Recursos foram 'empenhados', mas não 'liquidados' e 'pagos' porque o investimento não foi realizado; montante triplicou desde 2007
08 de julho de 2012 | 3h 06
RAQUEL LANDIM - O Estado de S.Paulo
O governo federal já acumula em caixa R$ 59 bilhões para investimentos públicos, que não conseguiu gastar. Esse valor é referente a obras previstas nos orçamentos anuais da União que não saíram do papel. Os recursos foram "empenhados", mas não "liquidados" e "pagos" porque o investimento ainda não foi realizado. No jargão técnico, são os chamados restos a pagar.
O montante triplicou desde 2007, quando foi lançado o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Naquele ano, estava em R$ 19 bilhões, conforme levantamento do economista Mansueto de Almeida com base em dados do Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal (Siafi). Esses valores são só restos a pagar comprometidos com investimentos, e não incluem os de custeio das despesas do Estado.
Boa parte desse dinheiro fica no caixa do governo por vários anos seguidos. Em janeiro, o volume de recursos "reinscritos" - que já vinha de anos anteriores a 2011 - somava expressivos R$ 20,7 bilhões.
Em 2007, eram apenas R$ 1,84 bilhão - ou seja, multiplicaram por dez em seis anos. "Os valores sugerem que as previsões de investimento são infladas e não se transformam em obras efetivas. Estão acima da capacidade de execução do governo", disse Almeida.
Falta de eficiência. A falta de eficiência da máquina pública e a complexidade do processo são as principais razões da incapacidade de realizar obras. Os problemas começam nas licitações, que muitas vezes são questionadas na Justiça, passam pela dificuldade de obter licenças ambientais, autorizações do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e da Fundação Nacional do Índio (Funai), e chegam até a paralisações de obras pelo Tribunal de Contas da União (TCU) por irregularidades.
De acordo com Francisco Gil Castello Branco, secretário-geral da ONG Contas Abertas, um relatório do Banco Mundial apontou que, entre o governo brasileiro tomar a decisão de realizar um grande investimento e a obra efetivamente começar, demora, em média, três anos e dois meses. "O Brasil não tem o hábito de investir há muito tempo."
Os restos a pagar começaram a crescer nos anos 2000 por conta do contingenciamento que o País era obrigado a fazer para cumprir as metas fiscais acertadas com o Fundo Monetário Internacional (FMI). O ajuste era feito na "boca do caixa", cortando investimentos para cobrir despesas de custeio. Na época, não havia espaço fiscal para mais investimentos.
Com o "boom" das commodities e o crescimento do mercado interno, a economia brasileira cresceu, elevando a arrecadação. O problema agora não é falta de dinheiro - embora, mesmo que conseguisse, o governo não poderia gastar os R$ 59 bilhões acumulados ao longo dos anos ao mesmo tempo, porque comprometeria a meta de superávit primário. Mas poderia elevar os investimentos em R$ 5 bilhões a R$ 10 bilhões no ano sem problemas. Também não falta foco, já que a equipe econômica identificou que elevar os investimentos é o caminho para o crescimento sustentável. Segundo os analistas, a questão é a capacidade gerencial.
"A partir do PAC, houve um esforço estruturado para investir mais, mas a máquina não consegue dar conta", diz Claudio Frischtak, sócio da consultoria InterB. Após o fim do ajuste na "boca do caixa", a execução do investimento público melhorou, mas ainda está longe do ideal. Em 2004, o governo executou apenas 26,3% dos investimentos previstos. Em 2011, esse porcentual estava em 43,3%.
Faxina. Na administração Dilma, outra questão aumentou ainda mais a dificuldade de investir. A "faxina" promovida pela presidente para combater a corrupção em alguns ministérios teve o efeito colateral negativo de desorganizar a administração pública e travar os investimentos. No ano passado, esse efeito ajudou a conter a inflação e era discretamente comemorado no governo. Hoje a paralisia dos investimentos atrapalha a recuperação da economia.
No primeiro semestre do ano, o governo desembolsou R$ 18,9 bilhões para investimentos, apenas 2,1% acima dos R$ 18,5 bilhões do mesmo período de 2011, mas ainda inferior ao primeiro semestre de 2010, conforme o Contas Abertas. Dilma tem feito um esforço para reduzir os restos a pagar, que responderam por 74% do total investido. O problema é que isso acaba comprometendo o orçamento e cria uma "bola de neve". Procurado, o Tesouro não deu entrevista.
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