25 de outubro de 2012, em Análise, Estratégia, Forças Armadas, Geopolítica, Política, Relações Internacionais, por Nicholle Murmel
Por: KEITH B., RICHBURG, THE WASHINGTON POST
Na China, ao lado da transição política, com a passagem do poder para novos dirigentes no próximo mês, uma mudança radical também ocorrerá na liderança do Exército de Libertação Popular, com a nomeação de uma nova geração de comandantes desse que é o maior Exército do mundo.
Num momento em que o país insiste nas suas reivindicações territoriais contra vizinhos, a Comissão Militar Central que governa de fato o Exército da China deve passar por uma impressionante renovação. Sete de seus dez membros do alto escalão, incluindo dois vice-presidentes, estão se aposentando e muitos outros postos do alto comando serão renovados.
Depois de anos de modernização, o Exército chinês tornou-se um protagonista cada vez mais poderoso, impulsionando o engajamento da China com o mundo. Alguns generais mais assertivos têm defendido publicamente uma linha diplomática mais dura em relação aos vizinhos asiáticos e aos EUA, tentando usurpar o que antes era uma área exclusiva do Ministério do Exterior. Mas o processo de promoção da comissão militar, que é secreto, parece ter sido obstruído com a destituição este ano de Bo Xilai, ex-governador da Província de Chongqing que tinha vínculos pessoais nas Forças Armadas. Pelo menos dois generais muito cotados para participar da comissão – Liu Yuan, comissário político da Academia de Ciência Militar, e Zhang Haiyang, comissário político do Segundo Corpo de Artilharia – foram deixados de lado por terem estreitas relações com Bo Xilai.
Após o escândalo envolvendo Bo, outros comandantes correram para manifestar sua lealdade a partido e ao seu secretário-geral, Hu Jintao, também presidente da China.
A transição militar também ficou um pouco incerta depois de rumores surgidos em setembro de que Hu tentaria se manter no posto de presidente da comissão militar após renunciar aos demais cargos do alto escalão que ocupa. Seria uma jogada de Hu para aumentar sua influência, o que poderia prejudicar seu sucessor designado, o vice-presidente Xi Jinping. O atual vice-presidente da comissão passaria a ocupar a cadeira de presidente com a saída de Hu.
Quando Hu assumiu a liderança, o ex-presidente Jiang Zemin manteve a presidência do Exército chinês durante dois anos. As tentativas de Hu suscitaram uma inusitada reação contrária dos militares. “Quando chega o momento de uma pessoa se aposentar, ela deve fazê-lo”, disse um general aposentado. “Não acho que uma pessoa deve usar esse recurso para ampliar seu mandato. Além do mais, a sucessão será menos independente. Cada um necessita da sua própria equipe.”
Xi Jinping, filho do herói revolucionário Xi Zhongxun, tem elos muito mais profundos com o Exército do que Hu e conhece muitos da safra mais jovem de oficiais. De meados de 1970 até 1982, Xi usou o uniforme de membro do serviço ativo e trabalhou como secretário de Geng Biao, que foi comandante do Exército de Libertação Popular, ministro da Defesa e secretário-geral da Comissão Militar Central. Xi acompanhou Geng Biao em visitas oficiais de delegações militares à Europa e em 1980 aos EUA. Muitos dos comandantes mais jovens nasceram depois de o Partido Comunista assumir o poder na China, em 1949. Como Xi e outros novos líderes políticos, alguns dos generais em ascensão são membros da “nobreza vermelha”, ou filhos de heróis revolucionários. Esses “pequenos príncipes”, como são chamados, nasceram com privilégios e sofreram a opressão da Revolução Cultural de Mao Tsé-tung, dos anos 1966-76, mas conhecem mais a China economicamente poderosa dos últimos 30 anos.
Ao contrário da geração mais velha, muitos desses comandantes jovens não têm nenhuma experiência de combate. O último importante conflito da China foi uma guerra de fronteira com o Vietnã em 1979, que durou 29 dias. Pouco se sabe o que esses novos líderes militares pensam. Somente alguns falam ou escrevem abertamente e muitos jamais dão entrevistas. Mas sua visão de mundo determinará de modo considerável se o poder militar crescente da China deverá alarmar a região e mais além, se um futuro confronto com os vizinhos ou os EUA será inevitável.
