segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Dilma e Carvalho estão com inveja do baguncismo argentino. Ou: O PT deveria estar feliz, mas está com ódio. Por quê?



A presidente Dilma Rousseff, ainda não está claro se apenas porque pressionada pelo PT ou também por gosto, resolveu flertar com o baguncismo. E como faz isso? Permitindo que um ministro seu, Gilberto Carvalho — desde sempre os braços, os olhos, os ouvidos e a boca de Lula na atual gestão —, atue como se fosse mero militante partidário, convocando a militância petista a ir às ruas, depois das festas de fim de ano, em defesa de Lula e do PT. Segundo Carvalho, em 2013, “o bicho vai pegar”. Vai ver o ministro e sua chefe estão com inveja da Argentina… Para Carvalho, os “ataques sem limites” a Lula buscam destruir o governo e o partido: “Vamos nos preparar para, assim que passarem as Festas, a gente ir para as ruas”.
Quais ataques?
O colunismo chapa-branca na grande imprensa — e há um monte — e propagandistas financiados por estatais, disfarçados de jornalistas, acusam a existência de uma suposta conspiração contra Lula que teria como objetivo, na verdade, desestabilizar o governo Dilma para impedi-la de se reeleger em 2014. Trata-se de uma mentira estúpida sob qualquer ângulo que se queira ver a questão.
RosegateCumpre indagar: quem conspira contra Lula? Seria a Polícia Federal? Sim, foi ela que deflagrou a Operação Porto Seguro. A raquítica oposição e a “mídia” (como eles chamam a imprensa) não têm nada com isso. A primeira cumpre até com discrição o seu papel, que consiste em, no mínimo, tentar ouvir no Congresso os acusados, o que a base governista não permite. Até aí, vá lá… Mas se trata de delinquência pura e simples aprovar um “convite” para ouvir FHC sobre a talLista de Furnas, um documento comprovadamente fraudulento, criado por… petistas. Usar a maioria para impedir depoimentos incômodos ao governo demonstra, sim, um Congresso que serve de capacho ao Executivo, mas ainda está no terreno do aceitável, dados os rebaixados padrões em que se faz política no país. Recorrer, no entanto, a essa maioria para tentar jogar no colo do adversário o que se sabe ser uma farsa já entra no terreno da política feita com dolo.
A imprensa, por sua vez, está sendo bastante discreta com Lula no que diz respeito ao “Rosegate”, considerando que sua “relação íntima” é coisa que diz respeito à sua vida privada. Assim seria se ele não a tivesse colocado no comando do escritório da Presidência em São Paulo e se ela não fosse figura frequente nas viagens do então presidente ao exterior — às vezes, era uma passageira, para todos os efeitos legais, clandestina porque não incluída oficialmente na comitiva. Isso, por si, já é um delito, como se sabe. Assim seria se ela não estivesse usando o cargo para intermediar negócios e não fosse considerada pela Polícia Federal o braço político da “quadrilha”.
O que o PT gostaria que a “mídia” fizesse? Que comportamento lhe seria adequado no Rosegate? Repetir as bobagens da rede lulo-petista financiada com dinheiro público? A propósito: sobre Rose em particular, essa gente não tem o que dizer. Limita-se a vociferar contra a imprensa, que noticia, diga-se, o que consegue apurar junto à Polícia Federal. A imprensa inglesa, americana ou italiana já teriam alargado esse viés mais picante do noticiário. Berlusconi fazia os seus “bugas-bugas” em propriedades privadas. O bufão ainda tentou argumentar que ninguém tinha de se meter nos seus assuntos pessoais. Acontece que ele era primeiro-ministro da Itália. Ocorre, e isto é relevante, que a imprensa brasileira não está nessa, não! Cobre apenas a dimensão pública do escândalo.
E noto: já aconteceu de escândalos inicialmente noticiados pela imprensa resultarem em investigações, demissões, crises políticas etc. É o caso da mãe de todos eles, o mensalão. É o caso do Collorgate — foi a entrevista de Pedro Collor à VEJA que detonou a crise. Naqueles tempos, noto, o PT achava o jornalismo necessário e progressista… Mudou de ideia a partir de 2003.
