Presidente da Petrobrás fala da expectativa com a nova metodologia de reajuste dos combustíveis no desempenho da estatal
02 de novembro de 2013 | 17h 58
Irany Tereza, Sabrina Valle e Wellington Bahnemann, de O Estado de S. Paulo
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RIO - O tom é tranquilo, mas firme. Em seu gabinete, na sede da Petrobrás, Graça Foster explica que a proposta de uma nova metodologia para reajuste da gasolina e diesel afasta do desempenho da empresa o peso de fatores fora de seu controle. Assim, a estatal poderia crescer ao ritmo que seu pesado plano de investimentos exige."Aí, se eu não der resultado, me demite. Tira a Graça porque não está performando. É muito mais previsível do que a gente ficar explicando, explicando o tempo todo."
Na sala repleta de orquídeas, relógio dos Beatles, réplicas de navios e plataformas, imagens de santos e orixás e a foto da presidente Dilma, ela mantém, enfileiradas atrás de sua mesa de trabalho, seis caixas. Cada uma etiquetada com o nome de uma diretoria da empresa. Todas abarrotadas de papéis.
Num gesto simples, ela define a sensação que experimentou ao receber a avaliação negativa da agência de classificação de risco Moody’s, que rebaixou a nota para o endividamento de longo prazo da empresa. "É como se eu tivesse um monte de estrelinha no peito e tiraram uma. Isso é muito ruim."
Evitando fixar datas, Graça disse que o mecanismo deverá aplicar o conceito de médias móveis para evitar o repasse da volatilidade aos consumidores. A seguir, a entrevista aoBroadcast, serviço em tempo real da Agência Estado.
Essa metodologia de preços é normalmente utilizada pelas empresas de petróleo?
Algumas empresas na China e na Colômbia adotam mecanismos como esse, mas não conheço. Existe a famosa conta-petróleo (colchão financeiro para absorver variações da cotação do petróleo, bancado pelo Tesouro), que não é o caso. Nossa metodologia mantém a premissa da Petrobrás de não repassar a volatilidade aos consumidores. Quando o conselho (de administração) apreciar, vamos explicar algo simples ao mercado.
Qual é a defasagem de preços?
Ontem (29/10), a defasagem era de 14,2% no diesel e 5,4% na gasolina, considerando o Brent (cotação de referência do petróleo) e o câmbio. Mas esses são valores médios, porque cada país vende a um determinado preço. Estivemos muito próximos da convergência dos preços em maio. Em 16 meses, tivemos quatro aumentos no diesel e dois na gasolina, 22% no diesel e 15,9% na gasolina. Em alguns momentos, estivemos muito perto da convergência perfeita e, durante alguns dias, o preço do diesel ficou mais caro do que lá fora.
A Petrobrás estuda a nova metodologia há mais de um ano. Se isso já estivesse valendo, quantos reajustes teriam ocorrido?
Isso dependeria das escolhas que fizéssemos. Podemos ter aumentos em X meses, Y meses e Z meses. Esse é um ponto que vai demandar um posicionamento do conselho. Tem a questão de valor mínimo e de teto. A partir de determinado valor, há uma correção de preços. É uma conta gráfica, e não uma conta-petróleo.
Circularam rumores de desconforto no Ministério da Fazenda com a divulgação disso na carta que acompanhou o balanço...
Nem sei disso. Li no jornal. A carta foi aprovada no conselho (de administração). Os conflitos maiores estão na companhia. São técnicos da área comercial que acham que tem de ser de um jeito, a gente acha que é de outro. Aí você leva para o conselho, que começa a fazer perguntas. Essa é a maior discussão.
Os números da Petrobrás sobre Libra ainda não saíram?
Os números do consórcio vão sair ao longo dos anos. Temos de calcular a taxa interna de retorno, que é mantida em segredo, fechada a mil chaves. Para isso, fazemos simulações e elaboramos diversos esquemas de desenvolvimento da produção, analisando, por exemplo, se vamos fazer unidades menores ou maiores, quantos poços vamos ter. Para nós, a taxa interna de retorno é mandatória.
