Para o economista Samuel Pessoa, atual modelo econômico é um desastre que precisa ser revisto
06 de abril de 2014 | 2h 05
ALEXA SALOMÃO, RICARDO GRINBAUM - O Estado de S.Paulo
Samuel Pessoa, um físico que leciona economia, estreitou as relações com o PSDB na campanha presidencial deste ano. O senador Aécio Neves, candidato dado como certo para a legenda, anunciou que ele é um de seus assessores. Pessoa faz duras críticas à atual política econômica: "eu chamo de ensaio nacional desenvolvimentista - foi uma tragédia para o País e tem de ser revertido", diz. Na sua avaliação, a reversão deve ser seguida reformas que possam dar eficiência ao Estado sem que seu tamanho seja reduzido: "A sociedade quer educação, sistema de aposentadoria, programas sociais - é impossível reduzir o Estado", disse na entrevista que segue.
Como o senhor esta vendo o atual momento da economia?
Samuel Pessoa: Vou falar o que repito em todo lugar porque acho importante. Quando se olha a formulação de política econômica no Brasil, eu acho que há duas agendas muito diferentes. A partir do final do segundo mantado do governo Lula, passamos a ter duas agendas. Uma é muito anterior ao governo Lula. É uma agenda que está com a gente desde a democratização - uma agenda estrutural. Há outra agenda, que veio de 2009 para cá. Ela está associada a saída do ministro Antonio Palocci e a ida do ministro Guido Mantega (no Ministério da Fazenda). Isso aconteceu em 2006. O ministro Mantega teve muito senso de oportunidade e habilidade política para implantar a agenda dele aos poucos, conforme os fatos fossem permitindo. Em 2009, depois da crise, foi o grande momento em que ele pode trazer para a formulação da política econômica uma nova agenda. A primeira agenda estrutural eu chamo de contrato social da redemocratização. A segunda agenda - da equipe econômica do Mantega e da presidente Dilma e do final do governo Lula - eu chamo de ensaio nacional desenvolvimentista. Eu separo muito bem essas duas agendas. Acho que essa segunda é petista puro sangue. Acho que o Palocci, dentro daquele grupo político, talvez seja a excepcionalidade e parece que esse grupo político do PT tem um visão muito favorável ao nacional desenvolvimentismo e a esse conjunto de políticas econômicas - se bem que, posso estar exagerando, porque houve um período do governo Lula em que havia muita continuidade e que esse tema da agenda nacional desenvolvimentista não tinha proeminência. A outra agenda, a estrutural, é uma opção que a sociedade brasileira fez na Constituição, lá em 88. Está materializada no texto constitucional e essa opção vem sendo referendada e repactuada a cada eleição desde então. Ela expressa o desejo da nossa sociedade de construir um Estado de bem estar social muito abrangente, nos moldes dos países da Europa continental. Esse desenho esta no nosso texto constitucional. Neste aspecto, não há nenhuma diferenciação entre nenhum grupo política em atuação no Brasil. Em particular, eu acho que isso não distingue tucanos de petistas. O que inclui? Política de valorização do salário mínimo. Abono salarial, que é um programa lá do governo Sarney (José Sarney, ex-presidente da república). A aposentadoria rural. A Lei orgânica da assistência social. Renda mensal vitalícia. O programa bolsa família. A universalização da saúde. Mais recentemente, algumas iniciativas muito interessantes, como ProUni, Fies (programas de financiamento para o ensino superior) e todo um esforço de educação técnica. É um desejo da nossa sociedade avançar na questão da equidade. Com mais ou menos eficácia - tem programas que fazem sentido e outros que não fazem - isso é uma discussão. Mas esse é o pacote que o eleitor quer. O que cada governo faz é muito em função do que está na agenda desse pacto. A segunda agenda, não. Ela tem uma diferença grande. É uma agenda para colocar o Estado - o setor público - interferindo no desenvolvimento econômico. É o Estado decidindo a alocação de capital. É o Estado fazendo microgerenciamento das políticas de impostos e das tarifas de importação para incentivar alguns setores escolhidos segundo certos critérios. É o Estado fazendo microgerenciamento da política de intermediação financeira. Além disso, tenta adotar teorias heterodoxas sobre o processo inflacionário que acabam interferindo na liberdade do Banco Central e tendo um impacto sobre a inflação. É uma agenda grande. Começou no governo Lula, antes de 2009. Mexe nos graus de independência das agências reguladoras. Coloca uma parte grande da regulação de volta para os ministérios e, além de colocar de volta para os ministérios, passa a ter muita discricionariedade na regulação de diversos setores da economia. Ou seja: ao invés de usar um sistema de regras e procedimentos, pesos e contra pesos, passamos a ter a mão pesada do Estado. A gente vê isso no setor de petróleo, no setor de energia elétrica. Até na reformulação do marco ferroviário, com a ideia de separação vertical - que eu acho que não vai funcionar. Foi uma má ideia. Tem uma lista longa. Esse pacote não é da sociedade. É um pacote de um grupo de pessoas que está no centro da formulação da política econômica e que avalia que essas medidas são necessárias para acelerar o crescimento econômico. A minha avaliação é que esse ensaio nacional desenvolvimentista deu errado. Deu tudo errado. Foi uma tragédia para o País. Foi adotado por motivos ideológicos e acho que ele tem de ser revertido.
