ECONOMIST
Comissão da Verdade: antes tarde do que nunca
Em comparação com seus vizinhos, o Brasil tem sido lento em revisitar seus crimes da ditadura
Dilma Rousseff foi torturada; Luiz Inácio Lula da Silva foi preso; Fernando Henrique Cardoso foi forçado ao exílio. A presidente e dois de seus mais recentes predecessores sofreram sob o regime militar no país de 1964-85. No entanto, só agora o Brasil está planejando examinar de perto os crimes cometidos durante esses anos. Dilma anunciou uma lei para a formação de uma Comissão da Verdade, aprovada pelo Congresso no final de outubro. Seus sete membros terão dois anos para examinar assassinatos, torturas e “desaparecimentos” cometidos tanto pelo governo quanto pela resistência entre 1964 e 1988.
Uma lei pela liberdade de informação vai reforçar essa tomada na direção da abertura. Proposta pela primeira vez em 2003, a lei recebeu um empurrãozinho em setembro, quando Dilma aceitou liderar uma “iniciativa de governos transparentes” internacional com Barack Obama. A Constituição brasileira bota grande peso no direito à informação. Mas não havia legislação para concretizar os detalhes, o que tornava a apuração precisa dos fatos uma questão de persistência e sorte. Documentos podem permanecer secretos indefinidamente.
Em outubro o Congresso aprovou leis para tornar a promessa feita na Constituição uma realidade. Logo o sigilo de documentos sensíveis vai ser limitado a 25 anos, podendo ser renovado apenas uma vez. Aqueles ligados a abusos de direitos humanos terão que ser liberados imediatamente, e a maior parte do material terá que ser entregue dentro de 30 dias quando for requerido, a não ser que haja uma razão válida para a continuação do sigilo.
Em comparação com seus vizinhos, o Brasil tem sido lento em revisitar seus crimes da ditadura. O país manteve uma lei de anistia aprovada em 1979. A intenção era permitir que dissidentes exilados retornassem sem medo de acusações, mas depois acabou por servir para proteger criminosos de dentro do regime também. A Supremo Tribunal Federal confirmou essa interpretação no início deste ano, apesar da Corte Interamericana de Direitos Humanos achar que isso viola obrigações de tratados internacionais assinados pelo Brasil. O trabalho da Comissão pela Verdade não vai, portanto, levar a acusações.
Uma razão para o Brasil estar fazendo as coisas de forma diferente da de seus vizinhos, diz Eduardo González, do Centro Internacional para Justiça Transicional, um lobby em Nova York, é o fato de sua transição para democracia ter sido lenta e controlada. O regime não entrou em colapso depois de uma guerra desastrosa como o da Argentina, ou enfrentou ameaças internacionais de acusação como Augusto Pinochet no Chile. Ele é lembrado pelo controle do crescimento econômico. E apesar dos militares no Brasil terem matado uma estimativa de 400 pessoas, isso é em comparação a 2 mil-3 mil no Chile e 13 mil- 30 mil na Argentina.
Glenda Menzarobba, da Universidade de Campinas, atribui a relutância do Brasil a revisitar sua anistia às raízes da lei: ela foi primeiramente aprovada para proteger aqueles que lutaram contra o regime, e não os militares.
Uma consequência de deixar a história brasileira sem ser examinada é que a repressão continua até os dias de hoje, embora a violência seja agora negócio da polícia e não do Exército. “Não é por acaso que a polícia perpetua um padrão de violações dos direitos humanos como em uma ditadura militar”, diz Atila Roque, diretor da Anistia Internacional no Brasil. O aparato de segurança do Brasil foi construído por militares e desde então quase não foram feitas reformas. Todo ano a polícia do Rio de Janeiro mata cerca de mil civis, em grande maioria pobres e negros. Muitas vezes eles são acusados de ter resistido à ação policial – mesmo aqueles que levaram tiros pelas costas ou que mostram sinais de terem sido espancados. Muitos policiais participam de esquemas de proteção e matam todos que ficam no seu caminho, como a juíza Patrícia Acioli, que sentenciou cerca de 60 policiais que pertenciam a esquadrões de morte e milícias, e foi morta a tiros no dia 11 de agosto. Um policial foi preso sob suspeita de ter ordenado o ataque.
Tortura pela polícia raramente é punida e muitas vezes é aclamada como a única alternativa à anarquia. No dia 12 de novembro, brasileiros festejaram quando forças de segurança ocuparam a Rocinha, uma favela que antes era dominada por traficantes. Algumas plateias se levantam e aplaudem quando o policial das forças especiais da polícia e torturador no filme “Tropa de Elite” tortura suas vítimas. Ativistas de direitos humanos esperam que a Comissão da Verdade mude essa perspectiva. “Algumas coisas acontecem quando uma sociedade está pronta”, diz Roque. “Eu acho que estamos prontos.”
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