este acesso a dados mencionado no artigo
anterior. Diz o primeiro inciso: “§ 1º Para realizar a diligência, o juiz
poderá requisitar o auxílio de pessoas que, pela natureza da função ou
profissão, tenham ou possam ter acesso aos objetos do sigilo.” Sendo assim, o
juiz pode recorrer a funcionários que tenham acesso às informações que sejam
objeto da investigação, trazendo-as aos autos do processo. Percebe-se aqui que
a função de reunir provas está sendo atribuída ao juiz, o que para muitos se
trata de outro equívoco da lei. Teoricamente, esta tarefa seria do Ministério
Público, representado por seu Promotor de Justiça, que de fato deveria ser o
indivíduo legitimado a requerer estas informações, ainda que mediante
autorização judicial.
No segundo inciso, a lei institui:
“§ 2º O juiz, pessoalmente, fará
lavrar auto circunstanciado da diligência, relatando as informações colhidas
oralmente e anexando cópias autênticas dos documentos que tiverem relevância
probatória, podendo para esse efeito, designar uma das pessoas referidas no
parágrafo anterior como escrivão ad hoc.”
Seguindo a linha de raciocínio
anterior, este relato das informações colhidas deveria, também, ser feito pelo
Promotor. Ao juiz caberia apenas tomar conhecimento disto e conforme o caso,
designar o referido escrivão. Seguindo ao terceiro inciso, temos:
“§ 3º O auto de diligência será
conservado fora dos autos do processo, em lugar seguro, sem intervenção de
cartório ou servidor, somente podendo a ele ter acesso, na presença do juiz, as
partes legítimas na causa, que não poderão dele servir-se para fins estranhos à
mesma, e estão sujeitas às sanções previstas pelo Código Penal em caso de
divulgação.”
Aqui se encontra explicada, talvez, a
intenção do legislador ao atribuir erroneamente estas funções investigativas ao
juiz. A única explicação plausível é a de que com isto seria dado maior sigilo
à diligência. Ainda assim, esta idéia não se justifica, por motivos óbvios que
não nos permitem dar ao juiz o encargo de produzir as próprias provas que irá
julgar, função que cabe à parte encarregada da acusação, no caso o Ministério
Público. Seguem os últimos dois incisos do Art. 3º:
“§ 4º Os argumentos de acusação e
defesa que versarem sobre a diligência serão apresentados em separado para
serem anexados ao auto da diligência, que poderá servir como elemento na
formação da convicção final do juiz.
§ 5º Em caso de recurso, o auto da diligência
será fechado, lacrado e endereçado em separado ao juízo competente para
revisão, que dele tomará conhecimento sem intervenção das secretarias e
gabinetes, devendo o relator dar vistas ao Ministério Público e ao Defensor em
recinto isolado, para o efeito de que a discussão e o julgamento sejam mantidos
em absoluto segredo de justiça.”
Mais uma vez, fica visível a grande
preocupação com o sigilo do auto da diligência, que no caso de recurso, é
lacrado e mostrado em “recinto isolado” às partes. Esta preocupação é
fundamentada, visto que qualquer dado obtido com a quebra de sigilo deve ser
utilizado tão somente na investigação, sem que qualquer indivíduo alheio a esta
tome conhecimento. Mesmo assim, a decisão de incumbir ao juiz a função de ir
atrás destes dados é flagrantemente falha, pelos vários motivos já expostos.
O terceiro capítulo da lei, elencando
os arts. 4º a 12, trata das disposições gerais:
“Art. 4º Os órgãos da polícia
judiciária estruturarão setores e equipes de policiais especializados no
combate à ação praticada por organizações criminosas.
Art. 5º A identificação criminal de
pessoas envolvidas com a ação praticada por organizações criminosas será
realizada independentemente da identificação civil.
Art. 6º Nos crimes praticados em
organização criminosa, a pena será reduzida de um a dois terços, quando a
colaboração espontânea do agente levar ao esclarecimento de infrações penais e
sua autoria.
