terça-feira, 22 de janeiro de 2013

São, São Paulo, quanta dor



(*) Marli Gonçalves –
Mãos ao alto! São Paulo faz aniversário e, se bobear, roubam até o bolo e usam a cereja para balear alguém. Precisamos parar para falar disso, dessa violência insana que inunda a cidade mais do que as enchentes, buscar algumas soluções antes que seja tarde demais e a gente nem consiga mais atravessar a Avenida São João com nossa deselegância discreta. Só com armaduras e lanças
Stop! Pare, agora! Senhor juiz! Todo dia, todo santo dia, estamos vendo, ouvindo, sabendo ou sentindo na pele alguma violência desmedida, que não pode mais ser explicada só por diferenças sociais, patatipatatá, blábláblá-blábláblá, patéticas e emboladas teses teóricas. Bala para todos os lados, tiros para todos os cantos, gente e ratos saindo de bueiros, maltrapilhos de marca. Já não só roubam ou assaltam mais – estão deixando suas marcas de Zorro, como que contando crimes para um curriculum que entregam para as facções. Quanto mais malvados, mais respeitados no mundo do crime que ganha espaço em cima do nosso mundo.
Fora a loucura generalizada, passional, irracional, estressada e violenta.
Não é por menos que uma semana antes de seu aniversário São Paulo conheça uma pesquisa onde mais da metade dos entrevistados diga que está querendo dar no pé; e 91% (91%!) relatem a sensação de insegurança. Ela, a insegurança; ele, o medo. O ar que respiramos está ofegante; nossos olhos esbugalhados.
Pouco importa, ao que parece, não reagir. Pouco importa não dar sorte ao azar, e as pessoas já estão deixando de sair à noite. Estamos falando de uma violência geral, sem eira nem beira, e nem só vinda de criminosos contumazes. Não reaja a provocações, olhares feios, empurrões. Não reclame dos serviços, do troco, não pise no pé de ninguém, não soluce, não tropece. Não cobre seus direitos. Abaixe os olhos, fique calmo, não faça movimentos bruscos. Não solte pum. Não deixe facas por perto.
A cidade de 11 milhões de habitantes, rica, rica, está sitiada. Do que adianta termos – veja só, alguns números – 38% das 100 maiores empresas privadas de capital nacional, 63% dos grupos internacionais instalados no Brasil, 17 dos 20 maiores bancos, 8 das 10 maiores corretoras de valores, 31 das 50 maiores seguradoras, aproximadamente 100 das 200 empresas de tecnologias?
Do que adianta termos – se não podemos mais nem comer em paz, sem sermos arrastados – 12.500 restaurantes, 52 tipos de cozinhas, 15 mil bares, 3.200 padarias, 500 churrascarias, 250 restaurantes japoneses, 1.500 pizzarias? (1 milhão de pizzas por dia, 720 por minuto). 160 teatros, 110 museus, 40 centros culturais, 64 parques e áreas verdes, 240 mil lojas, 79 shoppings? Tudo é grande, numeroso, espetaculoso, portentoso.
E perigoso! Daí, talvez, São Paulo ter duas mil opções de delivery! Os dados são da SPTuris, a empresa estatal de turismo.
Há muitos anos assisti a um filme com o Kurt Russell (hoje passa toda hora na tevê), o Fuga de Los Angeles, que mostrava um mundo totalmente degenerado. Fui relembrar – aliás, lembrei dele porque precisei ir ao centro da cidade essa semana e senti o que é insegurança total; atarracada com a bolsa, apavorada a cada criança por perto – e parecem todas muito “manos”, com bonés iguais, linguagem igual, olhar agressivo igual, atitude suspeita igual. Fiquei chocada com a atualidade dos fatos do filme, de 1996, categoria ficção científica, vejam só: os fatos se passavam em 2013, como John Carpenter imaginava que seria o ano que já chegou.
É mais que violência, 10 minutos de crimes no Jornal Nacional, caras de espanto, e choros sobre sangue derramado. É mais do que esperar do governador zonzo alguma atitude, já que os policiais também vêm revidando com a morte.
É cultura que está se criando. A do pouco importa, a vida sem valor. Não é mais a lei do mais forte: é a lei do mais armado.
É política. Se continuar assim haverá uma tomada de poder, de espaços – são os novos e terríveis guerrilheiros urbanos, sem pai, nem mãe, e sem ideologia; será o fracasso total das leis, o pega para capar,o vire-se como puder.
Seria bom se aproveitássemos essa data querida para uma reflexão. E que comece pelo passado.
Onde erramos?
São Paulo, 459º ano, 2013
(*) Marli Gonçalves é jornalista – Do tempo que valores não eram carregados em carro-forte. E quando Tom Zé achava que eles se agrediam cortesmente.
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