Assessores envolvidos em corrupção, ex-dirigentes do PT e políticos aliados condenados pela Justiça, crescimento econômico modesto. E Dilma ainda teve de sair em defesa do antecessor, que teve gestões pontuadas por escândalos
Laryssa Borges e Marcela Mattos, de Brasília
Dilma Rousseff: 'herança maldita' em 2012 (Ueslei Marcelino/Reuters)
Dois anos depois de chegar ao poder pelas mãos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a presidente Dilma Rousseff encerra 2012 na incômoda situação de ter de sair em defesa e contornar escândalos herdados do antecessor.
Nos últimos meses, Dilma acompanhou a condenação em série no julgamento do mensalãode expoentes dos Anos Lula, como o ex-ministro José Dirceu, o ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha e José Genoino, ex-presidente do PT, que ocupava um cargo de assessor no Ministério da Defesa até outubro deste ano - deixou o posto um dia depois de ser condenado. Nos bastidores, a presidente chegou a pedir que seus auxiliares diretos evitassem dar declarações sobre o julgamento.
Na última semana, entretanto, coube à própria Dilma o papel de socorrer Lula após a revelação do conteúdo do depoimento do operador do mensalão, Marcos Valério de Souza, ao Ministério Público. De acordo com o jornal O Estado de S. Paulo, Valério afirmou à Procuradoria-Geral da República que recursos do mensalão foram usados para pagar despesas pessoais de Lula. Em viagem à França, a presidente teve de enfrentar o constrangimento de responder perguntas sobre escândalos que têm origem nos mandatos do antecessor. “Eu não tolero a corrupção e meu governo também não. Se há suspeitas fundamentadas sobre a pessoa, ela tem que sair", afirmou Dilma em entrevista ao jornal francês Le Monde. "O Ministério Público é independente, a Polícia Federal investiga, prende e indicia. E aquele que começou esta nova etapa de governança é o antigo presidente Luiz Inácio Lula da Silva”, disse.
E não foi só o fantasma do mensalão que rondou o Palácio do Planalto nos últimos meses. A Operação Porto Seguro, da Polícia Federal, revelou as articulações políticas e indecorosas de Rosemary Noronha, ex-chefe de gabinete do escritório da Presidência da República em São Paulo. Na última sexta-feira, o Ministério Público Federal denunciou Rosemary, uma das assessoras mais próximas de Lula e de José Dirceu, por quatro crimes. Além dela, foram denunciadas 23 pessoas, entre elas Paulo Vieira, ex-diretor da Agência Nacional de Águas (ANA), que chegou ao posto no governo Lula.
“Na medida em que Dilma sai em defesa de Lula, ela está, de certa maneira, dando cobertura a ele”, avalia o cientista político João Paulo Peixoto, da Universidade de Brasília (UnB), para quem as denúncias de Valério podem macular o próprio governo de Dilma. “Essas sequências de novas denúncias vão fatalmente atingir o governo e a ela própria. Acredito que começa a gerar uma onda desconfiança em relação à condução do governo."
O deputado Carlos Sampaio (PSDB-SP) completa: "Quando defende ferozmente o presidente Lula, como fez na França, ela passa uma imagem que ele está acima do cidadão comum, como se pudesse agir dessa forma sem ser investigado."
Em um capítulo que pode ser classificado como desdobramento do mensalão, episódio que derrubou como peças de dominó líderes históricos do PT na mais alta corte do país, Dilma, mais do que um legado duvidoso, pode ainda ter de lidar com a hipótese de o Ministério Público investigar as relações de Lula com o esquema do valerioduto. Se consolidada a investigação, como chegou a defender o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Joaquim Barbosa, de herdeira do capital político do ex-presidente, ela pode ver o próprio padrinho passar a ser formalmente investigado por irregularidades.
Congresso – A herança repassada do presidente Lula à sua sucessora extrapola os aspectos de uma crise moral e também inclui uma conturbada relação com o Congresso Nacional e, mais recentemente, as dificuldades de garantir crescimento econômico. Ao longo de oito anos, Lula, sempre que podia, regava parlamentares aliados com emendas parlamentares. Ao menor sinal de insatisfação, os próprios parlamentares também provocaram um sem-número de rebeliões no Congresso Nacional. Com pouca habilidade para negociações no Legislativo, Dilma travou embates diretos, por exemplo, nas discussões sobre o Código Florestal e na apreciação de nomes de autoridades.
Economia – Além dos arranhões políticos, a "herança maldita" de Lula inclui também o recente fiasco de baixo crescimento econômico e os altos níveis de inadimplência dos consumidores.
Com as medidas de fortalecimento do mercado interno para fazer frente à crise financeira mundial, parte da população foi estimulada a manter um alto nível de consumo. O problema é que esse consumo já não é mais capaz de manter o mercado aquecido. No terceiro trimestre, o Produto Interno Bruto (PIB) registrou o pífio patamar de 0,6%. A inadimplência, segundo o Banco Central, se manteve em níveis históricos elevados, sem dar sinais de arrefecimento - em parte, devido à combinação de expansão de crédito e calote nos financiamentos de automóveis.
Mesmo com críticas diretas ao ministro da Fazenda, Guido Mantega, que tinha expectativas maiores para o PIB do trimestre, interlocutores da presidente dizem que ainda não é o caso de fazer um mea-culpa sobre a situação econômica e tampouco retirar o chefe da equipe econômica do cargo. “Demitir Mantega significa fazer uma autocrítica muito grande da economia. Esse 'pibinho' é o momento atual, é transitório”, disse um ministro próximo da presidente
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