Atuação do 'afilhado' de Rosemary Noronha na agência foi neutralizada pela antiga diretoria, comandada por Solange Paiva
Ana Clara Costa
Rubens Carlos Vieira, ex-diretor da Anac, em seu antigo gabinete, em Brasília (Divulgação)
Quando assumiu o cargo de corregedor da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) em 2006, Rubens Carlos Vieira – preso no último sábado na Operação Porto Seguro, deflagrada pela Polícia Federal – era figurinha notória no alto e baixo clero do funcionalismo público em Brasília. O fato de ser ‘apadrinhado’ pela Presidência da República era amplamente conhecido na Anac. Já prevendo que o corregedor pudesse alçar voos mais altos na agência, a diretoria decidiu criar uma engenharia regimental para 'neutralizá-lo'. A estratégia deu certo. Ele se transformou num funcionário apático, que cuidava basicamente de revisão de texto e chegava a passar a horas no MSN.
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Estratégia – Os diretores subordinados a Solange Paiva Vieira, que assumiu a presidência da Anac em 2007, em pleno caos aéreo, elaboraram uma série de mudanças em relação à atuação da diretoria da agência. Em resumo, foram aprovadas novas regras no regimento interno que tiravam o poder individual dos diretores e reforçava o papel da diretoria colegiada. Ou seja, pareceres e decisões só poderiam ir adiante se houvesse votação favorável da maioria dos cinco diretores da Anac. “Assim como estava acontecendo em todas as agências reguladoras, sabíamos que a Anac era alvo de aparelhamento político, ainda mais em ano eleitoral. E essas mudanças foram o legado dessa diretoria para a agência”, afirma um ex-diretor que não quis ter seu nome revelado.
Desta forma, quando conchavos políticos resultassem em uma indicação como a de Vieira, o dano causado ao trabalho técnico da agência, segundo fontes, seria mitigado. Não deu outra: em 2010, três diretores viram seus mandatos terminarem e não foram reconduzidos. Assim, às vésperas das eleições, uma das agências com maior destaque no país dispunha de postos para serem ‘comercializados’ ao gosto do governo. Foi então que Rosemary Nóvoa de Noronha, a Rose, ex-chefe de gabinete da Presidência da República em São Paulo (e demitida no sábado), entrou em ação. A indicação de Rubens Vieira circulava nos corredores da Anac desde o início de 2010, quando o diretor Alexandre Gomes de Barros deixou o cargo. Mesmo desprestigiado na corregedoria graças à sua atuação pífia, o ‘afilhado’ de Rosemary era nome forte para subir mais um degrau. “Todos sabiam que ele não estava lá a passeio. O grande temor era de que ele fosse para a diretoria e, depois, para a presidência da Anac”, afirma uma fonte da agência.
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Empurrão de Erenice – Contudo, enquanto a Casa Civil estava a cargo da então ministra-chefe Dilma Rousseff, a indicação de Vieira para a diretoria da Anac não foi para frente. Mas, bastou Dilma deixar o cargo para se dedicar à campanha eleitoral que sua sucessora, Erenice Guerra, tratou de executar o pedido de Rose. Em 5 de maio de 2010, a ex-ministra encaminhou ao Senado um pedido oficial de indicação de Rubens Vieira à diretoria de Infraestrutura Aeroportuária da Anac, ressaltando suas “qualificações” para o cargo. O candidato foi então sabatinado pela Comissão de Serviços de Infraestrutura do Senado, chefiada pelo senador Fernando Collor de Mello (PTB-AL), que redigiu parecer favorável à indicação.
Os três 'escolhidos' – Vieira ingressou na diretoria da Anac junto com dois outros nomes controversos que receberam o aval de Lula: Carlos Pellegrino e Ricardo Bezerra. Bezerra é filho de Valmir Campelo, ministro do Tribunal de Contas da União (TCU). Circula na Anac o rumor de que sua nomeação se deu porque o TCU estava planejando uma auditoria na agência – e Lula teria usado o velho truque do favor político para fazer com que Campelo desistisse da investida ao saber que o filho seria bem-vindo na agência. Ao menos, Bezerra era, ao contrário de Vieira, pós-graduado em gestão aeroportuária quando foi indicado ao cargo.
Já Pellegrino tinha respaldo técnico e era superintendente da Anac no momento da indicação. Contudo, envolveu-se em situação irregular dentro da agência quando ignorou o resultado de uma auditoria técnica da Anac que pedia sanção contra uma empresa que voava ilegalmente, segundo reportagem publicada por VEJA em julho de 2010. Sua indicação teve como defensora a própria Solange Paiva Vieira. Fontes ouvidas pelo site de VEJA afirmaram que a então diretora-presidente não queria queimar capital político brigando contra os nomes de Vieira e Bezerra. “Se ela conseguisse a aprovação do Pellegrino, conseguiria garantir, pelo menos, três nomes técnicos na diretoria depois que ela e alguns de seus diretores saíssem. E, com isso, os técnicos seriam maioria na hora dos votos”, afirmou um ex-diretor da agência. Os outros dois diretores que permaneceram após a saída de Solange foram Marcelo Guaranys, atual diretor-presidente , e o engenheiro Claudio Passos.
Sem legado – Como diretor de Infraestrutura da Anac, Vieira não deixou legado que mereça lembranças. Não colecionou amigos na diretoria – nem mesmo o ‘apadrinhado’ Ricardo Bezerra. Com Pellegrino, houve até mesmo algumas tentativas de formar laços na época em que ainda era corregedor. Certa vez, em sabatina no Senado, Vieira foi questionado pelo senador Eduardo Suplicy (PT-SP) sobre o problema administrativo que corria na Anac devido à vista grossa de Pellegrino para a tal empresa que, segundo a própria Anac, praticava voos irregulares. Vieira não respondeu ao questionamento do senador e, enquanto corregedor, engavetou o processo administrativo que estava correndo contra Pellegrino na agência.
Em um movimento inteligente, Vieira manteve grande parte dos técnicos da diretoria de Infraestrutura da Anac oriundos da gestão anterior (do diretor Alexandre Barros) justamente por desconhecer a complexidade do ofício. Além disso, Vieira não podia fazer contratações para cargos técnicos sem que houvesse a assinatura do diretor-presidente da agência. Mas, entre as poucas contratações que fez para sua equipe, uma era bombástica: a de Mirelle Nóvoa de Noronha Oshiro, filha de Rosemary, formada em Publicidade e Propaganda pela Fundação Armando Álvares Penteado (Faap) em São Paulo, e demitida na última segunda-feira.
No gabinete, o diretor não chefiava projetos e tinha função de revisor: ou seja, levava para a votação da diretoria colegiada os pareceres sobre o que estava sendo executado em sua área. Por vezes, quando conversava com técnicos sobre trabalho, se mostrava aéreo e desinteressado – como se não tivesse tempo (e vontade) de ouvir sobre o que se passava na agência. Dava a impressão, segundo pessoas próximas, de estar voltado para outros temas. E, não raramente, passava horas a fio em conversas no bate-papo MSN quando entravam em sua sala para conversar sobre assuntos técnicos.
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