| 02 JANEIRO 2012
INTERNACIONAL - AMÉRICA LATINA
INTERNACIONAL - AMÉRICA LATINA
Nota da tradutora: A Justiça colombiana, em todas as suas instâncias, tem perseguido os ex-membros do governo do presidente Uribe e já conseguiu, através de fraudes, testemunhas falsas ou malabarismos jurídicos, pôr muitos - inclusive ex-ministros - na cadeia. O país tomou conhecimento há poucos dias de que a senhora Viviane Morales, que ocupa o altíssimo cargo de Promotora Geral do Ministério Público da Nação, refez seu casamento com um “ex” terrorista do bando comunista M-19, o ex-congressista Carlos Alonso Lucio.
O Dr. Luis Carlos Restrepo ocupou o cargo de Alto Comissionado para a Paz no governo Uribe, cuja função era servir de mediador entre as guerrilhas e o governo quando aquelas anunciavam a libertação de seqüestrados em seu poder. E foi nesta atividade que o Dr. Restrepo teve oportunidade de conhecer as relações do atual marido da promotora Viviane Morales com para-militares.
Há, evidentemente, um conflito de interesses e que exige a deposição desta promotora do cargo que ocupa, pois em nenhum país democrático do mundo, onde vige o Estado de Direito, uma promotora pode julgar com isenção tendo como marido um membro de uma das partes diretamente envolvidas no conflito. Nesse sentido, o Dr. Restrepo escreveu a carta que segue abaixo à Drª Viviane Morales que lhe deu como resposta acusações graves e infundadas, numa clara demonstração de perseguição política, atitude que tem sido regra, e não exceção, nos que ocupam os mais altos cargos da Justiça colombiana no governo de Juan Manuel Santos.
Bogotá, 16 de dezembro de 2011
À Dra. Viviane Morales Hoyos
Promotora Geral da Nação
Respeitada doutora:
Em torno da polêmica pública que se desatou sobre a relação do ex-congressista Carlos Alonso Lucio com os grupo ilegais de auto-defesas, durante a negociação de paz que tais grupos mantiveram com o Governo Nacional, tanto meu nome como o do Departamento a meu encargo durante a administração do Presidente Álvaro Uribe Vélez, foram mencionados. Cito um exemplo: no dia de ontem, 15 de dezembro, em sua coluna no jornal El Tiempo intitulada “Reflexão necessária”, o ex-ministro do Interior e Justiça, Fernando Londoño Hoyos, afirma referindo-se aos vínculos do Dr. Lucio com os para-militares: “E Lucio, por assessorar alguns, bem identificáveis, teve que ser expulso do recinto pelo Comissionado da Paz”.
Fui requerido por alguns meios de comunicação para que me pronuncie sobre o tema. Embora sejam fatos que não têm especial reserva, sendo conhecidos ademais por outras pessoas, preferi manter-me distante do debate público. Entretanto, dada a importância do assunto e da condição privilegiada em que me encontrava como Alto Comissionado para a Paz, tive conhecimento em primeira mão de eventos que considero que a Senhora deve conhecer de forma direta, sem mediações que possam alterar o conteúdo do meu relato. Por tal motivo, decidi enviar-lhe esta missiva a seu Gabinete dando conta do ocorrido.
É sabido publicamente que desempenhei o cargo de Alto Comissionado para a Paz durante a administração do presidente Álvaro Uribe Vélez, entre os anos de 2002 a 2009. Enquanto adiantava conversações de paz com os grupos de auto-defesas na Zona de Localização Temporal de Santa Fe Ralito, em Tierralta-Córdoba, tive conhecimento durante o segundo semestre de 2004 da assistência do ex-congressista Carlos Alonso Lucio à tal zona, ao que parece como assessor deste grupo ilegal. Em algumas ocasiões, ao chegar ao aeroporto de Montería, encontrei estacionado um avião privado que transportava o senhor Lucio até essa cidade, desde onde se deslocava ao município de Tierralta.
Soube da presença do senhor Lucio em Santa Fe Ralito por comentários de terceiros, e depois, por declarações dele ao jornal El Espectador, com referência às suas atividades. Devo esclarecer que em nenhum momento fomos informados das intenções do senhor Lucio, nem ele solicitou autorização ao Governo Nacional para adiantar trabalhos de paz com grupos ilegais. Não obstante, em suas declarações públicas ao mencionado jornal, ele dava a entender que o Governo estava a par de suas gestões, assunto que me gerou dissabores, pois não era verdade.
