segunda-feira, 18 de junho de 2012

Angela, faça chuva ou faça sol




Revista Veja - 18/06/2012
A crise do euro chega ao auge sob uma galeria de líderes políticos menores do que suas circunstâncias. Só um deles tem poder de mudar a cena: a chanceler da Alemanha
André Petry, de Nova York
A crise do euro está se desenrolando em ritmo acelerado. No domingo 17, os gregos encontram de novo as urnas e, dependendo do resultado, a Grécia poderá ser o primeiro país a abandonar a zona do euro — um movimento cujas conseqüências para a própria Grécia, para a Europa e para o mundo variam de tenebrosas a catastróficas. No início da semana, o presidente Barack Obama encontrará os principais líderes europeus na reunião do G20 em Los Cabos, no México. Voltará a pressionar por um desfecho da crise europeia, que está respingando na economia americana e minando suas chances de ser reeleito. Na sexta-feira, os líderes das quatro principais economias da zona do euro terão um encontro em Roma. Mais uma vez, haverá enorme pressão. Na semana seguinte, os líderes de todos os países do euro farão uma cúpula em Bruxelas em busca de uma solução.

O ritmo é frenético, mas, em certa medida, o futuro do sistema financeiro da Europa, de boa pane da economia mundial, até mesmo o futuro do presidente Obama na eleição de novembro — tudo isso depende do desfecho da fase aguda da crise europeia e da única pessoa que tem poder suficiente para influir no resultado, a chanceler da Alemanha. Angela Merkel. A economia alemã cresce, a taxa de desemprego registra recordes de baixa, o Tesouro tem déficits, mas é tão seguro que os investidores aceitam até taxas negativas para financiá-los. Ou seja, aceitam investir 1 000 euros hoje e pegar de volta 999 daqui a dois anos. Na quinta-feira passada, em discurso no Bundestag, o Parlamento alemão, Merkel relembrou aos países combalidos da Europa que existem limitações mesmo para sua poderosa economia: "A força da Alemanha não é infinita. Os poderes da Alemanha não são ilimitados". Para bom entendedor, fica a leitura de que a limitação é política, pois é difícil informar a um alemão que ele só vai poder se aposentar aos 67 anos para que um espanhol possa parar de trabalhar aos 65 anos e um grego, aos 61.

Desde 2010, quando a crise da dívida da Grécia explodiu, a chanceler a alemã manteve-se firme na posição de que, se austeridade, disciplina fiscal e contenção de gastos públicos haviam feito a prosperidade da Alemanha, a mesma receita poderia salvar os países que estão em dificuldade justamente por terem feito, durante décadas, tudo ao contrário. Sobre esse fato estão de acordo até mesmo os políticos europeus que se elegeram pregando mais gastança. Com a palavra, François Hollande, presidente francês: "O crescimento não nascerá com gastos públicos suplementares e um momento no qual os países estão com endividamento alto". No palanque, Hollande, que agora lidera a segunda maior economia da zona do euro, dizia que só mais gastos públicos salvariam região. As circunstâncias dos líderes europeus, no fundo, são da mesma natureza. Todos sabem que o crescimento econômico é a única saída para os países do euro. Merkel tem consciência plena de que precisa de uma Europa pujante, pois mais da metade das exportações alemãs se destina aos vizinhos.

O que Merkel não resolveu ainda é se um auxílio financeiro adicional aos mais de 400 bilhões de euros que Grécia, Espanha e Portugal receberam - graças a seu consentimento e a ardentes discursos de apoio — ajuda ou atrapalha. A resposta não é simples. Os juros cobrados pelos investidores para rolar dívida da Espanha aumentaram depois que o país recebeu a ajuda de 100 bilhões de euros. Por quê? Porque os bilhões vieram por empréstimo. Portanto a dívida pública espanhola aumentou se tornou ainda mais impagável. Como Merkel entende de economia e sabe fazer contas, ela parece hesitar.

