ASHOT YEGHIAZARIAN
EMBAIXADOR DA REPÚBLICA DA ARMÊNIA NO BRASIL
BRASÍLIA (DF)
EMBAIXADOR DA REPÚBLICA DA ARMÊNIA NO BRASIL
BRASÍLIA (DF)
O Embaixador da Turquia no Brasil, o sr. Ersin Erçin, em seu artigo "Alegações armênias: distorcendo a verdade", publicado na Folha (Tendêndias/Debates, 17/4), nega o genocídio armênio e faz uma série de declarações que, no mínimo, não correspondem à mais simples realidade.
Segundo o embaixador, torna-se claro que num país belicoso, como foi o Império Otomano e sob sua determinação, era viável erradicar toda uma nação, exterminando mais de um milhão e meio de armênios que habitavam a sua pátria milenar. E tal comportamento o senhor embaixador atribui a confrontos entre alguns grupos armênios e turcos "que matavam uns aos outros...".
A liderança do império já havia perpetrado o bárbaro massacre de 300 mil armênios ainda no final do século 19, e outros tantos armênios foram forçosamente convertidos ao islamismo. No período do governo dos assim conhecidos "jovens turcos", em 1909, foi perpetrada a cruel chacina de 30 mil armênios só na cidade de Adana.
Porventura, pode-se insistir que, depois de tudo aquilo, as autoridades turcas estariam imbuídas de um súbito sentimento de tolerância já que, partindo "das premissas humanitárias", organizaram um enorme destacamento constituído de 30 mil integrantes, "Teshkilâti Mahsusa", que realizou a "limpeza", ou seja, exterminou todas as províncias armênias e, a fim de não enfrentar qualquer resistência, convocou para o alistamento militar mais de 200 mil jovens em idade militar e também adultos, que foram extintos nos quartéis turcos?
São inúmeras as provas sobre o genocídio perpetrado contra o povo armênio. Porém, visto que o próprio embaixador da Turquia aceita que um genocídio é "uma decisão categórica e sistemática de um governo visando a extinção de uma raça", mas nega o fato de as autoridades turcas o terem organizado, considero ser necessário citar aqui algumas declarações e manifestações feitas por parte das próprias autoridades conhecidas como "jovens turcos".
"Não pode existir qualquer questão de igualdade até não concluirmos o nosso objetivo de 'otomanizar' o império; uma questão que requer trabalho permanente", em discurso de Taleat Paxá, durante uma reunião secreta do Partido União e Progresso, realizada em Salônica, em 1910.
"A guerra proporcionou uma oportunidade singular para eliminar os armênios e acabar de vez com a questão armênia", de Taleat Paxá, ministro do Interior do Império Otomano, em 1915.
"A maior parte do dinheiro obtido por nós e pelo nosso comitê é oriunda dos bens dos armênios. Nossos emissários têm jurado que tudo o que eles saqueiam dos armênios é transferido ao nosso central", telegrama de Taleat Paxá ao representante de seu partido em Malátia, nos dias mais violentos do genocídio.
"Durante a guerra, lamentavelmente, nossos dirigentes superaram todos os bandidos mais sanguinários... Eles decidiram exterminar completamente os armênios e assim o fizeram. Tal decisão foi adotada pelo Comitê Central do Ittihad e foi executada pelo governo", de Mustafá Arif, ministro do Interior da Turquia, em 1918.
Surge a pergunta: por que aconteceu o genocídio contra o povo armênio? Suas causas políticas são nítidas e conhecidas: salvar ao menos parte do império que desmoronava e não conceder independência aos armênios. "Armênia sem os armênios" era a "senha" política dos criminosos.
Durante a Conferência das Nações realizada em Berlim em 1878, no artigo 61 do Tratado de Berlim o Império Otomano assumia formalmente, perante os Estados europeus, o dever de garantir a segurança dos armênios e de realizar melhoramentos nas "províncias armênias". Pouco antes do início da Primeira Guerra Mundial (1914-18), com base no acordo internacional, os armênios haviam obtido ampla autonomia dentro do Império Otomano, o que significa que qualquer usurpação contra os armênios nesse império seria condenável por si só.
Apesar disso, as autoridades otomanas optaram pela perpetração do maior crime do início do século 20, com o intuito de esquivar-se de suas obrigações internacionais, crime este que, ainda em 24 de maio de 1915, seria condenado de forma categórica por França, Reino Unido e Rússia como "ato criminoso contra a humanidade e a civilização", destacando especificamente "a culpa e o frequente apoio" das autoridades turco-otomanas pelo extermínio dos armênios e exigindo a punição de todos os culpados.
Logo, o genocídio de 1915 era tido pelos Estados como condenável e um crime injustificável. Não é por acaso que Raphael Lemkin, autor da terminologia "genocídio", tenha enfatizado que o contexto dessa palavra definida por ele ainda em 1933 estava fundamentado e baseado no genocídio perpetrado contra os armênios a partir de 1915.
Alegra-me ver, contudo, que nos últimos anos a opinião pública progressista turca tem deixado de lado a negação e ela própria condena, hoje, o nefasto crime perpetrado contra os armênios. Saliente-se, ademais, que nossos dois povos viveram, vivem e hão de continuar a viver lado a lado.
Espera-se que cedo ou tarde o governo da Turquia também renuncie da sua política de negação e que o embaixador turco no Brasil não seja mais obrigado a ocupar-se com a desnecessária deturpação dos fatos históricos.
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