No começo do mês de setembro de 2004, ao chegar à Zona de Localização de Ralito para uma reunião de rotina com as auto-defesas, me encontrei de surpresa com o senhor Lucio conversando com alguns chefes desse grupo. De imediato, e na presença de todos, recriminei suas declarações públicas e pedi para esclarecer em que condição ele se encontrava na Zona de Localização Temporal, pois só podia fazê-lo como representante do Governo ou como membro das auto-defesas. E era claro que, neste caso, ele não representava o Governo Nacional. O senhor Lucio desistiu de polemizar comigo e retirou-se sem discutir, enquanto eu ingressava com alguns chefes das auto-defesas à reunião de rotina.
A mencionada reunião, liderada por Salvatore Mancuso, desenvolveu-se em um debate tenso. Trataram-se inicialmente de temas sobre o funcionamento da zona, e eu fiz de novo a pergunta sobre a presença do senhor Lucio lá, ao qual o senhor Salvatore Mancuso respondeu de maneira irada, argumentando que eles tinham liberdade para convidar quem quisessem. Foi então quando em um momento acalorado e em sinal de autoridade, dei um golpe sobre a mesa recriminando sua postura. A sessão estava sendo gravada clandestinamente pelas auto-defesas e poucos dias depois, essa parte da reunião, editada por eles para esconder os motivos do debate, foi filtrada aos meios de comunicação, que repetiram várias vezes em suas emissões de rádio e televisão, minha voz irada e o golpe sobre a mesa. A partir deste episódio, o senhor Mancuso negou-se a se reunir de novo comigo e empreendeu ações para tratar de tirar-me da mesa de diálogo, as quais não tiveram êxito pelo apoio que então me deu o senhor Presidente da República, doutor Álvaro Uribe Vélez.
Voltei a saber do senhor Lucio semanas depois, quando me pediu uma entrevista na cidade de Bogotá, para conversar pessoalmente. Dada a tensão que se vivia dentro do processo com as auto-defesas e como um gesto de abertura por parte do Comissionado da Paz, aceitei ouví-lo. Na tal reunião me propôs, dentre outras coisas, que lhe desse autorização para levar alguns chefes das auto-defesas a um encontro com autoridades venezuelanas, o qual me pareceu insólito. Ele argumentava interesse de tais autoridades no processo e um possível apoio econômico da parte do governo daquele país à reinserção. Neguei-me a aceitar suas propostas, por considerá-las inconvenientes e irrealizáveis.
Dias depois, em novembro de 2004, enquanto me encontrava no aeroporto de Villavicencio em trânsito para uma zona rural nos planos orientais para adiantar trabalhos relacionados com o meu cargo, recebi através do comutador da Presidência uma chamada do senhor Lucio, pedindo-me que o acompanhasse a uma viagem que realizaríamos em data próxima à República da Líbia, para um encontro do presidente venezuelano, Hugo Chávez, com o senhor Kadaffi. Disse-me que Kadaffi estava disposto a dar-nos 100.000 dólares de apoio ao processo de paz. Pareceu-me tão insólita e, para dizer a verdade, tão delirante sua proposta, que me neguei de maneira rotunda, lembrando-lhe que eu era o Comissionado para a Paz do Governo da Colômbia. A conversação terminou com reprovações de sua parte, dizendo-me que com minha atitude eu não contribuía para que o processo avançasse.
No começo do ano de 2005, na reunião que mantivemos em meu gabinete, onde o recebi novamente para dar mostras às auto-defesas de minha abertura ao diálogo, ele me estabeleceu que estava em condições de pôr em marcha uns projetos produtivos no estado do Vichada, tendo como recurso humano os membros de um grupo de auto-defesas que, sob o comando de “Macaco”, iam se desmobilizar na tal zona. Novamente falou de acordos com setores venezuelanos para assegurar a montagem dos projetos e da comercialização dos produtos. Dadas as dificuldades que já se faziam patentes pelos rumores sobre uma compra maciça de terras nesse estado por parte do mencionado chefe das auto-defesas, e as limitações que tinha a montagem de um projeto produtivo com pessoas que fizeram parte de um grupo ilegal sem que mediasse o processo de justiça e paz, disse-lhe que não podia aceitar tal proposta. Foi a última vez que vi o senhor Lucio, com quem não voltei a ter contato até o dia de hoje.