Art. 7º Não será concedida liberdade
provisória, com ou sem fiança, aos agentes que tenham tido intensa e efetiva
participação na organização criminosa”.
O Art. 4º fala sobre a estruturação
da polícia judiciária, questão abordada na segunda parte do presente trabalho.
De fato é muito importante a criação de setores especializados no combate ao
crime organizado, pois o método investigativo é sempre diferente do normal.
Todas as informações obtidas devem ser mantidas em sigilo, assim como as ações
a serem tomadas. Sendo assim, a investigação de organizações criminosas deve
ser feita totalmente à parte da investigação criminal comum.
No Art. 5º, é feita uma exceção
quanto à regra disposta na Constituição Federal acerca da identificação
criminal. Em seu Art. 5º, inciso LVIII, a carta magna estabelece que “o
civilmente identificado não será submetido a identificação criminal, salvo nas
hipóteses previstas em lei”. A identificação criminal consiste em um processo
de coleta de dados sobre o acusado, quando não há como identificá-lo
civilmente. É um procedimento, até certo ponto, complexo, e por isto é dispensado
quando o acusado já se encontra civilmente identificado. No entanto, esta
exceção feita pelo Art. 5º da Lei 9.034/95, que permite aos acusados de
envolvimento com o crime organizado serem identificados criminalmente,
independentemente da identificação civil, é importantíssima. Isto porque é
sabido que muitos dos criminosos atuantes em organizações criminosas possuem
identidades falsas, o que poderia complicar bastante toda a investigação.
O Art. 6º trata do que chamamos de
“delação premiada”. Esta permite ao agente obter uma grande redução em sua
pena, caso colabore com a investigação, proporcionando informações decisivas no
esclarecimento de outros crimes. Tendo em vista que todas as atividades das
organizações criminosas são realizadas com extrema cautela, e o tráfico de
informações é sempre muito cuidadoso, a delação premiada pode trazer dados que
de outra forma não viriam à tona. O incentivo de redução de um a dois terços da
pena é grande, e se faz necessário se levarmos em conta que a delação, por muitas
vezes, implicará em risco de vida sofrido pelo delator, que se expõe à
represália do grupo do qual participava.
Já no Art. 7º, vemos uma restrição ao
benefício da liberdade provisória àqueles que tenham tido participação “intensa
e efetiva” nas organizações criminosas. Para alguns doutrinadores, o
dispositivo é inconstitucional, pois nega ao indivíduo o direito à liberdade,
concedido pela Constituição Federal. Para outros, como Luiz Flávio Gomes, o
artigo não possui eficácia, exatamente pelo fato de se dirigir aos membros de
organizações criminosas, sem que haja conceito claro sobre o que viria a ser
isto.
De fato a restrição à liberdade
provisória seria uma medida importante no combate aos membros de facções
criminosas, impedindo que estes pudessem continuar comandando suas operações
com total liberdade, facilitando inclusive a sua fuga para outro país. No
entanto, o modo como esta restrição foi imposta parece ser equivocado, na
medida em que visa se opor à Constituição Federal, e baseia-se em um conceito
vago e indefinido de organização criminosa.
Os últimos três artigos da lei
9.034/95 tratam da matéria processual e do regime carcerário. O Art. 9º expõe
que o réu não poderá apelar em liberdade, quando se tratar de crime previsto na
referida lei. Já o artigo seguinte impõe que, para os crimes decorrentes de
organização criminosa, o regime inicial será o fechado.
Ambas as medidas revelam a intenção
legítima de tratar o membro de organização criminosa com o rigor que sua
periculosidade à sociedade requer, ainda que deficientes pelo fato de estarem
baseadas num conceito nebuloso, como foi explicado anteriormente.
Conclusão
A análise histórica do crime
organizado no Brasil, desde seu início nos anos 70, até sua consolidação e
expansão, nos traz uma clara constatação de que, hoje em dia, esta se trata de
uma ameaça grave à segurança nacional.