O senhor fala que a agenda da sociedade pede uma social democracia. Mas agenda depende da situação fiscal, que hoje está na ordem do dia. Como o PSDB poderia conciliar a questão fiscal, hoje com limitações, com essa agenda da população?
Samuel Pessoa: Minha resposta a tua pergunta é: não sei. Mas quero esclarecer que não falo aqui pelo PSDB. Sou colunista da Folha. Escrevo aos domingos. Todo mundo sabe quais são as minhas ideias. Eu tenho um vinculo grande com o partido há muitos anos. Fui assessor do senador Tasso Jereissati durante sete anos. Foi uma experiência maravilhosa. Trabalhar com Tarso foi a atividade profissional mais interessante que eu tive. Foi um privilégio pertencer ao gabinete dele. Adicionalmente, acho que o presidente Fernando Henrique Cardoso foi o melhor presidente que a gente teve. Avaliar o País que ele pegou e o País que ele legou mostra isso. Eu gosto muito do Lula. O primeiro mandato do Lula foi espetacular. Mas frente aos desafios que a sociedade brasileira enfrentava em 94, acho que o legado de FHC é impressionante. Também acredito que a história já está dando a ele o devido crédito. Ele vai ser um desses homens festejados ainda em vida e espero que ele viva muito. Meus vínculos com o PSDB são imensos. Tenho conversado com o senador Aécio. Acho que ele é um candidato espetacular. Há um tempo, li uma entrevista do Paulo Bernardo que, inclusive, me deixou muito surpreso. Paulo Bernardo se referiu ao Aécio como se ele fosse um garoto de Copacabana. Isso é algo inacreditável quando você olha o currículo do Aécio. O Aécio cumpriu o caminho legislativo brasileiro inteiro. Foi líder na Câmara e no Senado. Foi governador oito anos. É difícil imaginar uma pessoa com tanta bagagem na política brasileira hoje. E ele é jovem, o que é surpreendente. É um jovem com a experiência de uma velho. É um candidato espetacular. Mas eu não estou discutindo com o candidato detalhes de política econômica.
Mas qual é a tua opinião?
