A Polícia Federal chegou foi tarde a Eduardo Rodrigues e Marcelo Valle Silveira Mello, que mantinham um site que reunia o incitamento a todo tipo de delinquência que se possa imaginar: violência contra judeus, negros, homossexuais e mulheres; apologia da pedofilia; defesa do estupro e vai por aí. Também pretendiam emprestar aos crimes que estimulavam certo viés ideológico, dizendo-se antiesquerdistas. Teriam até um plano para matar estudantes da UnB. É tal a salada de “causas” que o mais provável é que não passem de dois delinquentes intelectuais e morais sem vínculo com um grupo organizado. E daí? Outros ainda mais idiotas do que eles próprios, movidos por patologias e rancores os mais variados, poderiam tomar o que escreviam como um estímulo para seus crimes. A polícia investiga a hipótese de que tenham mantido contato com Wellington Menezes de Oliveira, o rapaz que matou 12 crianças numa escola em Realengo, no Rio.
Por que digo que chegou tarde? Faz tempo que denúncias contra esses vagabundos pipocam nas redes sociais. Talvez eles se divertissem com o “sucesso” do seu empreendimento. A Internet, infelizmente, tem este lado perverso: qualquer imbecil pode pôr uma página no ar — quase sempre hospedada no exterior (a deles está na Malásia) —, afirmar as maiores barbaridades e depois se divertir ou com a reação de indignação das pessoas decentes ou com a adesão de outros delinquentes e depravados.
O Estado ainda precisa se aparelhar para tratar desse tipo de crime. Alega-se falta de legislação específica. Será mesmo? A apologia do crime é… crime! Não há uma só prática defendida pela dupla em seu site que não seja criminosa. Logo… É evidente, no entanto, que a coisa escorrega para uma zona cinzenta, que pode evocar as garantias constitucionais à liberdade de expressão.
Pois é… Sou, como costumo dizer, aborrecidamente legalista. Quando o STF, com um voto que ganhou ares verdadeiramente condoreiros do ministro Celso de Mello (e gosto muito dele, deixo claro!), considerou constitucional as tais “marchas da maconha” — tudo em nome da “liberdade de expressão” —, indaguei aqui se aquilo, afinal, não era apologia da droga, incorrendo num crime previsto no Código Penal. Mas prevaleceu a seguinte síntese: é permitido defender a legalização da maconha, mas não consumir a droga durante a passeata. O norte conceitual, pois, é este: fazer a defesa teórica de uma prática considerada crime não pode ser considerado, em si, crime porque o ato está protegido pela liberdade de expressão.
Vejam como é preciso tomar cuidado com certas considerações, não é? E agora? E no caso desses dois marginais? Estariam eles abrigados pela liberdade de expressão, uma vez que não está caracterizado, até agora ao menos, que praticaram os crimes que defendem e incitam por meio de palavras? PARECE-ME ABSOLUTAMENTE CLARO QUE NÃO!!! A liberdade de expressão não é um valor absoluto! Critiquei aqui com azedume, certa feita, o Estadão porque publicou um artigo de Vladimir Safatle que lançava um olhar compreensivo para o terrorismo. Ataquei um jornal de ética médica inglês que publicou um artigo defendendo o infanticídio. Muitos objetaram: “Num jornal científico, num debate científico, tudo bem!” Pois é… Eu acho que não está tudo bem, não! Quais são os valores que não aceitamos negociar nem com a liberdade de expressão? Existem? Eu acho que sim!
Não estou comparando, antes que os cretinos se assanhem, a apologia do uso da maconha com a defesa daqueles outros crimes, feita pelos dois presos. Estou lançando uma outra questão: o que distingue a liberdade de expressão da apologia do crime? Uma coisa é certa: os totalitários (de extrema direita ou de extrema esquerda), os idiotas, os pervertidos e os vigaristas perceberam que é muito fácil usar os fundamentos do estado democrático e de direito para solapar os fundamentos do estado democrático e de direito.
O debate é longo, é complexo. Não são criminosas apenas as práticas que nós, pessoalmente, consideramos criminosas. É preciso ter um princípio organizador das decisões. O meu é relativamente simples. O que fazer com o sujeito que põe no ar uma página que defende abertamente uma prática caracterizada como criminosa, seja ela qual for? Acho que tem de ser processado pelo estado, e sua página, bloqueada.
Alguém ainda poderia objetar: “Mas os crimes são diferentes, Reinaldo; têm gravidades distintas”. Eu sei. Isso é regulado e arbitrado pela aplicação das penas. O que acho inaceitável é que se condescenda com o “crime menor” em nome da tolerância. Porque, adiante, sempre poderá haver alguém ainda mais “tolerante”. A aplicação da lei não deve ser uma questão de gosto, não é?
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