Além de abrir feridas, a Comissão Nacional da Verdade divide personagens em dois grandes grupos antagônicos. Por Cláudio Carneiro
Esta semana, procuradores da República fazem a primeira reunião conjunta para definir uma estratégia para tornar viáveis as investigações de crimes e violações de direitos humanos praticados no país durante o regime militar. O procedimento investigatório atende a sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos que condenou o Brasil por violações ocorridas na guerrilha do Araguaia. O tema é polêmico e, certamente, esse procedimento de investigação será muito doloroso.
Mais que isso. Além de abrir feridas, a Comissão Nacional da Verdade divide – a exemplo do que aconteceu naqueles anos de chumbo a partir de 1º de abril de 1964 – personagens em dois grandes grupos antagônicos. Se de um lado estão aqueles – agora septuagenários – chamados de torturadores, do outro ressurgem aqueles que a ditadura chamava de subversivos – sejam vivos, mortos, desaparecidos, torturados ou guerrilheiros. Esta comissão teve a supervisão da presidente Dilma Rousseff, presa e torturada pelo regime militar.
Longe de ficar-se de um lado ou de outro desta questão é preciso antes de tudo avaliar a atuação do ministro da Defesa, o diplomata Celso Amorim, que tem o estranho hábito de deixar de lado os princípios da diplomacia quando lhe pisam nos calos. O destempero do ministro quando os militares criticaram o Governo pela iniciativa de remover, uma vez mais, o pó sob o tapete foi a senha que deixou a caserna em polvorosa a ponto de criar o texto “Eles que venham, aqui não passarão”. Os oficiais da reserva entendiam que Dilma Rousseff deveria proibir Eleonora Menicucci (ministra da Secretaria de Políticas para as Mulheres) e Maria do Rosário (ministra da Secretaria de Direitos Humanos) de fazer manifestações sobre crimes políticos ocorridos durante o regime militar. Alguns militares lembram até que os crimes foram cometidos pelos dois lados protagonistas. Embora seja justo destacar que nesse aspecto os fardados ganharam de goleada.
A carta-aberta dos clubes militares ganhou força quando Celso Amorim anunciou punições. Passaram de 1.400 os militares – generais, coronéis, majores, sargentos – que decidiram pela insubordinação à presidente da República e ao ministro da Defesa. Diante da crise criada pelo diplomata, o governo optou pela via mais fácil: Convocou os comandantes e tentou botar panos quentes na lenha da fogueira – sugerindo a punição mais branda possível: a simples advertência. Celso Amorim, é bom lembrar, foi o ministro das Relações Exteriores que conduziu de maneira desastrosa o conflito diplomático com Honduras ao abrigar na embaixada brasileira o ex-presidente Manuel Zelaya – que tentara um golpe de estado para instaurar sua própria ditadura.
Um pepino que virou abacaxi e vice-versa
Sancionada pelo então presidente João Batista Figueiredo quando Petrônio Portella era ministro da Justiça, a Lei nº 6.683/79 anistiava todos aqueles que – entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979 – tivessem cometido crimes políticos, eleitorais ou que tiveram seus direitos políticos suspensos ou ainda punidos com fundamento em Atos Institucionais e Complementares. A lei não abria suas asas sobre os condenados por terrorismo, assalto, sequestro e atentado pessoal.
A OAB entrou com uma ação no STF (Supremo Tribunal Federal) pedindo que homicidas, torturadores e responsáveis por desaparecimentos fossem punidos. Mesmo tendo sido preso e torturado nas dependências do DOI-Codi paulista durante a ditadura, o ministro Eros Grau vota contra modificações na lei da Anistia. Para ele vale o escrito em emenda à Constituição de 1988. Cabe dizer que o ex-deputado federal Fernando Gabeira – mesmo sem o saber – transformou esta matéria em artigo ao não responder às perguntas a ele enviadas. Protagonista da história recente do país, ele já atendeu ao Opinião e Notícia em outras ocasiões. Essa discussão é mesmo um grande abacaxi – ou seria um pepino?
Em “O Leitor” – adaptação do romance de Bernhard Schiller – Kate Winslet interpreta uma burocrata que trabalhava nas hostes do nazismo. Anos depois, ela vai responder por sua responsabilidade ética no processo e defende que, sim, sabia das atrocidades cometidas pela “turminha do Adolfo” mas que precisava trabalhar e sobreviver num país sem emprego, com poucas oportunidades para mulheres – sobretudo analfabetas. A personagem defendeu a tese de que a Alemanha nazista – que ela talvez abominasse – era um estado organizado, como governo, exército etc. Se o leitor se apiedou do rostinho triste da atriz que conquistou o mundo ao lado de Di Capprio em “Titanic”, cabe um lembrete: este é o mesmo argumento da caserna.
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