15 de janeiro de 2013, em Análise, Conflitos em andamento, Geopolítica, Operações Militares, Relações Internacionais, por Nicholle Murmel
O Mali enfrenta uma de suas mais graves crises desde que o país africano se tornou independente da França, em 1960.
Após um pedido do governo malinês, a França enviou tropas ao país, para conter o avanço de rebeldes fundamentalistas islâmicos.
Em abril de 2012, militantes, muitos dos quais ligados à rede Al-Qaeda, assumiram o controle de vastas áreas no norte do país.
Entre outras restrições, os rebeldes proibiram todo tipo de música, considerando cantar ou tocar qualquer tipo de música não-islâmica um crime, bloquearam sinais de rádio e confiscaram telefones celulares, substituindo toques de música por versos do Alcorão.
O Exército havia assumido o controle do país, através de um golpe, no mês anterior. Na ocasião, os líderes do golpe acusaram o governo recém-eleito de ser frouxo com os militantes islâmicos. Nesse meio tempo, se aproveitando da distração dos militares, os rebeldes fizeram rápidos avanços na sua investida.
Após um acordo intermediado pelo bloco regional da África Ocidental Ecowas, o governo civil foi restaurado no sul do país. O líder do Parlamento tomou posse como presidente interino, mesmo assim a junta militar ainda exerce grande influência no governo e a incerteza política no país permanece.
O Mali, um país no oeste africano sem acesso ao mar, é uma das nações mais pobres do mundo.
Acompanhe a seguir um guia sobre quem são os principais protagonistas do conflito do Mali.
O presidente interino
Dioncounda Traoré, de 70 anos, há muito tinha ambições presidenciais, mas ele esperava chegar ao poder por meio das eleições marcadas para abril de 2012.
Ele completou sua educação superior na antiga União Soviética, na Argélia e na França, onde obteve um doutorado em matemática.
Traoré regressou ao Mali para dar aulas em uma universidade, antes de se envolver com a política.
Ele foi membro-fundador do partido político Aliança para a Democracia no Mali, em 1990. Entre 1992 e 1997, foi ministro das pastas de Defesa e Relações Exteriores.
Em 2007, foi eleito presidente da Assembleia Nacional Malinesa.
Ele foi um aliado do presidente deposto Amadou Toumani Touré, que se tornou extremamente impopular.
Por conta disso, muitos malineses veem Traoré com desconfiança.
A situação se agravou em maio de 2012, quando golpistas atacaram Traoré em seu escritório, obrigando-o a buscar tratamento médico na França.
Quando os rebeldes fundamentalistas islâmicos lançaram uma nova ofensiva, entrando na cidade de Konna, no centro do país, o presidente interino recorreu à França, o antigo poder colonial, para obter ajuda militar.
Ele declarou estado de emergência no país, argumentando que os rebeldes queriam ampliar suas ”atividades criminais” por todo o país.
O líder golpista
O golpe de março de 2012 parece ter sido um movimento espontâneo, nascido de um motim na base militar de Kati, a cerca de 10 km do palácio presidencial em Bamako.
Ele foi liderado por um oficial de média patente, o capitão Amadou Sanogo, um dos poucos oficiais que não fugiram da base de Kati quando os soldados iniciaram a revolta e se dirigiram à sede do governo.
O militar, que está na faixa dos 30 anos, é de Segou, a segunda maior cidade do Mali, há cerca de 240km da capital do país, Bamako, onde seu pai trabalhou como enfermeiro de um hospital.
O jornalista Martin Vogl descreve Sanogo como um homem vigoroso, confiante e carismático.
O capitão passou toda sua vida profissional no Exército e recebeu parte de seu treinamento nos Estados Unidos, inclusive treinamento de inteligência.
Sanogo já insinuou que poderá exercer um papel no futuro político do Mali, apesar de formalmente ter entregue o poder.
Os rebeldes
O Movimento Nacional pela Libertação de Azawad (MNLA) e o grupo islâmico Ansar Dine são os dois principais grupos envolvidos na tomada de poder no norte do Mali – uma área do tamanho da França.