Samuel Pessoa: Como eu falei, essa é uma agenda da sociedade. O que nós economistas podemos mostrar os custos e os benefícios das diversas opções. A gente pode redefinir os termos do contrato social. O que chamo de contrato social é uma série de programas, de seguros sociais e critérios, como valor do benefício. Este é o contrato que ela assinou com ela mesma e com o Congresso Nacional. Esse contrato tem implicações para a igualdade, para o crescimento econômico. Nós que atuamos de alguma forma nessa área - eu sou professor de economia, não sou economista, mas formado em física - podemos mostrar alguns caminhos possíveis. Mostrar custos e benefícios. Mas a decisão do que fazer nem é do candidato _ é da sociedade. A sociedade precisa ser informado. O presidente ou a presidente coordena, a partir do poder que tem de definir a agenda, já que no nosso presidencialismo de coalização o presidente muito pode. Mas o processo de tomada de decisão de como o contrato social vai evoluir é um processo que deve ocorrer no Congresso. Eu já falei muita bobagem na minha vida. É difícil encontrar uma pessoa que atue na minha área que não tenha falado uma bobagem. Mas entre todas, a que mais me causa arrependimento ocorreu num episódio em 2003 ou 2004 quando fui chamado para uma audiência pública no Senado para falar de salário mínimo. Eu falei contra o aumento do salário mínimo e sobre as questões fiscais. Me arrependo muito. Não acho que fui um bom auxiliar nesse caso. O Congresso me chamou para que eu o auxiliasse a pensar no problema e acho que minha intervenção foi péssima. Me dá dor de cabeça quando lembro. A minha mensagem foi careta - e estava tudo certo na mensagem careta. Primário tem que pagar dívida, juros tem que cair, tem que fazer primário. Mas quando se fala em política de valorização do salário mínimo é preciso lembrar que existem milhões de pessoas que vivem de salário mínimo. Tratar o aumento do salário mínimo como algo não importante, não dar atenção ao impacto sobre a vida de todas as famílias que dependem do salário mínimo, é uma enorme falta de sensibilidade política. Eu aprendi que o profissional de economia não tem muito a dizer sobre política de valorização de salário mínimo. Pode falar sobre custos, sobre benefícios, mas a decisão é certamente política. Quando eu falei das duas agendas, me referia a isso. Tem uma agenda que não só é políticas, por ser da sociedade, mas porque ela envolve questões distributivas profundas. A gente não sabe avaliar direito. Quem avalia isso é o político. A gente pode auxiliar fazendo conta, mostrando custo. A outra agenda, é mais técnica. O livro que eu estudei diz que tudo isso que foi feito está errado. Não é uma questão de menos distribuição de renda ou sobre visões diferentes do liberalismo. São visões diferentes sobre o funcionamento da economia e sobre o que é certo e o que é errado. Eu estudei em um livro e as pessoas que formulam a política econômica hoje estudaram outro livro. Evidentemente, a economia não é uma ciência dura. Elas podem estar certas e eu errado - tudo deu errado por outros motivos. Ou eu posso estar certo e elas, não - a coisa deu errado pelos motivos que eu acho. Essa é uma discussão infinita. É difícil ter uma conclusão, até pela natureza da disciplina de economia. Sobre essa questão do contrato social, tenho a mesma ideia desde 2006. Eu, Mansueto Almeia e Fábio Giambiagi falamos sobre isso em uma notinha no apêndice de um relatório de conjuntura econômica trimestral que havia no Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) e nunca mais mudei de ideia: o contrato social hoje requer que o gasto social cresça mais que o PIB. Esse é um dado.
Mas como resolver?
Samuel Pessoa: A solução não está na economia. A solução é política - e os políticos terão que resolver. O que a economia diz é: ou repactuamos, para que o gasto cresça mais lentamente, ou aumentamos a carga tributária, o que é legítimo, ou não fazemos nada e se soluciona com inflação - o que eu acho que a sociedade não quer. Mas nós que atuamos na área econômica temos apenas um papel, uma função: informar direito. Vamos pegar as manifestações do ano passado. A sociedade mostrou ter uma leitura diferente da minha e acho que essa leitura é muito equivocada. As sociedade acredita que dá para resolver todos os problemas do Estado combatendo a corrupção e suas ineficiências. Isso não é verdade. Combater a corrupção e as ineficiências do Estado é muito importante e precisa ser feito. É mais importante ainda quando se lembra que houve o ensaio nacional desenvolvimentista e destruição na governança de diversos setores da nossa economia - no setor de petróleo, no de energia, nas agências reguladoras. Construíram-se muitas ineficiências ao longo de anos de governo petista. Sendo bem específico: a gente gasta com o INSS algo como 7,5% do PIB. Tem uma tabela do Mansueto que todo ano a gente atualiza. Essa conta aumentou 3 pontos porcentuais do PIB nos últimos 20 anos. Essa conta não é cara porque tem um monte de falecidos ganhando indevidamente o benefício. Ou porque um monte de gente fraudou e está ganhando indevidamente o benefício. Ou porque um monte de gente que tem direito ao benefício conseguiu fraudar e recebe um benefício maior do que a regra permite. Isso deve existi em toda parte. Deve existir no Estados Unidos. É bem possível que seja um pouco pior no Brasil. Mas isso não representa o grosso. Medidas de gestão para resolver esses problemas não resolvem a questão estrutural - o fato de o contrato social requerer que o gasto público cresça a uma velocidade maior que o crescimento do PIB. Esse problema é estrutural. Essa questão vai ser tratada na esfera política, envolvendo executivo e legislativo. Os técnicos têm pouco a dizer a esse respeito.
