sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

'Nada foi feito pela nossa segurança', afirma juiz federal


Entrevista: Gabriel Wedi


Juízes federais fazem paralisação nesta quarta para pedir garantias contra a violência. Categoria também quer reajuste e critica teto para aposentadorias

Gabriel Castro
"Em junho, eu disse que se nada fosse feito, um juiz seria assassinado em pouco tempo, porque a situação estava insustentável. Um mês e meio depois, a juíza Patrícia Acioli foi assassinada em via pública com 25 tiros de calibre 45"
Gabriel Wedi, presidente da Ajufe
Cerca de 2.000 juízes federais de todo o país vão cruzar os braços nesta quarta-feira. A paralisação, que ocorre em conjunto com outros 3.600 magistrados do Trabalho, tem como intuito cobrar melhorias nas condições de exercício da profissão e também reajuste salarial. Os juízes pedem, ainda, a aprovação pelo Congresso do Projeto de Lei 3, de 2010, que cria um órgão colegiado de magistrados para julgar casos de narcotráfico. O texto também prevê a criação de uma polícia judiciária composta basicamente pelos agentes de segurança presentes em todas as varas federais. Eles suprem a falta de policiais federais nas escoltas de magistrados ameaçados. Ao site de VEJA, o presidente da Associação dos Juízes Federais (Ajufe), Gabriel Wedi, afirma que o movimento vai cobrar do governo federal e do Legislativo uma postura mais enfática em relação aos temas - e lembra que nada foi feito em prol da segurança dos magistrados desde a morte da juíza Patrícia Acioli, em agosto.
A segurança oferecida aos magistrados hoje é insuficiente? Não há segurança. O próprio ministro da Justiça e a Polícia Federal já admitiram isso. Hoje, nossos agentes de segurança trabalham desarmados, enquanto os criminosos portam armamentos iguais ou mais pesados que os do Exército. Além disso, muitas vezes os seguranças são desviados de suas funções para trabalhar de motoristas nos fóruns, nos cartórios os varas federais. O Projeto de Lei 3 autorizaria, também, nossos agentes a portarem armas.
O que foi feito para aumentar a segurança dos magistrados desde a morte da juíza Patrícia Acioli? Antes mesmo da tragédia, em 27 de abril, já havíamos feito uma paralisação. Mas nenhuma reivindicação foi atendida. Nada foi feito pelo governo para nos dar segurança até agora. Uma juíza foi assassinada e nenhuma atitude foi tomada. Ainda querem que se aprove um Projeto de Lei que prevê um agente de segurança desarmado para fazer a seguraça dos juizes federais. A Ajufe sugere a criação de um colegiado de juízes para julgar o narcotráfico e o crime organizado internacional, nos mesmos moldes do que foi criado na operação Mãos Limpas na Justiça da Itália, quando se levou quase 1.000 mafiosos à cadeia. O que desencadeou esse processo foi o assassinato de dois juízes. E, no Brasil, já são seis juízes e promotores assassinados nos últimos oito anos. A situação é alarmante. Em junho, eu disse que se nada fosse feito, um juiz seria assassinado em pouco tempo, porque a situação estava insustentável. Um mês e meio depois, a juíza Patrícia Acioli foi assassinada em via pública com 25 tiros de calibre 45.
Quais outras reivindicações estão em pauta? Estamos defendendo a Previdência Pública integral. O magistrado repassa quase 3.000 reais por mês para Previdência e nós estamos lutando para que não ocorra o absurdo que aconteceu com a onda de corrupção nas privatizações que quebraram a Previdência Pública no Chile e na Argentina. Temos que nos precaver dos interesses econômicos dos grandes fundos de pensão e até mesmo de grupos internacionais. Um projeto que tramina hoje no Congresso acaba criando juízes que contribuem com recolhimento integral e recebem parcialmente. O cálculo atuarial não fecha. Você recolhe para uma aposentadoria integral e recebe pelo teto do INSS. Você paga quase 3.000 reais por mês de aposentadoria e se aposenta com 2.000. 