Outros pequenos grupos também estão participando dos combates, como o Movimento pela Unidade e Jihad no Oeste da Áfric (Mujao).
Apesar de terem objetivos distintos, o MNLA e o Ansar Dine juntaram suas forças para realizar combates conjuntos, entre eles um que resultou na captura de Timbuktu, mas existem séries tensões entre os dois grupos rebeldes, que já chegaram a se enfrentar.
O MNLA quer a independência da sua terra natal tuaregue, no norte do Mali, chamada de Azawad.
Entre os oficiais do grupo rebelde estão tuaregues malineses que, quando no exílio na Líbia, combateram ao lado das forças do coronel Muammar Khadafi quando este teve que enfrentar uma revolta popular contra o seu governo.
Após a derrubada de Khadafi, eles regressaram ao Mali, bem treinados e trazendo armamentos pesados.
Mas são os guerrilheiros islâmicos do Ansar Dine e do Mujao que agora controlam três das principais cidades da região, Timbuktu, Gao e Kidal.
Os grupos têm conexões com a facção da Al-Qaeda no norte da África, conhecida como Al-Qaeda no Magrebe Islâmico, cuja especialidade é sequestrar ocidentais em troca de resgates.
O Ansar Dine diz não lutar pela independência e quer manter a integridade territorial do Mali. Mas o grupo quer introduzir a lei islâmica – conhecida como sharia – em todo o país.
Ansar Dine e Mujao seguem a vertente wahabista do Islã, a mesma variante adotada pela milícia Talebã, enquanto que a maior parte dos muçulmanos do Mali segue o islamismo sufi.
Os dois grupos tentaram impor sua versão do Islã destruindo templos sufi, que eles afirmam promover a idolatria, na cidade de Timbuktu, que é um Patrimônio Mundial da Humanidade.
Isso fez com que eles se tornassem extremamente impopulares entre muçulmanos sufi. A ONU diz que a destruição de templos pode representar um crime de guerra.
De acordo com o analista Andy Morgan, os combatentes islâmicos são bem mais ricos que o MNLA, em parte graças ao dinheiro obtido como resgate na troca por ocidentais sequestrados e pelo tráfico de cocaína, haxixe e cigarros.
França
O presidente francês, François Hollande, enviou tropas ao Mali apesar de dizer que a França não quer mais interferir em assuntos de suas ex-colônias africanas.
Em dezembro do ano passado, a França rejeitou um pedido do presidente da República Centro-Africana, François Bozize, para que fossem enviadas tropas para ajudar a conter o avanço rebelde rumo à capital, Bangui.
Na ocasião, o líder francês afirmou: “Esses dias acabaram”. Mas poucas semanas depois, a França interveio no Mali, enviando tropas para a capital, Bamako, e atacando posições rebeldes.
A França entrou no conflito porque a ameaça no Mali parte de militantes islâmicos, não de rebeldes seculares.
E a intervenção se deu após o Ansar Dine ter encerrado uma trégua que estava em vigor desde o ano passado, quando seus combatentes avançaram rumo ao sul do país, entrando na estratégica cidade de Konna, em 10 de janeiro.
O governo francês temia que os rebeldes marchassem até Bamako, transformando o Mali no que Hollande chamou de ”um Estado terrorista” que poderia ameaçar o restante da África e da Europa.
Países vizinhos
Atualmente comandado pelo presidente da Costa do Marfim, Alassane Ouattara, a Comunidade Econômica dos Estados do Oeste Africano (Ecowas, na sigla em inglês), bloco formado por países da África Ocidental, vem pedindo a intervenção militar no Mali desde que os rebeldes capturaram o norte do país, em abril de 2012.
Mas o Conselho de Segurança da ONU adiou a aprovação da missão, levantando dúvidas sobre se a força regional estava preparada adequadamente para intervir.
A Ecowas diz que pretende mandar suas tropas ao Mali dentro de poucos dias.
O efetivo do bloco no país deverá ser de 3 mil homens.
Com a aprovação da Ecowas, Burkina Faso vem mediando negociações entre os rebeldes e o governo do Mali.
Mas as conversações falharam após o avanço rebelde em Konna.
FONTE: BBC Brasil
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