Caras e caros,
tenho me dedicado, nesses dias, a escrever alguns textos bastante longos — e, felizmente, muito lidos —, sobre a degeneração em curso de alguns valores essenciais de um regime democrático. É o que continuo a fazer hoje. Se acharem que o tema é pertinente e toca em questões importantes para uma vida civilizada, passem-no adiante, debatam-no com os amigos. Vamos lá.
tenho me dedicado, nesses dias, a escrever alguns textos bastante longos — e, felizmente, muito lidos —, sobre a degeneração em curso de alguns valores essenciais de um regime democrático. É o que continuo a fazer hoje. Se acharem que o tema é pertinente e toca em questões importantes para uma vida civilizada, passem-no adiante, debatam-no com os amigos. Vamos lá.
Alguns brucutus, fascistóides ou comunistóides cuja ideologia anda de quatro para se adequar à morfologia dos pensadores, enviam seus comentários para cá alardeando um dos clichês que fazem a sabedoria dos broncos: “Quem não deve não teme” — quase invariavelmente, eles espancam a gramática e põem uma vírgula depois de “deve”, que é para deixar claro que gostam de um conteúdo estúpido numa forma também estúpida. Defendem, com raciossímio tão sofisticado, a convocação de jornalistas e do Procurador-Geral da República pela CPI do Cachoeira.
Há coisa de três ou quatro anos, escrevi uma série de textos aqui lastimando a banalização dos grampos telefônicos, levados a efeito por entes públicos ou privados. Advogados criminalistas, juristas e policiais responsáveis sabem que estou dizendo uma verdade incontrastável: se, nos EUA, escutas telefônicas são um dos últimos recursos a que apela a polícia, no Brasil, virou o primeiro e, não raro, o único. Como resultado, costumamos ter inquéritos com notável deficiência de provas, o que é bom, em primeiro lugar, para os criminosos. Mas meu ponto não é esse. Critiquei, naquele passado, o festival de escutas, que simplesmente tornou sem efeito um direito constitucional — já que há milhares de arapongas atuando ilegalmente —, e tive de ouvir o alarido dos tontos: “Quem não deve não teme”.
Vocês pararam para pensar um pouco no sentido dessa frase? Nas suas implicações? No que ela pode significar na prática? Reflitam aqui com o Tio Rei. Ela não poderia ser divisa de um estado democrático porque seu conteúdo faz supor uma permanente vigilância dos indivíduos, de sorte que qualquer um pode ter a sua vida vasculhada, esquadrinhada, virada do avesso. Ora, nas democracias, isso só é possível com o devido processo legal. Logo, não se diz “quem não deve não teme” porque, nesses regimes, não há motivos para temer. Mas ela poderia estar, por exemplo, inscrita na bandeira da Coréia do Norte ou de Cuba, onde todos têm até o dever moral de temer, já que os direitos individuais cederam às razões de estado. Assim, cumpre a cada cidadão demonstrar ao “líder” que sua vida segue os preceitos do estado. Sabem aqueles choros coletivos da Coréia do Norte pela morte de Kim Johng-Il? A minha hipótese mais terrível não é aquilo ser uma uma farsa imposta pelo estado. A minha hipótese mais terrível é aquele choro ser… sincero!
“Quem não deve não teme” é, em suma, um lema apropriado aos estados totalitários, autoritários ou que assistem à degeneração da democracia. E, como é próprio de países assim — George Orwell, magistralmente, tratou a questão no livro “1984″, com a “novilíngua” —, as palavras devem ser tomadas sempre pelo avesso. Se a democracia não é um valor inegociável e se as liberdades individuais e públicas estão sob ataque, MAIS TEM DE TEMER QUEM NADA DEVE. Porque há uma grande chance de os devedores estarem no poder e no comando do aparelho do estado.
“Quem não deve não teme”, proclamava, ainda que com outras palavras, Stálin durante os Processos de Moscou — que matou devedores e não-devedores; afinal, o critério não era culpa ou inocência, mas uma “higienização política” do sistema. “Quem não deve não teme”, proclamou, ainda que com outras palavras, Hitler, que matou milhões de inocentes. “Quem não deve não teme”, proclamam hoje ditadores mundo afora e chicaneiros aqui mesmo na América Latina, a exemplo do que se vê na Argentina, na Venezuela ou no Equador!
