Religião
O bispo Edir Macedo investiu 685 milhões de reais e comprou quarenta
imóveis no Brás para pôr de pé a igreja que terá capacidade para 10 000
pessoas e área construída quatro vezes maior que a do Santuário de
Aparecida
30.mai.2014
| Atualizada em 31.mai.2014
por João Batista Jr.
Em 1977, o pastor Edir Macedo começou sua carreira de pregador em cima
de um coreto no subúrbio do Rio de Janeiro. Só algum tempo depois
conseguiu dinheiro suficiente para alugar o primeiro imóvel da Universal
do Reino de Deus, um ponto vago deixado por uma funerária, com
capacidade para apenas 100 pessoas. Passadas quase quatro décadas desde
esse início modesto, o autointitulado bispo, dono de uma fortuna pessoal
estimada em 1,1 bilhão de dólares, segundo a revista americana Forbes,
controla a maior igreja evangélica neopentecostal do país, com 6 500
endereços no Brasil (1 010 dos quais no Estado de São Paulo e 246 na
capital), além de outros negócios, a exemplo da TV Record e de uma
participação de 49% no Banco Renner. O grande símbolo desse crescimento
vem sendo erguido desde 2010 em um trecho da Avenida Celso Garcia, no
Brás. Trata-se do Templo de Salomão, concebido nos mínimos detalhes para
ser um novo cartão-postal religioso.
Imagem aérea do suntuoso templo do bispo Edir Macedo
(Foto:
Mario Rodrigues
)
Estima-se que a obra tenha consumido 685 milhões de reais em
investimentos. Ela possui 100 000 metros quadrados de área construída e é
quatro vezes maior que o Santuário Nacional de Aparecida, que perderá
nesse quesito o posto de maior espaço religioso do país para a nova sede
da Universal. Os detalhes de acabamento do templo incluem cadeiras
trazidas da Espanha para acomodar um público de 10 000 pessoas, mármore
rosa italiano e oliveiras importadas de Israel, sem falar da tecnologia
embutida. Entre outras engenhocas, o local terá uma esteira rolante
destinada a carregar o dízimo dos fiéis do altar direto para uma
sala-cofre, um telão de mais de 20 metros de comprimento e 10 000
lâmpadas de LED instaladas no teto do salão principal, que tem
pé-direito de 18 metros. Quando estiverem funcionando, as luzes formarão
desenhos variados, como estrelas. De tão potentes, elas conseguirão
iluminar a Bíblia de cada um dos visitantes. As paredes são decoradas
por imensas menorás, candelabros de sete braços comuns em sinagogas.
O projeto, que já contou com cerca de 1 800 operários no auge da
construção, encontra-se em fase de acabamento. A área construída tem
espaço ainda para mais de cinquenta apartamentos, que serão ocupados por
pastores, incluindo o que foi preparado para ser anova residência de
Edir Macedo. O bispo fez no ano passado a promessa de só cortar a barba
quando tudo estiver pronto, em 31 de julho, data em que ocorrerá a festa
de inauguração com a presença da presidente Dilma Rousseff, do seu
antecessor, Luiz Inácio Lula da Silva, do governador Geraldo Alckmin e
do prefeito Fernando Haddad, entre outras autoridades. Até lá, a
política é manter o maior segredo possível. Nos últimos meses,
funcionários da Universal circulavam pelo local usando capacete com o
logo da igreja, a fim de fiscalizar qualquer tentativa de vazamento de
informações. Os mais de cinquenta fornecedores de materiais e serviços
da construção assinaram um contrato de confidencialidade. Nele consta
que o acordo seria rompido em caso de divulgação de detalhes do interior
do projeto. “Conheço gente que postou foto numa rede social e foi
demitida”, conta um dos empresários envolvidos no trabalho. Apesar de
todos os cuidados, alguns registros acabaram circulando, como os
reproduzidos nesta reportagem.
Na vasta relação de particularidades suntuosas da igreja, nada supera o
altar. Ele tem o formato da Arca da Aliança, descrita na Bíblia como o
local em que orei Davi guardou os Dez Mandamentos no primeiro Templo de
Salomão, construído no século XI a.C., em Jerusalém. Edir Macedo mandou
revestir toda a estrutura da peça com folhas de ouro. Ao fundo, há um
batistério com uma piscina na qual os convertidos poderão entrar
vestidos de branco e, então, passar a comungar na cartilha da Universal.
Acima, foram instalados 100 metros quadrados de vitrais dourados. Quem
estiver na plateia terá a sensação de admirar uma caixa de ouro aberta.
Todo o ritual será transmitido por dois telões trazidos da Bélgica,
presos nas paredes ao lado do palco.
Ao criar o prédio no Brás, Edir Macedo não pensou em agradar apenas a
seu público cativo. De olho nos turistas de religiões variadas, o
complexo contempla um museu do Velho Testamento, batizado de Memorial. O
local terá um telão, auditório e doze colunas para explicar a origem
das doze tribos de Israel. Um jardim com oliveiras importadas de Israel
relembra o Monte das Oliveiras, onde Jesus passou sua última noite na
Terra antes de ser crucificado.
Edir Macedo e a mulher, Ester: promessa de não cortar as barbas até que as obras sejam finalizadas
(Foto:
Reprodução
)
A obsessão pelos detalhes fez com que o bispo também importasse de
Israel todas as pedras que revestiriam a obra. Foram mais de 40 000
metros quadrados de material trazido de Hebron, a antiga capital do
reino de Davi. Trata-se do mesmo revestimento do Muro das Lamentações. O
material da Universal teve um acabamento mais lapidado e menos poroso.