Qual o objetivo da carta que a sra. enviou aos Ministérios das Minas e Energia e da Fazenda?
Essa carta faz parte de um script. Quando assinamos o contrato da cessão onerosa (o governo cede 5 bilhões de barris de petróleo à Petrobrás, que em troca entregará títulos da dívida pública), em setembro de 2010, estava escrito que, antes de declarar a comercialidade dos campos – o que não tem data –, temos de informar ao governo: estamos prontos para conversar sobre o contrato. A carta foi mandada no dia 10, com cópia para os dois ministérios. Sugerimos a criação de um grupo de trabalho. Já estamos prontos para conversar. Temos os dados e estamos seguros sobre o que temos na cessão onerosa.
Existe a possibilidade de se rediscutir o preço do barril usado na cessão onerosa e o porcentual de conteúdo local?
Está previsto no contrato como possível de se discutir esses pontos. Essa é a hora. Estamos prontos para colocar os dados para discutir. Os nossos números são muitos bons. A área de Libra é excepcional, e ainda temos mais 15,6 bilhões de reservas provadas, mais os 5 bilhões da cessão onerosa e mais os números do pré-sal concedido. Como estamos sob a influência de três tipos de marco regulatório (concessão, partilha e cessão onerosa), é muito importante que o governo apresente, no momento em que achar devido, os seus planos. Hoje já estamos trabalhando no plano estratégico até 2030. Por isso, é importante que tenhamos a visão do planejamento do governo para a companhia, para que possamos nos ver ali e planejar o futuro.
A área de Franco, pelo que se comenta, está muito próxima do tamanho de Libra (8-12 bilhões, segundo a ANP). E Franco é só uma das áreas da cessão onerosa. Se tiver 8 bilhões de barris, por exemplo, a Petrobrás explora até 5 bilhões? Como funciona?
O contrato é esse (5 bilhões de barris de óleo equivalente). Tudo além de cinco, se é cinco num campo, se a gente vai desenvolver aqui também, ali... Essa é uma das etapas mais importantes dessa discussão.
Seria mais viável focar em um campo apenas?
O que é mais razoável, mais adequado, para uma empresa de petróleo não necessariamente é para a União. Há que se olhar os dois lados e a palavra final é da União. O petróleo é dela, pertence a ela. Aquilo que é mais razoável para uma empresa de petróleo nem sempre é o mais adequado para a União. Por isso, é uma discussão importante e rica.
A Petrobrás pode devolver algumas áreas para a União?
Essa é a discussão que vamos fazer. Já estamos prontos. Em 2010, assinamos contrato, já estamos perto de 2014, está na hora de sentar para organizar, montar um cronograma de atividades, (avaliar) todos os itens que precisam ser discutidos, passo a passo, o timing para cada um e fazer um trabalho técnico e econômico.
Por exemplo, a capacidade da indústria e quanto será feito fora?
Exatamente. Hoje, tudo parece mais fácil, e é. Sempre fui defensora muito consciente e crítica do conteúdo local. Tanto pelo lado do excesso, quanto pelo lado que minimiza. Tem de fazer conta. A pior coisa que pode ter é colocar um barco no mar cheio de furo, uma boia com furo. Questionamento é importante. Números para mim são essenciais.
O primeiro prazo de declaração de comercialidade que vence na cessão onerosa é Franco?
Não quero adiantar, pois não vai trazer nenhuma vantagem para a Petrobrás essa discussão agora. Vou deixar essa discussão para o momento certo.
A produção este ano pode ficar abaixo da banda de 2%, que foi colocada para mais ou menos sobre a meta para o ano?
Vamos ficar no limite inferior, como disse em janeiro. Disse que tinha muito mais chance de ficar com menos 2%.
Mas vai ficar dentro da meta?
Com esforço, mas é possível.
E a partir do ano que vem aumenta?
Neste ano, não cai (mais). Fica ascendente, com as nove unidades (plataformas de produção) que entram.
A companhia tem 36% de alavancagem (dívida/patrimônio líquido), investimento muito alto a ser feito, desembolso imediato grande e um sinal de advertência das agências de risco. A Petrobrás corre o risco de chegar ao fim do ano perdendo degraus nessas classificadoras?