A batalha travada entre os órgãos de
repressão e as facções criminosas fez muitas vítimas, dentre elas pessoas
inocentes. Mas talvez a maior vítima do crime organizado seja o desenvolvimento
do país. O tráfico internacional e a corrupção, principalmente, constituem
grande atraso ao país na luta pelo desenvolvimento.
Muitos aspectos tiveram clara
evolução, como o Departamento de Polícia Federal, líder na América latina de
apreensão de drogas, a Agência Brasileira de Inteligência e outros órgãos
investigativos. Ainda assim, o grande problema, no que diz respeito ao combate
ao crime organizado, parece ser a legislação.
Tanto o procedimento quanto a própria
tipificação dos crimes necessitam urgente reforma, e isto parece ser um
consenso entre os doutrinadores. O modo como o Ministério Público atua nesta
área precisa ser revisto, e sua presença nas investigações contra o crime
organizado deve ser mais ativa.
Esta sinergia entre os três poderes,
assim como a união do Ministério Público com a polícia judiciária, foi o
caminho encontrado pelo governo italiano para reprimir o câncer que era o crime
organizado no país.
Da mesma forma, a legislação
específica sobre a matéria apresenta falhas inadmissíveis. O modo incompleto
como a lei 9.034/95 foi apresentada e entrou em vigor deixou isso bem claro.
Ainda assim, em mais de dez anos, pouca coisa foi alterada na lei. Sua
principal omissão, o conceito do que seria o crime organizado e as organizações
criminosas, é um incômodo constante nos processos criminais relativos a estes
crimes.
Se o próprio crime organizado é uma
estrutura complexa, o seu combate também deve ser. O sucesso obtido pelos
criminosos ao dividir funções, agindo rápida e conjuntamente, será o mesmo
sucesso obtido pelo governo brasileiro ao fazer exatamente isso: se organizar.
Referências
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. Acesso em: 10 set. 2009.
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AMORIM, Carlos. CV_PCC A Irmandade do Crime. 5ª edição. São Paulo: editora Record.
2004.
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Acesso em: 09 set. 2009.
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região. v. 2 Porto Alegre. 2005.
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Convenção de Palermo. Disponível em: <http://www.lfg.com.br> 06 de maio de 2009.
MARCHI DE QUEIROZ, Carlos Alberto. Crime organizado no Brasil. São Paulo: Editora Iglu. 1998.
MIRABETE, Júlio Fabbrini. Processo Penal. São Paulo: Editora Atlas. 2006.
MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada e
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São Paulo: Editora Atlas. 2005.
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VASCONCELOS, Márcio. Segurança e crime organizado
internacional. Disponível em: www.editoraferreira.com.br
> 2009.
Notas:
[1] Professor Orientador: Mário Ribeiro
[2] Informação fornecida por M. MADEIRA em
entrevista realizada pelo autor em Rio Grande, em Junho de 2009.
[3]
Disponível em: http://www.ucamcesec.com.br/est_seg_evol.php
[4] Submetralhadora de fabricação israelita
fabricada no final da década de 40
[5] Fuzil automático produzido pela União
Soviética em 1947
[6] Informação verbal obtida através de entrevista
feita com H. Borges pelo autor, em setembro de 2009.
[7] Departamento do Sistema Penitenciário
do Rio de Janeiro
[8] A operação recebeu o nome de “Operação
Mosaico” por tentar desvendar todas as “peças” que compunham o mosaico: tráfico
de drogas, contrabando de armas, lavagem de dinheiro, roubo de carros etc. Como
peças de um mosaico, as atividades interligavam-se e encaixavam-se, permitindo
à polícia federal desvendar toda a rede envolvida na atividade ilícita.
Informações Sobre o Autor
Felipe
Madeira
Acadêmico de Direito da FURG/RS
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