E os salários? Eu tenho muita facilidade de falar sobre isso porque a Ajufe defendeu, em  2005, o teto remuneratório do funcionalismo para acabar com os penduricalhos. Ou seja: que os juízes recebessem apenas o subsídio. Isso foi aprovado. Na época, havia funcionarios públicos que ganhavam 80.000, 100.000 reais. Nós abrimos mão de adicionais e gratificações. Foi dada a garantia de que o teto seria atualizado pelo índice oficial de inflação do governo todos os anos. Desde 2005 esse teto só foi atualizado uma vez, em 8%, em 2009. O IPCA e o INPC são de 35% no período. O nosso pedido de reposição inflacionária é de 22%. 
Qual é o salário médio de um juiz federal? O juiz recolhe para a União um valor elevado: 11% do salário bruto para a Previdência mais 27,5% do imposto de renda, mais contribuições associativas e o plano de saúde. O juiz recolhe cerca de 45% do seu salário bruto. Um juiz substituto ganha cerca de 12.000 reais por mês, líquido. E o federal ganha cerca de 13.000 reais por mês, líquido. 
Faltam juízes o Brasil? Falta estrutura de trabalho para levar uma Justiça mais rápida à população. Nos Tribunais Regionais Federais, que são cinco no Brasil, a estrutura do 2º grau é igual à de 20 anos atrás, quando nós tinhamos 130 milhões de brasileiros. Os juízes chegam a receber mais de 1.000 processos por mês para apreciar. Nós estamos lutando apra aprovar a PEC 544, que cria quatro novos Tribunais Regionais Federais: na Bahia, no Amazonas, no Paraná e em Minas Gerais. E também estamos lutando para criar o cargo de juiz das turmas recursais, que julgam os recursos dos Juizados Especiais Federais. São aqueles que atendem à população de baixa renda que fica na fila do SUS, do INSS, não é atendida e recorre à Justiça para ganhar um medicação, uma cirurgia, o direito à aposentadoria, ao auxílio-invalidez. Esses juízes que acumulam a função com a sua vara de origem. Isso acaba acumulando processos que deveriam demorar quatro meses e demoram dois anos. 
Ainda há uma queixa muito grande da população sobre a lentidão do Judiciário. Manifestações como a de quarta-feira não aumentam a desconfiança sobre os magistrados? Nós estamos trabalhando de forma acelerada. O que existe é uma sobrecarga de trabalho nos tribunais. O objetivo final desse movimento todo é lutar por uma Justiça mais rápida, barata, acessível e que no aspecto criminal não admita a impunidade e a corrupção no nosso país. Nós temos feito voltar para os cofres públicos milhões de reais em ações de improbidade. Temos combatido de frente a corrupção no nosso país. Entendo que nós devemos fortalecer o Judicário Federal, porque nós temos feito um grande trabalho no nosso país. 
A paralisação não criará transtornos a quem depende do Judiciário? Vamos atender as demandas urgentes, para não prejudicar a população. É muito mais um ato de sensibilização do poder Executivo. O presidente do Supremo precisa sentar para conversar com a presidente da República, o presidente da Câmara e o do Senado. Os quatro precisam sentar e resolver essa crise institucional que assola o Judiciario.
Existem "bandidos de toga", como disse a corregedora do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Eliana Calmon? Nós entendemos que todos os casos de corrupção devem ser apurados. Na Justiça Federal, nós observamos rarissimos casos. Somos 30.000 juízes no país. Recentemente, havia 52 sob investigação no CNJ. E nenhum juiz federal entre esses eles. A corrupção deve ser combatida em todos os poderes da República, mas nós temos que ter essa clareza. Tem que se fazer o combate com moderação e sem sensacionalismo. Eu discordo profundamente desse termo "bandidos de toga". É um termo irresponsável, uma generalização que não se aplica. São casos isoladíssimos, de juízes que foram punidos pelo CNJ. A Ajufe defendeu o CNJ desde a sua criação e entende que ele faz um bom trabalho para o país. Mas discordamos profundamente desse termo.
As punições aplicadas aos juízes, como a aposentadoria compulsória, não são brandas demais? Se é demonstrada a culpa do magistrado no processo criminal, ele vai preso, como já aconteceu. Nós temos exemplos. A questão da aposentadoria é diferente, porque é uma relação administrativa que existe com base no recolhimento que o juiz faz. É uma relação atuarial. Essa não é uma boa comparação. Nos casos em que o juiz cometer crime, ele tem que ser preso como um cidadão comum.  O juiz tem que ser um exemplo para a sociedade. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário