sexta-feira, 20 de abril de 2012

Dupla de filósofos defende aborto de recém-nascidos



Ideia é que a morte de bebês é moralmente equiparável à que se pratica no útero materno. Por Fernanda Dias

20/04/2012 | Enviar | Imprimir | Comentários: 8 | A A A
Pensar em aborto após o nascimento do bebê parece uma ideia no mínimo confusa, mas a prática foi defendida por um artigo publicado no Journal of Medical Ethics (Jornal de Ética Médica), ligado ao grupo Jornal Médico Britânico (BMJ). O texto causou polêmica ao dizer que a morte do recém-nascido seria “moralmente equiparável” à que se pratica ainda no útero. Os autores, os doutores em Filosofia Alberto Giublini e Francesca Minerva, argumentam que é justificável a morte de um bebê que já ao nascer apresentar malformação ou doenças que acarretem situações de estresse para sua família.
Para eles, “nem os fetos nem os recém-nascidos podem ser considerados pessoas no sentido de que têm um direito moral à vida”. Giublini e Francesca defendem que o aborto pós-parto não deve ser considerado infanticídio, que, segundo eles, se produz contra crianças já consideradas pessoas. A classificação como eutanásia também é descartada já que “o que mais interessa à pessoa que morre não é necessariamente o principal critério”. Assim, na avaliação dos dois, o “aborto pós-nascimento” é legítimo e deveria ser permitido em qualquer caso, até quando o “recém-nascido tem potencial para uma vida saudável, mas põe em risco o bem-estar da família”. Ou se, embora não apresente doença qualquer, nasça no seio de uma família que não lhe assegurará boas condições de vida, sendo a morte considerada a melhor opção para o bebê.
A dupla ainda descarta a possibilidade de adoção justificando que a mãe que sofre pela morte da criança deve aceitar a irreversibilidade da perda, mas a mãe que entrega um filho para adoção sonha que ele vá voltar: “Isso torna difícil aceitar a realidade da perda porque não se sabe se ela é definitiva”, diz o texto.
O artigo causou tanta polêmica que o editor do jornal, Julian Savulescu, que também é diretor do Centro de Neuroética da Universidade de Oxfordafirmou que os autores receberam ameaças até de morte. Ele publicou um artigo defendendo a postura do jornal de publicar o texto dos filósofos e afirmando quecruéis foram as cartas enviadas por diversas pessoas ao jornal: “O que é preocupante não são os argumentos apresentados neste artigo, nem a sua publicação em uma revista ética. São as hostis, abusivas e ameaçadoras respostas que suscitaram. Mais do que nunca, a discussão acadêmica adequada e a liberdade estão sob ameaça de fanáticos opostos aos valores próprios de uma sociedade liberal”.
Segundo ele, os argumentos apresentados não são, em grande parte, novos e têm sido repetidamente expostos na literatura acadêmica e em fóruns públicos por filósofos e bioeticistas de renome, como Peter Singer, Tooley Michael e John Harris: “A nova contribuição deste trabalho não é um argumento a favor do infanticídio – o papel repete os argumentos apresentados pelos famosos Tooley e Singer – mas sim a sua aplicação em consideração dos interesses maternos e da família”.
Ele ressaltou ainda que o objetivo do Jornal de Ética Médica não é apresentar a verdade ou promover algum ponto de vista moral e sim apresentar um argumento bem fundamentado: “Os autores afirmam provocativamente que não há diferença moral entre um feto e um recém-nascido. As suas capacidades são relevantemente semelhantes. Se o aborto é permitido, o infanticídio deve ser permitido. Os autores procedem logicamente a partir de premissas que muitas pessoas aceitam e chegam a conclusões que muitas dessas pessoas rejeitam”.
Há quem acredite que o artigo, na verdade, não busca defender o aborto, mas sim chocar a população e levá-la a rejeitar a prática com base numa comparação radical. Para Maurílio Castro de Matos, autor do livro “A criminalização do aborto em questão” e professor da Faculdade de Serviço Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), a publicação de artigos como esse pode dificultar o andamento do debate em torno da descriminalização do aborto, já que abrange os casos em que ele seria permitido. “Entendo que o artigo em nada contribuiu para a necessária legalização do aborto. Ele mais confunde do que informa a população”, afirma o professor.
Segundo Maurílio, no entendimento ético de especialistas, em geral, feto e recém-nascido são distintos, pois a gravidez é um processo. Ele ressalta, por exemplo, que a Organização Mundial de Saúde e a Federação Internacional de Ginecologia e Obstetrícia definem que a gestação que termina até a 22ª semana, quando o peso do feto gira em torno de 500 gramas, é um aborto. Já a gestação que se encerra após a 23ª semana é considerada um nascimento prematuro.
No último dia 12, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que no Brasil não é mais crime o aborto de fetos anencéfalos (com má-formação do cérebro e do córtex – o que leva o bebê à morte logo após o parto). Já era permitida a interrupção da gestação em casos de estupro ou claro risco à vida da mulher. Todas as demais formas de aborto continuam sendo crime, com punição prevista no Código Penal.
“A anencefalia é diagnosticada no processo de pré-natal da gestante por meio de exames. Quando a descobre, a mulher pode ter tanto a reação de querer seguir com a gestação como de interrompê-la. Nada a pressiona à interrupção: ela pode continuar a gestação mesmo sabendo que não terá o filho que anteriormente imaginava que teria. Contudo, para aquelas que vivem tal quadro como um sofrimento, a resolução do STF contribui para a melhoria das suas condições de vida”, afirma Maurílio.
Já a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) lamentou a decisão. Em nota, os bispos afirmam que “legalizar o aborto de fetos com anencefalia, erroneamente diagnosticados como mortos cerebrais, é descartar um ser humano frágil e indefeso”.
Caro leitor:
Você acredita que os filósofos realmente defendem o aborto de recém-nascidos ou apenas querem chocar a população?

Nenhum comentário:

Postar um comentário