A China não torna público seus gastos militares totais, mas especialistas de todo o mundo estimam que as despesas subiram de US$ 20 bilhões em 2002 para no mínimo US$ 120 bilhões no ano passado. É uma fração dos gastos militares dos EUA, mas para alguns analistas o orçamento militar da China deve ultrapassar o dos EUA em 2035.
As tendências políticas dos novos líderes militares também poderão determinar se o Exército continuará a ser o principal pilar de apoio do Partido Comunista. Desde que foi convocado para reprimir as manifestações pró-democracia na Praça Tiananmen em 1989, o Exército tem trabalhado para tornar a Polícia Armada do Povo uma entidade separada direcionada para controlar distúrbios, com competência para garantir a segurança interna. Assim, o Exército regular pode se concentrar na sua tarefa de modernização e se tornar uma força profissional, em vez de ser utilizado novamente como instrumento de controle interno. “O Exército e a polícia armada devem ter funções separadas”, afirmou o general Luo Yuan numa rara entrevista. “A polícia armada deve controlar assuntos domésticos e o Exército se concentrar na defesa.”
Dennis Blasko, ex-oficial da inteligência militar americana e ex-adido militar em Pequim, diz que, depois de 1989, “o Exército de Libertação Popular entendeu que sua reputação estava prejudicada e não desejava passar por aquela experiência novamente”.
Segundo Luo, “os novos líderes virão com experiências diferentes, qualidades diferentes e personalidades distintas da última geração e isso certamente afetará seu estilo de trabalhar”. Entre outros atributos, os comandantes nascidos nos anos 50 são mais cultos – muitos têm curso superior e a maior parte trabalhou no campo durante a Revolução Cultural, o que significa que “compreendem as bases”, disse Luo.
Alguns analistas estrangeiros se preocupam com a possibilidade de essa geração mais jovem estar ansiosa para provar sua têmpera. “Existe um real antagonismo com relação aos EUA. O alarmante é que, à medida que esse grupo de oficiais acredita que os EUA estão determinados a persegui-los, seu Exército também se aprimora”, afirmou Dean Cheng, analista da Heritage Foundation em Washington. “Observamos um Exército mais confiante, mais arrogante e impulsionado por uma liderança política de certa maneira ávida para mostrar o quanto ele melhorou. Tudo o que você necessita é que alguém faça algo estúpido”, acrescentou Cheng.
Outros concordam que o real problema pode decorrer de alguma coisa fortuita. Por exemplo, com mais forças marítimas operando nos mares do sul da China e da China Oriental, Dennis Blasko diz estar “cada vez mais preocupado com a possibilidade de ocorrer alguma coisa que possa levar a uma escalada”.
Tão importante quanto a perspectiva de mundo dos novos comandantes é a sua opinião sobre a necessidade de uma reforma do sistema político leninista retrógrado da China. Lin Yuan, filho de Liu Shaoqi, líder da era Mao, num discurso em janeiro, alertou que a corrupção está tão profundamente arraigada que se tornou uma ameaça para o partido e o Exército. “Prefiro arriscar minha posição do que desistir de combater a corrupção até o fim”, afirmou para algumas centenas de autoridades.
O general Liu Yazhou, comissário político da Universidade de Defesa Nacional e considerado um “pequeno príncipe” por seu famoso sogro Li Xiannian, chocou as pessoas em 2010, com um ensaio provocativo publicado numa revista de Hong Kong, em que defendia mais democracia. “Se um sistema não consegue deixar seus cidadãos respirarem livremente e liberarem sua criatividade ao máximo, está fadado a perecer”, escreveu.
Essas palavras poderiam ser consideradas subversivas num outro contexto. Mas Liu há meses foi promovido a general por Hu Jintao, que vem colocando seus fiéis partidários nos altos escalões da comissão. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINOT
FONTE: The Washington Post via O Estado de S. Paulo
IMAGEM: China Daily
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