“Quem não deve não teme”, poderia proclamar, com o seu estilo muito característico, o senador Fernando Collor de Mello (PTB-AL), um dos entusiastas da convocação de jornalistas e do procurador-geral da República! Que figura este senhor! De adversário feroz do PT, virou uma espécie de laranja de José Dirceu e dos mensaleiros na CPI! “Quem não deve não teme”, esgoela-se o deputado Protógenes Queiroz (PCdoB-RJ), ele próprio um usuário dos serviços de Dadá, um dos operadores de Carlinhos Cachoeira, e delegado indiciado pela própria Polícia Federal. Patriotas desse naipe querem, agora, criminalizar o trabalho limpo da imprensa, abusando do que já é uma clara violação de uma prerrogativa constitucional: o sigilo da fonte.
Há, ainda, outro sentido oculto nessa frase, que não encontra lugar numa sociedade democrática. Ela supõe que as pessoas devam, de saída, ainda que não sejam formalmente acusadas de nada, provar a sua inocência, invertendo de forma absoluta um primado das sociedades democráticas e de direito: quem o acusa de uma crime é que tem de provar a sua culpa. Só nas tiranias se exige que o indivíduo prove que não fez determinada coisa, o que é um absurdo, em primeiro lugar, lógico. No dia em que um cidadão for obrigado a produzir prova negativa, então estaremos vivendo, certamente, sob uma ditadura.
Os tontos, como se eu não soubesse o que vão escrever e o que pensam, têm reagido a esses textos que escrevo com o esgar de sempre: “Ah, está com medo, né?” Medo de quê? De tudo o que já se ouviu à farta, evidenciando a conversa de um jornalista com sua fonte — a exemplo do que acontece com todos os jornalistas do mundo? Ora… Essa gente tem o direito de ser ridícula — e eu, de chamá-la de ridícula. MEDO NENHUM! ZERO! NADA! O que me interessa é outra coisa.
O QUE ME INTERESSA É SABER QUAIS SÃO OS SENADORES E DEPUTADOS DA CPI — a disposição de Collor e Protógenes, por exemplo, eu já conheço; afinal, eles têm uma biografia, não é? — QUE VÃO PROPOR ESTE PASSO PERIGOSO: SOB O PRETEXTO DE CHAMAR JORNALISTAS PARA DEPOR COMO TESTEMUNHAS, QUEREM PÔR A IMPRENSA — TODA A IMPRENSA — NO QUE PRETENDEM QUE SEJA NÃO O BANCO DAS TESTEMUNHAS, MAS O BANCO DOS RÉUS. E por quê? Qual é a acusação? Ora, aproveitem e convoquem para um desagravo todos aqueles que Dilma demitiu, diante de uma fartura de evidências. Pretende-se, assim, atravessar uma linha que só a ditadura ousou atravessar antes. Não se esqueçam de dar junto um golpe de estado com pretensões à perenidade. Só assim a história lhes faria justiça…
“Impunidade para a imprensa”? Não sejam ridículos! Impunes querem continuar os que pretendem usar a CPI para “dar uma lição nesses jornalistas”. Em nome de quais valores? Ora, justamente porque a imprensa nada deve nesse caso é que deve temer. Temer o quê? Eventuais evidências que possa haver no papelório e nas fitas? Uma ova! Não há nada porque nada se fez de ilegal. O que se deve temer é o claro arreganho autoritário, a agressão a um princípio constitucional QUE TEM SERVIDO PARA TORNAR MELHOR O BRASIL, NÃO O CONTRÁRIO.
Se os senhores parlamentares têm uma acusação à imprensa ou a este ou àquele jornalistas, que recorram à Justiça! Ou, então, entrem para a história como os coveiros da liberdade da imprensa, incluindo o Brasil na lista dos países em que mais tem de temer quem nada deve.
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