28/11/2011
O Congresso acaba de aprovar uma lei de combate ao tabagismo que, entre outras coisas, proíbe o fumo em locais fechados. A decisão não protege só os frequentadores eventuais de um restaurante, casa noturna ou bar, mas também os trabalhadores do setor, como garçons, atendentes e DJs. Até os fumantes saem ganhando, já que acabam fumando menos.
O projeto aprovado contém, no entanto, um sério retrocesso: permite a volta da publicidade de indústrias de cigarro em eventos culturais, sociais e esportivos, que havia sido proibida no fim dos anos 1990, durante o governo do presidente Fernando Henrique. Espera-se que a presidente Dilma vete esse dispositivo. Convém lembrar que, no início do governo Lula, houve Medida Provisória que suspendeu temporariamente essa proibição por causa da Fórmula-1.
Todos sabem que, como ministro da Saúde como governador de São Paulo, estou na origem das medidas que restringem seriamente o consumo de tabaco. Preconceito? Intolerância pessoal? Tentação de invadir direitos individuais? Não! Agi movido pela ética da responsabilidade. O que fiz em relação ao cigarro espelha o entendimento que tenho de políticas públicas; evidencia uma abordagem e uma estratégia.
Não venho da área de Saúde, como todos sabem. Quando decidi, no entanto, aceitar o convite do presidente Fernando Henrique para assumir o ministério da área, em 1998, tinha algumas convicções sobre esse setor, tão fundamental para a vida dos brasileiros. Considerava claro, por exemplo, que a demanda por atendimento de Saúde se expandiria numa velocidade superior à capacidade de milhões de pessoas de arcarem com o custo do serviço. Parecia-me evidente, também, que o modelo de atendimento ainda estava voltado principalmente para minorar os efeitos de doenças manifestas já em sua fase mais aguda. Sem prejuízo de melhorar esse serviço, entendi que era preciso ampliar e reforçar o que chamarei aqui de “Modelo 2”: ênfase na prevenção e nas doenças crônicas em suas etapas iniciais, o que, além de beneficiar os doentes, teria um impacto positivo, no médio e no longo prazos, nos custos do setor.
Pensava então, e penso ainda, que não faz sentido aguardar que o portador de diabetes ou de hipertensão, por exemplo, tenha seu quadro agravado para atendê-lo numa unidade de emergência. Dou um exemplo eloquente, emblemático, desse “Modelo2”: o programa de tratamento permanente dos portadores do vírus da Aids, que implantamos, além de salvar vidas (com qualidade), contribui para poupar recursos à medida que menos pessoas têm de ser atendidas pelo SUS em situações de emergência. O tratamento com os retrovirais impede que se chegue aessa situação. Ganha o doente, e ganha o sistema de Saúde.
Para fortalecer o “Modelo 2”, além do Programa de Saúde da Família, da expansão e barateamento dos medicamentos, dos mutirões de exames e de numerosos programas de prevenção de doenças, decidimos atacar de frente uma questão que permanecia, na prática, intocada: a do cigarro, um dos principais fatores de risco para as doenças crônicas e graves. Foi a primeira vez que se fez uma ofensiva desse tipo no Brasil, que, rapidamente, assumiu uma posição de vanguarda internacional na luta antitabagista. Ganhamos até prêmio da Organização Mundial da Saúde, recebido, diga-se, pelo então embaixador em Genebra do governo Fernando Henrique, Celso Amorim, depois ministro de Relações Exteriores de Lula e atual ministro da Defesa. Amorim se beneficiou pessoalmente de uma política pública, mas de modo virtuoso: largou o cachimbo…
Por que implicar com o cigarro? Além de conceder centenas de entrevistas a respeito, escrevi, na ocasião, alguns textos breves (Veja Cigarro a propaganda que faz mal, O cigarro e as pedras, Tabagismo: confissão mórbida publicados neste site). O cigarro é mortal. Eleva estupidamente o risco do desenvolvimento de câncer e de doenças pulmonares e cardíacas. Também responde, em grande medida, pela má qualidade de vida das pessoas de mais idade.
Acreditamos que era possível implantar políticas públicas para diminuir o consumo, pelo lado da demanda: proibir a propaganda, essencialmente enganosa e voltada para os jovens, associando o tabaco ao bem-estar, ao vigor físico, à virilidade e à boa aparência, tudo aquilo que o cigarro aniquila. Passou a ser obrigatório estampar nos maços fotos que retratam as doenças causadas pelo vício. Fizemos campanhas educativas no rádio e na TV. Trouxemos ao Brasil um americano que relatou, numa entrevista na TV, a dura morte de seu irmão, com câncer no pulmão. Esse irmão era ninguém menos do que o antes mundialmente famoso “cowboy do Marlboro”. Diga-se: antes de começar a ofensiva fizemos pesquisa e 86% das pessoas aprovaram a idéia.
O cigarro é um flagelo. Noventa por cento dos fumantes no Brasil adquiriram o vício entre os 5 e os 19 anos. A estratégia da indústria era e é a conquista desse público, não a manutenção do hábito adquirido pelos já fumantes. O motivo é simples: 70% dos que fumavam declaravam, há dez anos, que gostariam de largar o cigarro, mas não conseguiam. Esse percentual deve ser maior hoje. Há aspectos da dependência química em nicotina que chegam a ser piores do que a do álcool e de outras drogas.
No governo de São Paulo, decidimos enfrentar a questão do fumo involuntário. Instituímos a lei que proíbe o cigarro em lugares públicos fechados. A despeito das críticas infundadas — dizia-se, por exemplo, que essa medida causaria desemprego nos bares, restaurantes e casas noturnas — ou da torcida contrária da oposição, a lei pegou, pois a campanha foi bem organizada e a população apoiou e passou a cooperar na fiscalização. Tanto é assim que se espalhou por outros estados. Agora, o Congresso a torna nacional. Maravilha.
Quando ainda ministro, recebi em meu gabinete um homem educado, presidente de uma gigante do tabaco. Lembro-me da essência da nossa conversa:
— Obrigado por me receber, ministro. Eu queria expor-lhe o pensamento da nossa empresa. Achamos, se o senhor me permite dizer, exagerada a ofensiva do governo contra a indústria de cigarros.
— O senhor sabe que eu não tenho nada contra quem produz. Pelo contrário. O problema é seu produto. Nós não estamos proibindo ninguém de fumar. Mas, sim, mostrando às pessoas quais são os perigos desse hábito. Diga-me uma coisa: o senhor fuma?
— Fumo, sim. E estou bem, como pode ver. Tenho vida saudável. Jogo tênis.
— Cigarro parece que não faz mal até fazer mal. Tem filhos adolescentes?
— Tenho.
— Eles fumam?
— Não.
— E se lhe perguntarem se devem fumar, se lhe pedirem um conselho, o que diria?
— Não recomendaria.
— Mas recomenda o cigarro para os filhos dos outros?
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