Mas qual é a sua opinião - como compatibilizar a agenda social com a necessidade de financiamento público?
Samuel Pessoa: O processo eleitoral é que vai dizer o que fazer. A forma como a sociedade se pronunciar, a forma como o debate entre candidato e sociedade ocorrer é que vai dizer. Se eu disser o que quero, não vou falar como economista, vou falar como cidadão. Aliás, gente, eu não sou economista. Eu sou professor de economia e sou físico -- e apenas formado em física. Ser físico é para poucos. Não é o meu caso, infelizmente. Então, posso falar pelo cidadão Samuel, que é rico - todos nós aqui fazemos parte do 1% da sociedade mais rica. Até hoje, eu me penitencio pela aquela ida ao Senado, travestido de técnico. No fundo eu representava o cidadão. Isso me entristece até hoje. Eu confundi as duas personas. Por isso, acredito que agora não é momento para eu falar. Algum candidato contrario ao Aécio pode pegar alguma coisa que eu falar e apresentar em um programa para dizer: está vendo? O Aécio quer fazer isso. Um dos assessores dele disse que ele deve fazer isso.
Publicaram hoje uma entrevista do Aécio em que ele toca sobre vários pontos da economia. Dois deles chamam a atenção: ele acha que é preciso manter a política do salário mínimo e que o gasto não deve cresce acima do crescimento do PIB. Ele disse isso. Qual a tua opinião?
Samuel Pessoa: A política do salário mínimo e os atuais critérios de elegibilidade do INSS gera um dinâmica da previdência em que o crescimento é maior que o PIB. Tem sido assim nos últimos anos. Deve ter alguma ineficiência. É possível melhorar os mecanismos de controle. Mas não é isso que vai resolver. Para manter isso intacto, será preciso mexer em outras rubricas para que o gasto como um todo não cresça. Isso pode ser feito. Mas é preciso ver com o senador o que ele tem na cabeça. Eu acho que a aproximação do debate eleitoral, essas questões vão ser tratadas.
Olhando para a outra agenda, a nacional desenvolvimentista que o sr. criticou muito, o que é preciso mudar?
Samuel Pessoa: É preciso reduzir os créditos do Tesouro para bancos públicos. Foi um excesso. Foram os anos 70 voltando. O Geisel voltando. Parece um trem fantasma. É preciso consertar os preços. Novamente, isso também é um trem fantasma. Nos anos 70, na hiperinflação da redemocratização, por várias vezes, tentamos controlar preços segurando tarifa pública. Fizemos isso desde os anos 50. Nunca deu certo. O preço precisa ser real. Mas dizem: ahhhh, mas tem o problema da pobreza. Sim, mas o problema de pobreza a gente cuida com os mecanismos corretos - com um bolsa família, que é um instrumento poderoso, espetacular, que precisa ser valorizado e reforçado o tempo todo. Para mim, o presidente Lula marcou um enorme gol quando unificou os programas sociais, aumentou e potencializou os benefícios. Teve um impacto muito importante. As pessoas precisam ter uma garantia mínima de vida, sim, mas você faz isso com política de salário mínimo, com bolsa família, que dão uma renda para as pessoas. Mas os preços, da gasolina, da energia, precisam ser corretos. Isso precisa ser desfeito. Não gosto da política de desoneração. Acho que o senador tem uma opinião diferente da minha nesse aspecto. Eu sou um fiscalista. Acho muito ruim ter um superávit primário mais baixo quando as condições de endividamento do Estado não permitem. Acho muito ruim o risco-país, desde outubro, ter aberto 100 pontos em relação a México, Chile, Peru. Acho muito ruim a gente começar a fazer conta: será que essa dívida vai começar a crescer feito bola de neve? E eu acho que isso foi gerado por uma política desastrada de desoneração tributária. Tirando a desoneração sobre salário e sobre cesta básica, que têm benefícios óbvios e já deveriam ter sido adotadas há muito tempo, sou contrário as desonerações tópicas para esse ou aquele setor. A gente precisa reforçar a posição fiscal. O princípio de uma macroeconomia em ordem é um setor pública em ordem. A gente entrou numa crise muito profunda em 2008 e 2009 e houve muita competência por parte da equipe do ministro Mantega para enfrentar aquele episódio e tirar o País da crise. Um dos instrumentos adotados foi a política de desoneração. Eu acho que até exageram nos instrumentos contracíclicos em 2009. Não precisava de tudo que foi feito. Mas reproduzir a prática em 2011, 2012 foi um erro gigantesco. A economia brasileira já estava vivenciando uma realidade totalmente diferente. Por causa dessa política desastrada de desonerações ficamos com os ônus sem ter os bônus. O Tesouro Nacional ficou com os ônus, mas o País não teve os bônus da política. Também aumentaram imposto de importação, mas isso caiu. Foi uma boa medida cair. A gente agora via ter de enfrentar a inflação com uma posição fiscal sólida e um Banco Central independente. Uma boa medida é tentar passar no Congresso a independência formal do Banco Central.
