A repórter parece um pouco carente, a julgar pelo seu texto. Expressões como “meu encontro” fazem a reportagem lembrar um episódio de “Sex and the City”. Será que ele vai gostar do meu penteado?
O texto – cheio daquela pretensão “literária” típica do jornalismo gonzo – derrete-se por Nem, o traficante “alto, moreno e musculoso” (http://revistaepoca.globo.com/tempo/noticia/2011/11/meu-encontro-com-nem.html):
Temido e cortejado...
Muito ligado à mãe...
O cenário não podia ser mais inocente...
O céu estava estrelado...
Educado, tranquilo, me chamou de senhora, não falou palavrão e não comentou acusações que pesam contra ele...
Demorei a dormir...
Nem é citado de forma, no mínimo, “simpática”. Vejamos suas palavras, segundo a repórter:
A igreja não pode desistir nunca de recuperar alguém...
Ninguém vai acreditar em mim, mas não sou o bandido mais perigoso do Rio...
A sociedade tem razão em não suportar bandidos descendo armados do morro para assaltar no asfalto e depois voltar...
Leio a Bíblia sempre, pergunto a meus filhos todo dia se foram à escola, tento impedir garotos de entrar no crime, dou dinheiro para comida, aluguel, escola, para sumir daqui. Faço cultos na minha casa, chamo pastores. Mas não tenho ligação com nenhuma igreja. Minha ligação é com Deus...
Não uso droga, só bebo com os amigos...
Não negocio crack e proíbo trazer crack para a Rocinha. Porque isso destrói as pessoas, as famílias e a comunidade inteira...
Mando para a casa de recuperação na Cidade de Deus garotas prostitutas, meninos viciados. Para não cair na vida nem ficar doente com aids, essa meninada precisa ter família e futuro...
Nem é gente finíssima. Por que será que suas opiniões sobre política não surpreendem? Vejamos:
UPP... O Rio precisava de um projeto assim...
Beltrame... Um dos caras mais inteligentes que já vi. Se tivesse mais caras assim, tudo seria melhor...
Meu ídolo é o Lula. Adoro o Lula. Ele foi quem combateu o crime com mais sucesso...
Ficamos imaginando como seria o retrato de um nazista célebre seguindo o estilo gonzo do texto: “Simpático, surpreendente, defendeu os judeus e lamentou a falta de gentileza observada nos campos de concentração”. “Essa coisa de câmara de gás precisa acabar”. “Guerra? Eu gosto é de paz”. “Alto, loiro e musculoso”. E assim por diante.
Será que o tal Nem é tão mau assim? Porque, do que se apreende do texto, ele é legal pra caramba. Jornalistas como os da revista Época fazem carreira tratando bandidos como heróis e contribuintes e a “classe média” como burgueses alienados, fúteis e imbecilizados pela TV. Reverenciam assassinos com a mesma facilidade com que escrevem ironicamente sobre “pais de família”, “pastores evangélicos” e “a direita”. A opção dessa gente é clara: resta perguntar quem ainda gasta dinheiro com tal qualidade de papel higiênico.
Ou talvez estejamos todos errados... Ruins são os outros. Ruins somos nós. Nem para presidente.
Talvez “preocupada” com a repercussão de seu retrato camarada de Nem, o traficante do bem, a repórter publicou o seguinte comentário abaixo do próprio texto:
ruth de aquino
Caros leitores, em respeito a todos que entraram com elegância no debate, farei algumas obs. E serão as únicas. 1)o relato é tão verdadeiro quanto o meu nome e a minha vida como jornalista. 2) não há menção a crimes porque a revista já dá todo o histórico de acusações contra ele; de que adianta perguntar a um bandido se ele mandou matar, se ele diria 'não'?. 3) meu objetivo foi saber, frente a frente com o traficante mais procurado do Rio, o que ele pensava sobre os assuntos que abordei; esta é a novidade da reportagem. 4) a iniciativa foi totalmente minha; cubro segurança pública em profundidade; dirigi a Época no Rio; fui à Colômbia em 2007 e escrevi uma reportagem para a revista sobre a experiência deles no combate a traficantes, milicianos e guerrilheiros das Farc; subi em favelas de Medellín, entrevistei ex-chefes do tráfico que hoje dão palestras em escolas. 5) a quem me pergunta o que eu acho de Beltrame, uma boa dica é clicar no link que está acima em "saiba mais": "O homem que enfrenta os facínoras"; é um perfil que escrevi, resultante de meses de entrevistas; acompanho o trabalho de Beltrame desde que assumiu, e me orgulho de perceber que o Rio mudou e os traficantes presos não são tratados mais como troféus de guerra. 6)escrevi longa matéria sobre a urbanização da Rocinha antes das UPPs e conheço sua complexidade. 7) tive o cuidado de não emitir julgamento; apenas reportar o que disse Nem e relatar com honestidade o que senti ali, meus temores e surpresas. Abs
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