Cuidado, leitor!
Caso você esteja na contingência de ter de apelar a algum remédio para salvar a vida de seu pai, de seu filho, de algum ente querido, certifique-se de que não haja um “defensor público” no seu encalço, tentando mandá-lo para a cadeia. Do que falo? Antes, uma consideração prévia.
Sinceramente, eu detesto escrever determinados textos. Chega a me dar o famoso “bode”, um misto de indignação e nojo, mas aí lembro que me auto-outorguei não uma missão (que missionário não sou!), mas uma tarefa: denunciar a crueldade, especialmente quando ela enverga as vestes da defesa dos direitos humanos. “E por que essa questão em particular, Reinaldo?” Porque ela tem um alcance geral: foi em defesa “do homem”, de um suposto “homem emancipado do reino da necessidade”, que se cometeram as maiores brutalidades da história. Denunciar o falso humanista é um ato em favor da civilidade e da civilização.
É o que me ocorre lendo um impressionante material que me foi enviado por um leitor. Ele participa de uma grupo de debates do Yahoo intitulado “Fórum Permanente de Acompanhamento da Políticas Públicas para a População em Situação de Rua de São Paulo.” Certamente é gente boa, tanto é que está indignado também. Mas o nome do fórum é complicado. “População em situação de rua” é expressão que enfurece o meu apreço pela linguagem e pelos fatos. Trata-se de uma tentativa, feita pelos bacanas “que NÃO estão em situação de rua”, de transformar pobres-coitados que nada têm numa categoria sociológica e, acreditem!, até política. Já há até movimentos nacionais (no plural; há mais de um!) de “populações em situação de rua”. A pergunta óbvia e sem resposta é esta: quem consegue organizar uma espécie de sindicato nacional dessa natureza não sai da rua por quê? Mas sigamos.
Participa desse fórum um defensor público de São Paulo chamado Carlos Weis. É um conhecido deste blog. Há aqui uma série de posts que resume a sua atuação na Defensoria Pública. Ele foi um dos líderes da resistência à retomada da Cracolândia, em São Paulo, pelo estado de direito. O artigo mais eloquente, publicado no dia 12 de janeiro do ano passado tinha o seguinte título:“Exploração dos desgraçados – Defensores cercam rua, armam tenda e tentam, na prática, recriar a cracolândia com um grupo de viciados, que estão consumindo crack; uma das defensoras levava no bolso convite para churrasco no local”. O líder da manifestação era… Carlos Weis!
A indignidade
O CRATOD é o Centro de Referência de Álcool, Tabaco e Outras Drogas do Estado de São Paulo. É a entidade que deve ser inicialmente acionada para a internação involuntária de viciados em crack. Ali, como informo no post anterior, conjugam-se vários atendimentos: médico, jurídico e psicológico. Tudo devidamente acompanhado pelo Ministério Público. Desde o começo, a Defensoria Pública de São Paulo, sabe-se lá movida por qual ideologia ou saber específico, se opôs à retomada da Cracolândia e ao programa que, entendo — e entende a maioria dos especialistas —, tenta devolver à vida aqueles que dela já se despediram.
O CRATOD é o Centro de Referência de Álcool, Tabaco e Outras Drogas do Estado de São Paulo. É a entidade que deve ser inicialmente acionada para a internação involuntária de viciados em crack. Ali, como informo no post anterior, conjugam-se vários atendimentos: médico, jurídico e psicológico. Tudo devidamente acompanhado pelo Ministério Público. Desde o começo, a Defensoria Pública de São Paulo, sabe-se lá movida por qual ideologia ou saber específico, se opôs à retomada da Cracolândia e ao programa que, entendo — e entende a maioria dos especialistas —, tenta devolver à vida aqueles que dela já se despediram.
A droga não destrói apenas o viciado. Também causa severos traumas nas pessoas que com ele convivem. Como alertou em artigo no Globo, publicado no dia 26, o psiquiatra Rodrigo Godoy Fonseca, antes que o viciado em crack vá morar na rua, há um longo calvário de sofrimento seu e da família. Vale dizer: os que mantêm relações afetivas com ele são também vítimas; eu diria que também essas pessoas, em certo sentido, estão psiquicamente doentes, tal é seu sofrimento.