A gente trabalha muito forte para que não, desde sempre. Quando descemos de A para a posição de agora, dois níveis acima do nível de rebaixamento, com outlook negativo, isso incomodou profundamente. É como se eu tivesse um monte de estrelinha no peito e tiraram uma. É muito ruim. Ao mesmo tempo em que temos essa preocupação, temos um portfólio que exige investimentos pesados. Este trimestre tivemos R$ 23 bilhões de investimento com Ebitda (lucros antes de juros, impostos, depreciação e amortização) de R$ 15 bilhões. Isso não pode continuar. E com faturamento muito alto. O que significa isso? Ainda que tivéssemos esses aumentos (nos combustíveis) todos, ainda que o conselho de administração tenha estado alerta, tivemos um custo líquido de produto vendido muito alto também. Teve um lucro bruto muito baixo, a venda de ativos neste trimestre não foi relevante e a última linha (da demonstração financeira) ficou muito baixa. Trabalhamos para haver convergência de preços, e essa metodologia (a proposta de "gatilho" de reajustes apresentada pela diretoria ao conselho) vem para mostrar aos investidores e agências de risco que temos previsibilidade, e isso é importante. Preciso mostrar a eles a previsibilidade do caixa. Nossos ativos são bons, fartos, exigem investimento. Uma empresa que lá atrás, em 2002, 2003, 2004 – e não estou falando de governos, mas da empresa –, investia muito menos pode até suportar uma diferença maior ou menor das defasagens (entre preços de combustíveis domésticos e internacionais). Mas quando se investe o que a gente investe, precisa ter disciplina de capital. Preciso de convergência de preços para eu ser cobrada do resultado. Tenho de ser cobrada pela minha performance, exclusivamente.
A empresa espera que a nova metodologia contribua para essa classificação?
As agências vão ver a previsibilidade da companhia, quando chegar na convergência. E isso é fundamental, a partir da implantação da metodologia. Estamos reduzindo os custos. Programamos R$ 3,8 bi no ano e até setembro economizamos R$ 4,8 bi. É uma mudança de cultura! Não é cortar o cafezinho, o pão de queijo, a festa de Natal, isso não aceito. O que não pode é ter estoque (de produtos) desse tamanho. Temos os recursos, nossos ativos são bons, a demanda é sempre maior do que precisamos. Oferecem (o mercado internacional) muito mais crédito do que contratamos de dívida. Temos petróleo. Aí, olha no fim do trimestre, no fim do semestre. Se eu não dei resultado, me demite. Tira a Graça porque não está performando. É muito mais previsível do que ficar explicando o tempo todo.
Há possibilidade de redução de capacidade das quatro novas refinarias?
A PDVSA fez para nós uma proposta que não podia ser aceita. Nem falo quanto, de jeito nenhum. E aí a gente disse: não dá, não dá de jeito nenhum. Quando temos 100% de uma refinaria dizemos que na verdade temos um parque de refino. Ter a PDVSA conosco com 40% era o projeto. Mas, agora está pronto, já está com 82%.
Vai refinar óleo leve, do pré-sal?
Pode usar óleo leve. Com o mesmo hardware pode fazer uma adequação de refino e produzir a mesma gama de derivados. Esse detalhe, se pode ser do pré-sal, eu não sei. Pode produzir gasolina também. A gente tem intenção de fazer mais gasolina somente quando precisar e não temos gastado nem um centavo a mais com isso. Eu sou fã de biocombustíveis. Acho que tem de voltar o etanol. E acho que essa questão da previsibilidade (em relação aos preços da Petrobrás) vai ajudar também a indústria sucroalcooleira porque, à medida que houver maior previsibilidade de preço da gasolina, vai ter também de etanol. Quando começamos a comparar com o álcool do milho dos Estados Unidos, vemos que perdeu o passo porque não investiu em tecnologia. A gente acredita que um subproduto dessa metodologia, quando estiver plenamente definida, será trazer o álcool de volta.
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