A chanceler alemã não queria prestar socorro financeiro à Grécia, mas recuou. Não queria a criação de um fundo permanente de ajuda financeira, mas também recuou. Era contra o uso do dinheiro de socorro financeiro para a compra de bonds dos governos no mercado secundário, e também acabou cedendo. Ela mudou de posição, mas só depois de os beneficiários terem aceitado contrapartidas que aumentem a possibilidade de eles pagarem os empréstimos recebidos. Apesar da recente derrota que sofreu na Renânia do Norte- Vestfália, o estado mais populoso do país, Merkel tem, claro, o apoio da opinião pública alemã. Quem trabalhou, economizou, aceitou salários mais baixos que os dos perdulários vizinhos europeus foram os trabalhadores alemães. É ingênuo esperar, agora, que eles aceitem pacificamente sacrificar-se ainda mais para pagar pelo populismo irresponsável dos outros.

A crise na Europa, que respinga nos Estados Unidos, na China e, por extensão, no mundo inteiro, é a um só tempo uma crise econômica e política. A crise política nasce da infeliz coincidência de que os europeus e os americanos estão sob o comando de uma galeria de líderes fracos, vacilantes ou teimosos cujo traço comum é vender ao seu público interno a ilusão de uma saída indolor para a crise. Obama não faz parte da zona do euro, mas tem a influência que cabe à maior economia do mundo. No entanto, mesmo em seu quintal, mostrou-se um líder sem ousadia, que contemporiza até incinerar princípios. Na França. Hollande elegeu-se depois de uma campanha tímida e com tal falta de verve que foi chamado de "marshmallow ambulante" e apelidado com a marca de um pudim de caramelo particularmente flácido. Terá de lutar para provar que sua correligionária Martine Aubry, do Partido Socialista, estava errada quando disse que Hollande tinha couille molle, expressão que os franceses usam para designar os exemplares masculino: que não têm aquilo roxo.

Se quisesse, Merkel salvaria o euro? É improvável. Desde o século XIX, a Alemanha vive o dilema de ser pequena demais para ter um papel internacional hegemônico mas grande demais em comparação a qualquer um de seus pares europeus — e, no entanto, numa terceira perspectiva de sua dimensão, é menos poderosa do que a soma de todos eles. A Alemanha está procurando seu lugar. "A elite alemã ainda não aprendeu a liderar. Na verdade, ela não quer liderar", afirma Wolfgang Ischinger, ex-vice-ministro das Relações Exteriores. Sem apetite para o bônus e o ônus da liderança, os alemães vivem um impasse diante da crise do euro, na qual duas forças poderosa: travam um duelo que raramente vem à luz mas não dá trégua: de um lado, a europeização da Alemanha, que o mundo aplaude; de outro, a germanização da Europa, que o mundo teme.

Angela Merkel, nascida em Hamburgo, na Alemanha Ocidental, mas criada do outro lado do Muro de Berlim, corporifica as idiossincrasias alemãs. Em termos econômicos, não se entenderão seus passos sem levar em conta a doutrina econômica hegemônica na Alemanha, o ordoliberalismo Concebido na primeira metade do século passado, o ordoliberalismo capturou o imaginário dos alemães e ajudou a promover a prosperidade do pós guerra. Eles defendem o estado capaz de cumprir funções fundamentais: assegurar a competição econômica, manter a estabilidade de preços e criar uma rede de proteção social eficaz (para afastar a ameaça socialista). Essa construção requer dois princípios sólidos: trabalho e responsabilidade. Merkel no fundo, não acha justo aliviar as dores dos países que faziam farra com dinheiro a ser pago pelas gerações vindouras, enquanto os alemães poupavam e pagavam impostos altos justamente para não deixar dívidas para seus filhos e netos. Apesar de tudo. Merkel está certa de que a solução é "mais Europa, e não menos".

PRFN/RS, 

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