Quero comentar-lhe, entretanto, dois fatos adicionais que têm relação com o já descrito. Em primeiro lugar, soube depois que alguns membros das auto-defesas teriam se transferido, sem conhecimento do Governo colombiano, a território venezuelano, para manter uma reunião com funcionários desse país, encabeçados pelo diretor da DISIP - polícia política - da nação vizinha. Que, ao que parece, mantinham contato com eles. E inclusive me foi informado da presença de um delegado do governo da Líbia na zona de Ralito, encarregado de falar com membros das auto-defesas, fato que, se tivesse acontecido, aconteceria sem nossa autorização.
No começo do ano de 2006, já desmobilizadas boa parte das auto-defesas, alguns chefes de tais grupos me expuseram que haviam recebido convite das autoridades venezuelanas para viajar a seu território, porém que dada sua nova condição de desmobilizados queriam fazê-lo com nossa autorização, pelo que me pediram para consultar o mais alto nível. Respondi-lhes que tal encontro era inconveniente e que se abstivessem de fazê-lo. Entretanto, soube por eles mesmos que, sem esperar nossa autorização, tal reunião havia se realizado.
Em segundo lugar, quero comentar um episódio anterior a meu desempenho como Alto Comissionado para a Paz, que explica em parte minha desconfiança às atividades do senhor Lucio, não obstante que nunca deixei de manter uma relação formal com ele, como figura pública que era, e em uma ocasião, tive inclusive a oportunidade de compartilhar fugazmente com ele e a Senhora nas imediações do parque El Virrey, onde os encontrei em uma caminhada a pé num dia de descanso.
Trata-se de um acontecimento ocorrido durante a administração do presidente Ernesto Samper. É conhecida minha postura pública, mantida há vários anos e argumentada em livros, artigos acadêmicos e entrevistas, a favor da despenalização do uso de drogas e da procura de uma alternativa diferente à criminalização para o consumo de psico-ativos. Por tal motivo, e em companhia de outros investigadores e acadêmicos, fui contatado pelo Representante Carlos Alonso Lucio, com o propósito de conformar um Comitê que mostrasse ao país os danos colaterais que a proibição ocasiona. Estabeleceu-se inclusive escrever e publicar um manifesto, convocando muitos setores para que se vinculassem a uma ação que permitisse tirar nosso país da encruzilhada à qual a denominada “guerra contra as drogas” o conduzia.
Estávamos nas conversações iniciais para definir nosso modo de ação, quando soube pelos meios de comunicação que o senhor Lucio se encontrava reunido em uma penitenciária de Bogotá com um dos irmãos Rodríguez Orejuela, quando este havia sofrido um enfarte cardíaco que obrigou sua transferência a um centro hospitalar. Aborrecido pela notícia, me recriminei dois dias depois quando pude falar com ele, pois não tinha conhecimento de que ele mantivesse esse tipo de relações quando estávamos a ponto de fazer uma convocatória pública em torno a um manifesto favorável à despenalização das drogas. Respondeu-me igualmente aborrecido, dizendo-me com certo desembaraço que, de onde eu acreditava que ele ia tirar o dinheiro para a campanha que adiantaríamos, senão deles?
Tendo em vista que estávamos a poucos dias de publicar na imprensa nacional um manifesto, em cuja elaboração havia contribuído, disse-lhe que não podia acompanhá-lo como membro do Comitê e sugeri a outras pessoas que faziam parte desse organismo que nos retirássemos. Com efeito, assim sucedeu. O senhor Lucio publicou o manifesto só com seu nome, liderando a partir desse momento uma campanha nacional de cujo desenvolvimento não tive nenhum conhecimento adicional.
Espero, senhora Promotora, que estes fatos, relatados de maneira objetiva, sejam de seu interesse, dada a Instituição que dirige. Por minha parte, não me corresponde avaliar se ajustam-se ou não à lei, ou se trata-se de ações pela paz ou tinham outros propósitos. Em torno a eles sempre mantive discrição, pois tenho claro que não é de minha competência julgar as ações dos cidadãos. Se esse fosse o caso, são outras as instâncias às quais corresponde fazê-lo.
Atenciosamente,
Luis Carlos Restrepo Ramírez
Ex-Alto Comissionado para a Paz
Ex-Alto Comissionado para a Paz
Tradução: Graça Salgueiro
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