Funcionários da obra fizeram suas orações ajoelhados e com as mãos
encostadas na parede. É possível que o local se transforme em uma
espécie de muro das lamentações paulistano. O segurança do trabalho
Márcio Kohler, de 47 anos, está na construção da igreja do Brás desde
2011. Nesse período, conta ter encontrado nódulos no intestino. “Num
primeiro momento fiquei apreensivo, mas passei a meditar nas promessas
de Deus”, diz ele, a respeito da suspeita de câncer. Trabalhar na igreja
o teria ajudado a se curar sem precisar passar por cirurgia.
Fachada da Universal, na Avenida Celso Garcia, 1989: começo modesto
(Foto:
Juca Rodrigues/Folhapress
)
Entre o projeto e a conclusão da obra, mais de 2 000 plantas de
engenharia foram desenhadas. Para ganhar espaço suficiente para a
execução do negócio, a Universal comprou cerca de quarenta imóveis e
terrenos no quarteirão da Avenida Celso Garcia. No começo, pagava uma
ninharia (a região é decadente e cheia de sobrados caindo aos pedaços).
Mas o interesse da turma de Edir Macedo inflacionou o mercado. No mês
passado, por exemplo, a igreja precisou desembolsar 1,7 milhão de reais
por um sobrado de 220 metros quadrados que abrigava um salão de beleza.
“Fazia mais de quatro anos que estavam querendo comprar meu espaço”,
lembra o ex-proprietário Braulino Pereira.
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Rivaldo Moraes, que não topou vender seu apartamento à igreja: "Vivo sob terror"
(Foto:
Mario Rodrigues
)
O milagre da valorização: a escalada dos imóveis comprados pela igreja no Brás
(Foto:
Reprodução
)
O sonho do momento da Universal é pôr abaixo o Edifício Vidago, na
Avenida Celso Garcia, que esconde boa parte da visão do templo para quem
passa pela via. A igreja já conseguiu comprar trinta dos quarenta
apartamentos do prédio. No começo, pagava 90 000 reais por unidade.
Hoje, as negociações não começam por menos de 2 milhões, o milagre da
valorização. Pastores ocupam esses imóveis adquiridos. Como estão em
maioria, decidiram trocar o síndico e querem agora instalar um elevador
novo (o último foi trocado há apenas cinco meses). “Eles planejam deixar
o condomínio caro para tirar quem ainda restou”, acusa o comerciante
Rivaldo Cunha de Moraes, dono do apartamento de número 65 há 31 anos.
“Eu vivo sob terror psicológico.” Em março de 2011, segundo ele, cinco
vizinhos que não haviam aceitado vender seu imóvel acordaram com um saco
de pano vermelho na porta. Dentro de cada um havia uma galinha preta
morta. Na ocasião, os moradores fizeram um boletim de ocorrência no 12º
DP, no Pari. Como não conseguiu demolir o prédio, a Universal faz neste
momento uma grande reforma para deixá-lo mais bonito para a inauguração
da nova sede.
Quero vender o apartamento por 800 000 reais"" />
A comerciante Fátima Hajar, dona de um imóvel de dois dormitórios com
vista privilegiada para o lugar: "Quero vender o apartamento por 800 000
reais"
(Foto:
Mario Rodrigues
)
Oficialmente, a Universal diz que a verba para o projeto veio das
contribuições dos fiéis, entre elas o dízimo. Nos últimos anos, durante
os cultos, os pastores afirmavam aos seguidores que todos eram donos do
espaço. Por isso, colaborações seriam necessárias. Foram vendidos
camisetas, canetas, canecas e outros utensílios para arrecadar dinheiro.
“Deixei meu apartamento na região da Avenida Paulista para morar aqui
no Brás, de frente para a construção, e vê-la ser levantada tijolo por
tijolo”, conta Nadir Nunes, que trabalha com eventos. Ela comprou
diversos objetos para ajudar, além de já ter garantido um passe que lhe
dará acesso ao templo antes da inauguração oficial — pastores de algumas
unidades da Universal têm distribuído vale-entradas aos fiéis mais
assíduos, que poderão começar a romaria ao lugar a partir de 20 de
julho. “Essa igreja vai trazer muitos turistas para o Brás.” Pensando
nisso, a comerciante Fátima Hajar pretende vender seu apartamento de
dois dormitórios com vista privilegiada para a nova igreja. “Vou pedir
800 000 reais”, planeja.
Nadir Nunes: ela se mudou da Bela Vista para o Brás para acompanhar a construção da igreja
(Foto:
Mario Rodrigues
)
O tamanho do projeto tem atraído críticas das alas mais tradicionais de
evangélicos. “Para nós, aquilo não tem nenhuma referência espiritual”,
afirma Silas Malafaia, da Assembleia de Deus Vitória em Cristo. Ele
acredita que a obra vai fortalecer os devotos da Universal, pois todos
ajudaram na construção e ficarão assim mais unificados. Malafaia
ressalta, no entanto, o risco de ocorrer algo que para os evangélicos é
condenável: a adoração. “O povo vai querer ir lá e tocar a pedra vinda
de Israel, mas a crendice não faz parte dos evangélicos. Não adoramos
lugares nem pessoas.” Para o professor Rodrigo Franklin de Sousa,
especialista em história e arqueologia bíblica do Mackenzie, o
gigantismo do empreendimento tem a função principal de atrair fiéis pelo
sonho do sucesso. “Por ser grande e ostensivo, passa o recado de
ascensão social e profissional”, diz. Sousa lembra que a estratégia de
construir templos enormes existe há séculos entre os católicos e
muçulmanos. “No caso do cristianismo e do islamismo, porém, o paraíso se
dá depois da morte. Para a Universal, a felicidade e a riqueza
espiritual e material ocorrem aqui na terra. Daí ser grande, para provar
essa tese.”
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