quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

PMs que mataram testemunha adulteraram cena do crime



Perito registrou, em depoimento, que local da morte de Raphael foi modificada. Ele era, segundo a Polícia Civil, o responsável pelo pagamento de propina a policiais militares de São Gonçalo

Leslie Leitão e Rafael Lemos
Foto de Raphael Rosa Guimarães estampava camisetas de familiares no enterro
Foto de Raphael Rosa Guimarães estampava camisetas de familiares no enterro (Rafael Lemos)
Ao delegado da Polícia Civil, ele afirmou que “foi difícil se deslocar até o local onde estava o corpo, sendo improvável que o opositor conseguisse fazê-lo, estando baleado”
Os policiais que mataram uma testemunha-chave do esquema de corrupção descoberto pela Polícia Civil em São Gonçalo, na região metropolitana do Rio, adulteraram o local do crime. Apesar da afirmação de que policiais “guardaram” o local em que estava o corpo de Raphael Rosa Guimarães, o Chacal, morto na última sexta-feira no Morro da Coruja, o perito que atendeu a ocorrência, Márcio Assimos de Almeida, encontrou a cena do crime modificada – o que prejudicou a elaboração da perícia criminal.

O perito registrou em seu depoimento - ao qual o site de VEJA teve acesso - que, ao chegar ao local do suposto auto de resistência, por volta de 1h do dia 17 de dezembro, “constatou que o mesmo não estava preservado, uma vez que não foram encontrados estojos de fuzis nem a arma utilizada pelo opositor (Raphael)”. Também não foram encontrados os estojos de fuzil das armas dos policiais – utilizadas no suposto confronto.

O procedimento foi irregular, como explica o perito: “tal fato caracteriza a não preservação do local, uma vez que os objetos devem ser arrecadados após a perícia pela autoridade policial”.
Os horários dos registros oficiais também expõem o que é, no mínimo, uma irregularidade a ser apurada. Assimos informou que o primeiro telefonema solicitando o trabalho da perícia ocorreu "pouco depois das 21h", e o último por volta das 23h30. Ele chegou ao local por volta de 1h da manhã do dia 17. Segundo os próprios policiais envolvidos na morte de Raphael - o cabo Alexandre de Abreu Rodrigues e o sargento Pedro Evangelista de Araújo - a suposta troca de tiros que resultou na morte de Raphael ocorreu entre 17h20 e 17h30. Ou seja: quatro horas antes da primeira comunicação com a perícia.

Em seu depoimento, o encarregado da perícia afirma que estranhou a posição do corpo e as manchas de sangue no chão. “O local em que o corpo estava era de muito difícil acesso e o declarante estranhou a posição das manchas em relação ao cadáver, bem como o fato de ele estar nu (...)”. Ao delegado da Polícia Civil, ele afirmou que “foi difícil se deslocar até o local onde estava o corpo, sendo improvável que o opositor conseguisse fazê-lo, estando baleado”.

Propina – Raphael era, segundo a polícia, o encarregado de pagamento de propina a policiais do 7º BPM. A Operação Dezembro Negro, iniciada na segunda-feira, prendeu 12 policiais, entre eles o comandante da unidade, coronel Djalma Beltrami. O oficial foi libertado por meio de um habeas corpus na madrugada de quarta-feira. Nesta quinta-feira, a PM informou que Beltrami foi afastado do comando e transferido para o Departamento Geral de Pessoal (DGP), a “geladeira” da PM, para onde são transferidos os policiais que precisam sair das funções de maior visibilidade.

Como mostrou o site de VEJA, a morte de Raphael tem pontos controversos. O registro de ocorrência do suposto auto de resistência – termo técnico que designa mortes em confronto com policiais, quando o suspeito oferece perigo aos agentes da lei – informa que Raphael foi atingido por dois tiros, um em cada perna, e que esta seria a causa da morte.

O laudo do Instituto Médico Legal (IML) em poder da família do jovem informa que Raphael morreu em decorrência de um tiro no tórax. A Polícia Civil abriu inquérito para investigar a suspeita de execução contra ele. Raphael poderia depor e informar quem eram os policiais que recebiam a propina do tráfico.
O batalhão de São Gonçalo foi de onde partiram, segundo denúncia do Ministério Público, os policiais que mataram a juíza Patrícia Acioli. O ex-comandante da unidade, tenente-coronel Cláudio Luiz de Oliveira, está preso, acusado de ser o mandante do crime.

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