*WASHINGTON NOVAES
Que quer dizer exatamente a onda redobrada de violência na Grande São Paulo e no interior paulista, em Santa Catarina, Goiás, Paraíba, Bahia, Ceará e outros Estados? O tema está a cada dia mais presente na comunicação e suscita, até mesmo em entrevistas e artigos assinados, muitas interpretações. Na verdade, a questão já era muito forte e só agora temos uma nova visão? Ou se trata de uma escalada na violência? Por quê? Será coincidência ou um salto de consciência?
Carmo Bernardes, o falecido escritor mineiro/goiano, costumava dizer que os acontecimentos (e a consciência sobre eles) em nossa vida não escorrem lentamente, e sim dão saltos repentinos: de um momento para outro, vem-nos a consciência de que houve uma mudança forte, um salto. Será assim neste momento? Ou se trata apenas de coincidência, situações momentâneas? Por um lado, as estatísticas de crimes mostram que a situação não é nova, embora possa ter-se agravado – apenas se estaria dando mais ênfase. De fato, o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, citado pelo ministro da Justiça (Estado, 14/11), diz que já tínhamos no ano passado 471.200 pessoas presas em 295.400 vagas, com um déficit de 175.800 vagas e 1,6 preso por vaga. Só no Estado de São Paulo, 195 mil presos, ou 1,9 por vaga. Nas 28 prisões da Região Metropolitana, no ano passado, 43.600 presos. E 250 mil pessoas detidas provisoriamente.
Então, por que não percebemos antes a enormidade do quadro e só lhe damos atenção agora? Há indícios de que ocorreram mudanças importantes e certas coisas parecem mais visíveis. Entre elas, um aparente deslocamento geográfico do crime organizado, em busca de novos territórios, desde que cessou o acordo não declarado que havia no Rio de Janeiro, desde o governo Chagas Freitas, na década de 1970, entre a polícia e o tráfico de drogas – “vocês não descem o morro e nós não subimos”. Com a ocupação de morros e favelas pelo programa das Unidades de Polícia Pacificadora, o crime (tráfico de drogas, especialmente) teve de migrar – inclusive para fora do Estado. São Paulo e Santa Catarina parecem ser novos territórios, ou a busca deles.
Mas essa busca tem implicado uma escalada. Os comandos de organizações na área do tráfico têm recorrido até à requalificação técnica de seus membros, matriculando-os em cursos que ensinam a manusear explosivos (Folha de S.Paulo, 18/11). Tem significado a exigência de que os devedores aos mandantes do tráfico sejam obrigados a saldar suas dívidas executando policiais – seis PMs e dois agentes prisionais foram executados em 20 dias (Estado, 15/11), quando 154 pessoas foram assassinadas. Em um ano, foram mortos 93 policiais (19/11). Ordens de ataques têm partido de dentro de prisões (15/11), a ponto de os governos federal e paulista cogitarem de instalar bloqueadores de celulares em presídios, ao custo de R$ 1 milhão em cada um deles, levados para 143 unidades prisionais (19/11). A evidência de que esses novos fatores influenciam a visão das autoridades paulistas está no processo, já iniciado, de transferir líderes de organizações criminosas para penitenciárias de segurança máxima fora do Estado (17/11) e no anúncio de que haverá ações importantes em “14 pontos estratégicos do Estado”.
Para completar o quadro da redistribuição geográfica do crime organizado: parece claro que o Centro-Oeste brasileiro se transformou no ponto de recepção e redistribuição de drogas advindas das regiões de fronteira. Goiânia teve quase 500 homicídios no ano passado, mais de 500 este ano, até agora – quase invariavelmente relacionados com o tráfico e o não pagamento de dívidas. Em Rio Verde, cidade de 185 mil habitantes, quase cem assassinatos em 2011. Este ano, mais (O Popular, 19/11).
De certo modo, os fatos estavam diante dos nossos olhos há muito tempo. Na Paraíba, a Polícia Federal prendeu mais de 30 policiais e agentes de segurança “envolvidos em grupos de extermínio” (Estado, 10/11). “De 1984 para cá”, escreve o leitor Marcelo de Lima Araújo, “mais de 1 milhão de pessoas foram assassinadas intencionalmente no Brasil”, o “20.º país mais violento do mundo” (Fórum dos Leitores, 7/11).
E mesmo deixando de lado as razões sociais desse quadro não há como entrar nessa seara abominável do crime e do crime organizado sem referência à situação calamitosa do Judiciário, que implica também a ausência de ressocialização de quem está na prisão – parte da pena quase inexistente. Nada menos que 423.400 processos, ao todo, estão paralisados em tribunais federais e estaduais (Agência Globo, 16/11), aguardando julgamento. Nos tribunais federais, nada menos que 26 milhões de processos foram abertos em 2011 (eram 5,1 milhões em 1990). E com isso 90 milhões de processos tramitam nos tribunais. Mas no ano passado cada ministro do Superior Tribunal de Justiça julgou 6.955 ações; no Tribunal Superior do Trabalho, 6.299 cada um; no Tribunal Superior Eleitoral, 1.160. Como dar conta da papelada toda?
É evidente que nossos modos de viver, acotovelados em grandes cidades e megalópoles, criam condições favoráveis – geográficas, econômicas, sociais, de dificuldade de cobertura policial em toda a área, etc. Mas as verbas previstas para a construção de presídios até 2014 são de apenas R$ 1,1 bilhão, com 24 mil vagas implantadas, 42 mil contratadas; apenas 7.106 entregues (Folha de S.Paulo, 18/11).
E quanto a novas condições sociais e econômicas nas grandes cidades, não há muitas razões para otimismo. Estudo de 40 especialistas da Universidade de São Paulo (USP), ao lado de 81 técnicos da Prefeitura, para o governo paulistano, diz que “a São Paulo dos sonhos” “poderá estar pronta em 2040″, nas áreas de transportes coletivos, habitação, despoluição de rios, etc. E custaria R$ 314 bilhões.
Haja paciência e fé! E ainda a crença ilusória de que algo será possível, principalmente nas áreas de segurança e Justiça, sem reformas mais amplas, de caráter global mesmo. Migração de fatores sociais e da criminalidade, escaladas de violência, etc., não se detêm diante de fronteiras municipais, estaduais ou nacionais.
* JORNALISTA – E-MAIL: WLRNOVAES@UOL.COM.BR
FONTE: Estadão / FOTO: Yasuyoshi Chiba – AFP
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