Além da independência informal, que existia no governo de Fernando Henrique, o senhor acha necessária a independência formal?
Samuel Pessoa: Nunca fui um entusiasta da autonomia formal, porque é dessas coisas meio chatas: você só pode ter quando não precisa muito dela. É assim: se a sociedade não está convencida que é melhor fazer tudo que for necessário para combater a inflação, não é botando na veia que não vai ter inflação e que ela não vai existir. Vimos o exemplo da Argentina - botou na veia a conversibilidade, medida super dura, para não ter inflação. A sociedade não tinha resolvido o conflito distributivo e a inflação quando veio, veio pior. Amarras muito duras quando o amadurecimento da sociedade não é compatível com essas amarras pode ser contraproducente. Eu acho que a sociedade está demonstrando que está bem evoluída. Não está aceitando inflação. Nãos está reclamando que o Banco Central está subindo o juro. Acho que, talvez, a sociedade esteja madura para que tenhamos o instituto da independência formal do Banco Central.
Excluindo essa agenda que o sr. considera desastrosa, o que deve ser colocado no lugar para elevar o crescimento?
Samuel Pessoa: O tema crescimento também tem dois aspectos. Há um aspecto político. Crescer dói. Não é fácil. A China cresce 7% ao ano. Vai lá ver se está todo mundo feliz com aquele crescimento. A taxa de poupança de uma família chinesa é de 50% da renda. Poupando 50% da renda dá para crescer muito. Pergunta: a sociedade brasileira que poupar isso para crescer mais rápido? Ou tem outra escolha? Quer crescer mais lentamente? Esse são temas para os quais o profissional de economia não tem nada a dizer. Não é bom. Não é ruim. É uma escolha da sociedade. Isso bate no contrato social da redemocratização. Eu tenho dito, tenho escrito várias vezes - a sociedade brasileiro escolheu crescer pouco. Quer cresce de maneira mais sólida. A agenda da sociedade brasileira hoje não é crescimento. É equidade. O Brasil tem crescido e tem melhorado, mas no nosso ritmo, atendendo às nossas demandas. Por outro lado, o ensaio nacional desenvolvimentista piorou a situação, porque ele tira a eficiência da economia. Uma parte do nosso baixo crescimento é um padrão de escolha da sociedade. Mas outra parte do baixo crescimento, mais recente, no meu entender, vem da eficiência econômica e dos erros de política econômica que foram cometidos seguidamente a partir de 2009. Se for revertido, o Brasil cresce mais. Vou até dar a minha conta porque esse é um debate que temos feito. O Brasil está crescendo hoje 2 pontos porcentuais a menos do que crescia antes. O mundo cresce 0,6 a menos. A América Latina cresce 0,7 a menos. Nós estamos crescendo 2 a menos. Alguma coisa que aconteceu e fez com que a nossa desaceleração fosse muito maior do que a desaceleração do resto do mundo. É verdade que as economias estão interligadas e que o ciclo mundial é sincronizado, principalmente agora que o mundo é globalizado. O ciclo do Brasil é igual ao ciclo do mundo. Mas a gente abaixou mais. Por que? Bom, 0,6 ponto porcentual de queda foi provocada pelo mundo. E o resto? Você tem o esgotamento do fator trabalho, que deve explicar cerca de meio ponto porcentual de queda. Mas tem cerca de um ponto porcentual de perda - talvez um pouco menos - que no meu entender vem da ineficiência econômica e de uma certa desorganização que existe na economia. São as consequências na mudança do regime econômico que o ministro Mantega chamou de a nova matriz econômica. Isso está tirando um ponto porcentual do crescimento. Talvez a minha conta esteja exagerada e não seja tudo isso - seja 0,7 ou 0,8. Revertendo essa política, voltando ao regime anterior e avançando a partir de onde a gente estava antes, isso muda. O FHC não é o fim dos tempos. Ele fez o que era possível naquela janela de oportunidade nos oito anos que teve. Ele deixou muita coisa a ser feita. Nos primeiros anos do governo Lula, o País avançou muito, principalmente na área de crédito. Mas temos agora que desfazer as coisas erradas e continuar naquela toada.