Comentei aqui a abordagem indigna que uma repórter fez da ação de uma senhora que foi buscar seu pai na Cracolândia, onde só a morte o esperava. O homem já vinha de períodos de abstinência e recaída na droga. Ela tentou convencê-lo a acompanhá-la até o CRATOD. Ele não quis. Então esta mulher corajosa contou que deu ao pai um comprimido de Lexotan. Ele se acalmou, e ela pôde, então, conduzi-lo para o tratamento. Título da indignidade publicada em jornal: “Filha dopa pai para tentar internação compulsória em SP”. Era evidente a tentativa do texto de demonizar a mulher.
E Carlos Weis com isso?
No tal fórum do Yahoo, ele vai lá, como diz, “prestar contas”, como se fosse aquele o ambiente adequado. Demonstra, basta atentar para o sentido das palavras, que não é mesmo admirador do programa que está em curso em São Paulo, mas vá lá, admite que a Defensoria acompanha o trabalho. Muito bem.
Weis reconhece que ninguém está sendo levado “à força” para o CRATOD. E cita como um espécie de exceção aquela pobre senhora que deu um Lexotan a seu pai para, na prática, livrá-lo da morte. Sabem o que quer este homem generoso, amante do povo, da bondade e da Justiça? Que ela seja processada com base no Artigo 148 do Código Penal. Weis quer que aquela mulher corra o risco de ficar até CINCO ANOS NA CADEIA. Transcrevo trecho do Artigo 148, que ele evoca:
Art. 148 – Privar alguém de sua liberdade, mediante sequestro ou cárcere privado:
Pena – reclusão, de um a três anos.
§ 1º – A pena é de reclusão, de dois a cinco anos:
I – se a vítima é ascendente, descendente ou cônjuge do agente;
I – se a vítima é ascendente, descendente, cônjuge do agente ou maior de 60 (sessenta) anos. (Redação dada pela Lei nº 10.741, de 2003)
I – se a vítima é ascendente, descendente, cônjuge ou companheiro do agente ou maior de 60 (sessenta) anos; (Redação dada pela Lei nº 11.106, de 2005)
(…)
Pena – reclusão, de um a três anos.
§ 1º – A pena é de reclusão, de dois a cinco anos:
I – se a vítima é ascendente, descendente ou cônjuge do agente;
I – se a vítima é ascendente, descendente, cônjuge do agente ou maior de 60 (sessenta) anos. (Redação dada pela Lei nº 10.741, de 2003)
I – se a vítima é ascendente, descendente, cônjuge ou companheiro do agente ou maior de 60 (sessenta) anos; (Redação dada pela Lei nº 11.106, de 2005)
(…)
Para este defensor público, aquela filha “sequestrou” o pai. Weis fez parte do grupo de defensores públicos que chegaram a armar tendas na Cracolândia para impedir a ação da Polícia. Os traficantes, por óbvio, circulavam por lá livremente. Mas quer mandar para a cadeia uma filha que salvou a vida de seu pai. Reproduzo parte de sua mensagem no fórum. Retomo depois.
Antes e depois
Eu peço que vocês vejam uma reportagem do “Bom dia Brasil” (está aqui;infelizmente, A Globo não fornece código para incorporação). Vemos o estado em que Ana Paula — é o nome dela — encontrou seu pai na Cracolândia e como ele estava dias depois. Sem o efeito da droga, mostra-se um homem sereno, agradável até, que sente falta dos netos. A filha, num testemunho que chega a emocionar, diz estar com “saudade” do pai — do pai que ela teve, que, não obstante, está vivo. O crack é isto: a morte em vida. Nesse mesmo vídeo, uma doméstica de quatro filhos conta que a família se dispersou. Um deles, viciado, tomou conta da casa. Os outros três foram distribuídos em casas de parentes e vizinhos.
Mas Weis é um homem bom e quer mandar Ana Paula, aquela senhora que conseguiu salvar a vida do pai, para a cadeia, quem sabe com a pena máxima para o seu “crime”: cinco anos.
Ideologia? Crueldade? Equívoco simplesmente? Uma soma de todas essas coisas? Avaliem vocês. Eu, reitero, ao ler a mensagem daquele senhor, fiquei entre a indignação e o asco.
Tags: crack, Defensoria Pública
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