Marcos ValérioCumpre indagar de novo: quem conspira contra Lula? Marcos Valério? Foi ele quem prestou um depoimento à Procuradoria-Geral da República, que vazou, sim, como vazaram antes os depoimentos de centenas de pessoas. Sempre que esse vazamento foi do interesse do PT, o partido não chiou. Os repórteres que cobrem política poderiam enumerar, aliás, quantos e quais foram os petistas que, ao longo da história, lhes passaram documentos e depoimentos sigilosos, dados de investigação que correm sob sigilo de Justiça e até informações sobre transações bancárias de seus desafetos. Não! Os jornalistas não farão isso porque vão preservar o sigilo da fonte — e a Constituição lhes faculta esse direito. Mas que se note: a Carta lhes faculta esse direito tanto quando a notícia é do interesse do PT como quando não é. No caso do depoimento de Valério, os petistas foram acometidos de um furioso surto de legalismo.
Valério, o que estava até anteontem trabalhando com o PT; Valério, o que tinha como interlocutor Paulo Okamotto (o petista confirma); Valério, o destacado para fazer grandes negócios em benefício da legenda; Valério, o mago do sistema de compra de consciências… Seria ele o conspirador? Ora…
Não há uma só pessoa na imprensa — também essa é uma acusação falsa — que tome o que diz o ex-operador do mensalão como sinônimo de verdade. Mas é um absurdo supor que o jornalismo deveria ignorar o que diz sendo ele quem é, tendo operado como operou, tendo exercido o papel que exerceu. Evoco de novo a Itália: alguém imagina os promotores ou os jornalistas daquele país a desprezar o eventual testemunho de mafiosos: “Ah, não, esse está metido com o crime”?
Um jornalismo que simplesmente ignorasse as acusações de Valério, exaltando, em seguida, os feitos do ex-presidente, estaria apenas a repetir José Sarney: “Ninguém tem autoridade moral para atacar Lula”. Não por acaso, isso é que fazem os petistas, o colunismo chapa-branca e o subjornalismo financiado por estatais. A grande imprensa ainda não chegou a esse estado miserável.
PesquisasA estar certo o levantamento feito pelo Datafolha, o Rosegate e as acusações de Valério não mexeram com a avaliação que boa parte dos brasileiros faz do governo Dilma e do próprio Lula. Ambos, segundo pesquisa divulgada neste domingo, se candidatos à Presidência, se elegeriam no primeiro turno. Nos votos espontâneos, ela aparece bem à frente do antecessor (isso deve ter deixado um monte de petistas fulo da vida…). Há três dias, a pesquisa CNI-Ibope apurou que o governo Dilma é considerado ótimo ou bom por 62% dos brasileiros, o que é, se verdadeira, uma excelente marca.
Logo, pergunta-se: que diabo de “campanha para destruir Lula, Dilma e o PT” é essa? Petralhas enviaram para cá centenas de comentários, com aquela delicadeza habitual, cacarejando e zurrando vitória: “Está vendo? Não adianta nada! Não adianta nada!”. ORA, ENTÃO POR QUE TANTA HISTERIA? POR QUE CARVALHO QUER BOTAR O “POVO” NA RUA? Não há, pois, razão para isso, certo? Que linchamento é esse que denuncia o PT sem linchadores?
Eis um ponto interessante. Essas boas almas totalitárias não aceitam a crítica, a divergência e, como se vê, nem mesmo a lei. Se o Supremo não decide conforme a sua vontade, eles saem demonizando o tribunal e os ministros. O PT não se dá por satisfeito em ter uma oposição pequena, que pouco pode. O objetivo é e sempre foi não ter oposição nenhuma. Mas não só isso: tem na imprensa — majoritariamente simpática ao partido, como todos sabem — a principal inimiga porque reconhecem nesse setor áreas ainda insubordinadas.
Convenham: os petistas têm tudo para a linguagem do amor e da fraternidade, não? A popularidade de Dilma é grande; ela própria e Lula venceriam a disputa eleitoral no primeiro turno (sei que a eleição está longe…); a oposição ainda não tem um candidato viável… Então por que tanto ódio, tanta baixaria, tanta violência retórica?
Porque o partido não admite a existência de uma oposição legal e legítima que possa confrontá-lo. Porque o partido não admite a existência de uma imprensa livre, que possa, quando achar necessário, criticá-lo. Porque o partido não aceita a existência de uma Justiça independente que possa declarar o triunfo das leis democráticas sobre as vontades. Porque o partido aceita a democracia apenas até o Capítulo 12… 
Texto publicado originalmente às 4h45
Por Reinaldo Azevedo

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