O para frente nessa toada inclui o que?
Samuel Pessoa: Para atender as ruas, uma parte do trabalho é melhorar a eficiência do Estado. Essa é uma agenda que está parada. Falei isso inúmeras vezes. Desde o primeiro mandato de FHC, quando se fez muita coisa. Bresser Pereira passou pelo Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado. Depois a Claudia Costin deu continuidade. Mas até pela complexidade dos temas tratados no segundo mandato de FHC, essa agenda ficou um pouco parada. O governo petista não conseguiu tocar essa agenda. A questão da reforma administrativa inclui dar ao Estado instrumentos de gestão para fazer com que as pessoas que passaram no concurso público, mas que sejam funcionários ruins, possam ser demitidas Hoje o cara só é mau funcionário público se roubar. Se ele tiver um desempenho ruim que penalize a comunidade, ele fica. Essa é uma questão fundamental para atender as demandas das ruas. Foi uma pena o longo ciclo petista não trazer nenhum reflexão nessa direção. Gastaram muito tempo destruindo coisas que funcionavam bem. Um exemplo: o marcado regulatório do petróleo. Gastou-se energia do setor público que poderia ser endereçada para outros temas. No âmbito estadual, o Aécio, dentro do que é possível fazer com legislação estadual, fez muita coisa em Minas Gerais. Essa é uma agenda importantíssima para que se possa melhorar os serviços de saúde, educação e segurança. A gente não vai melhorar saúde, educação e segurança colocando mais dinheiro. Talvez até precise gastar um pouco mais com saúde, mas a questão, de forma geral, não é mais dinheiro. É preciso usar melhor o dinheiro - mas para usar melhor o dinheiro é preciso olhar o Estado por dentro. Tem também a eterna agenda da reforma tributária. A presidente Dilma reconheceu e os economistas que trabalham com ela estão cientes e se esforçaram para levar adiante. No entanto, acredito que perdemos uma chance preciosa. O ensaio nacional desenvolvimentista destruiu a situação fiscal. Só para vocês terem uma ideia. O primário recorrente neste ano, desconsiderando receitas extraordinárias, provavelmente vai ser 0,8 % do PIB. O primário em 2002 era 3%. Um pouco mais que isso. O ano de 2002 terminou com déficit de transações correntes acho que um pouquinho abaixo de 2 pontos porcentuais. Este ano vai fechar em 4 ou 3,9. O fiscal, além da perda da transparência e outros efeitos ruins, piorou muito. A gente perdeu a oportunidade de usar o espaço fiscal que tínhamos lá atrás para fazer um reforma tributária, negociando com os estados. Foi trágico. Quiseram reinventar o Geisel, ao invés de usar esse espaço fiscal para fazer a reforma tributária, que é muito importante. Agora, essa reforma tributária só vai sair se o executivo quiser muito e se ele tiver espaço fiscal, para poder liderar o processo.
Quando o senhor fala que elevar a eficiência do Estado, considera a possibilidade de reduzir o seu tamanho retomando as privatizações?
Samuel Pessoa: Quando a gente fala de tamanho do Estado também temos duas agendas - totalmente diferentes. Acho impossível diminuir o Estado Brasileiro. A sociedade não quer diminuir o Estado - e a sua escolha é legítima. A sociedade quer saúde pública, universal, integral. Quer educação pública. Quer um sistema abrangente de aposentadoria. Quer um sistema abrangente de seguros público - abono salarial, seguro desemprego - e programas sociais. Como a sociedade quer tudo isso, é impossível reduzir o Estado. Nesta dimensão, o Estado só vai mudar, se a sociedade mudar. Como eu acho que ela não vai mudar, o Estado não vai diminuir. Isso não está em discussão. Eu como cidadão posso gostar mais de um Estado grande ou pequeno. Posso preferir a Suécia aos Estados Unidos. A sociedade brasileira já tomou a sua decisão - prefere a Suécia. Essa escolha não está em xeque. Não é isso que se discute nessa eleição. O que se discute é modelo de intervenção na economia. Eu acho que é preciso mudar a intervenção direta na regulação da economia. Isso é um desastre.
Para o Brasil ser Suécia, precisa de qual modelo de crescimento?
Samuel Pessoa: Uma vez eu pensei nisso. Acho que o modelo nosso modelo é meio nosso. Há o modelo anglo saxão, que é pouco welfare e tem pouca intervenção direta do Estado na economia. Há o modelo europeu que é muito welfare e tem uma regulação mais dura do Estado. Há o modelo oriental, muito pouco welfare, mas com muita regulação. O nosso é único. Muito welfare e com uma regulação menor na economia. Acho que isso é possível e tem condições de gerar crescimento econômico. Talvez seja um modelo parecido com países como a Austrália.
Como você compararia a transição de 2002 com a de 2014.
Samuel Pessoa: São bem parecidas, mas com uma diferença: em 2002 a gente estava melhorando. Havia um monte de problemas na época, mas estávamos muito melhor que em 1994. Se eu comparar agora com 2010, pioramos. Vamos comparar os números de 2002 e 2014. Eu olhei hoje. A inflação em 2002 fechou em 12,5%. Muito alta. A inflação neste ano vai fechar em 6,5%. Fica parecendo que piorou, mas não é bem isso quando você abre a inflação. Serviços em 2012: 5,5%. Serviços hoje: 8,5%. Serviços é o componente mais duro da inflação. Sob o critério inflação de serviços, 2002 é melhor. Impressionante. Não tinha nenhum atraso tarifário em 2002. Agora, há um enorme atraso tarifário. Apesar de a inflação em 2002 ser mais alta, a sua composição era muito melhor. Superávit primário de 2002: 3% do PIB. Neste ano: 0,8%. Déficit de transação correntes em 2002: 1,7% do PIB. Neste ano, provavelmente 4%. Aparentemente, hoje a conta está mais alta. Se levarmos em conta a inflação represada e a dificuldade para reduzi-la, porque as expectativas estão muito contaminadas, podemos dizer que o desafio em relação a inflação em primeiro de janeiro de 2015 será maior que o desafio em janeiro de 2003. Em 2003 a inflação era alta, mas o câmbio estava super desvalorizado. Coisa que agora não há. O câmbio desvalorizado apontava uma inflação cadente.
Então 2015 será um ano difícil?
Samuel Pessoa: Sim. Todo mundo sabe que será um ano difícil. O povo já sabe.
O eleitor percebe todos esses problemas?
Samuel Pessoa: Demora. A situação de renda continua boa. A PME (Pesquisa Mensal de Emprego) da semana passada mostrou que, na comparação ano a ano, a renda ainda está crescendo 3%. É menos que antes, mas ainda é acima da produtividade do trabalho. O PIB cresce 2% e a renda cresce 3%. O desemprego ainda está baixo. Mas acho que há um desconforto. Eu li no jornal hoje que novos cálculo da consultoria de Mário Veiga apontam que a probabilidade de racionamento de energia mais profundo é de 46%. Se abril não for chuvoso, esse negócio piora. Não parece que abril vai ser mais chuvoso. Esse é um assunto delicado. A dificuldade do FHC para eleger o Serra esteve relacionada ao racionamento. O racionamento abortou a possibilidade de crescimento. Se não tivesse tido racionamento, talvez a economia estivesse bombando, houvesse recuperação da renda e isso seria suficiente para eleger o Serra. A questão energética vai pesar.
O senhor espera uma disputa eleitoral acirrada?
Samuel Pessoa: Essa é uma pergunta para consultor político. Eu acho que vai ter segundo turno. Apesar de tanto Aécio quanto Eduardo Campos não serem políticos conhecidos nacionalmente, são políticos profissionais. Aécio está há mais de 30 anos na política. Por causa dessa experiência, a Dilma vai ter dificuldades no debate no segundo turno.
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