segunda-feira, 8 de julho de 2013

O Efeito Snowden



Ana Palacio  - Ana Palacio, uma ex-ministra das relações exteriores da Espanha e ex-ministra e Decana Vice-Presidente do Banco Mundial, é membro do Conselho de Estado da Espanha.
04 de julho de 2013
Edward Snowden é acusado de espionagem, roubo e uso indevido de propriedade do governo dos EUA
MADRID – A divulgação contínua de informações classificadas pelo antigo funcionário da Agência de Segurança Nacional norte-americana, Edward Snowden, desencadeou um debate aceso sobre privacidade e direito internacional que, infelizmente, ofuscou a dimensão geoestratégica das suas ações. Na verdade, as revelações de Snowden sobre os programas de vigilância dos EUA e a sua luta incansável para escapar à extradição revelam muito sobre o imprimatur do presidente Barack Obama no que diz respeito às relações externas dos EUA.
Mais do que qualquer outro presidente americano que se enquadra na memória recente, Obama criou expectativas em todo o mundo, principalmente entre os socialistas. No entanto, demonstrou estar interessado, sobretudo, ou mesmo unicamente, em questões internas, o que resultou numa política externa de reação. A este respeito, o caso Snowden destaca três elementos:
            - as relações entre os EUA e a Rússia;
            - a influência dos EUA na América do Sul; e
            - as relações dos EUA com a Europa.
A forma como o Kremlin tratou o caso indica o estado de tensão em que se encontram as relações entre os EUA e a Rússia. Na sequência do funesto ‘reinício’ das relações bilaterais, a Rússia tem pretendido manter a sua posição global como obstáculo aos EUA, levando muitas pessoas de ambos os lados a mergulhar novamente numa mentalidade de Guerra Fria. Ao cair nesta armadilha, os EUA concederam ao presidente Vladimir Putin uma vantagem infinita, permitindo-lhe marcar pontos políticos e solidificar a sua posição a nível interno.
Para Putin, o antiamericanismo é uma ferramenta eficaz para frustrar o descontentamento interno. Medidas como a promulgação da Lei Magnitsky pelo Congresso dos EUA – considerada na Rússia como uma provocação norte-americana – possibilitaram ao Kremlin mobilizar apoio a nível interno, com medidas de retaliação como a proibição de adoções por estrangeiros, garantindo cobertura à repressão de opositores internos.
Após a intervenção da OTAN na Líbia, em 2011, vista pelo Kremlin como mais um exemplo dos excessos do Ocidente, a Rússia assumiu uma atitude mais agressiva relativamente à sua internacional, sobretudo no que diz respeito à oposição aos EUA. Este aspecto torna-se especialmente evidente no apoio persistente da Rússia ao regime de Bashar al-Assad, na Síria. E a recusa da Rússia em entregar Snowden e, sob o pretexto de estar a cumprir rigorosamente os parâmetros legais, permitiu que Putin afrontasse novamente Obama – desta vez, colocando-se na posição de defensor da legalidade e dos direitos humanos.
Esta nota dramática foi ampliada pela afirmação cínica de Putin de que Snowden poderia permanecer na Rússia, com a condição de parar de divulgar informações ‘que infligem danos aos nossos parceiros norte-americanos’. Provavelmente, Putin não se oporia a que esses danos fossem infligidos à portas fechadas, durante uma reunião de balanço com os serviços de segurança russos.
Além disso, o caso Snowden reforça a percepção de que os EUA estão a perder influência na América do Sul. Com poucas exceções notáveis, tais como o embaixador dos EUA no Brasil, Tom Shannon, a diplomacia dos EUA tem falta de visão estratégica relativamente à América Latina.
A eleição de Barack Obama, em 2008, criou grandes expectativas nesta região, também; mas a sua estratégia governativa tem-se mostrado, no mínimo, reservada e frequentemente obtusa.
A influência da China na América Latina aumentou, enquanto os EUA se mantiveram a margem do fato. A visita de Obama, em maio último, apresentou-se como um esforço para revigorar as relações no contexto da ascensão da região da Ásia-Pacífico. Infelizmente, os efeitos negativos do primeiro mandato de Obama já começam a fazer-se sentir.
Por exemplo, os EUA são – de longe – o maior parceiro comercial do Equador, representando mais de um terço do seu comércio externo. No entanto, ante a possibilidade de o Equador conceder asilo a Snowden, os EUA sentiram a necessidade de se precipitar, tendo o Vice-Presidente, Joe Biden, defendido pessoalmente o caso dos Estados Unidos perante o Presidente do Equador, Rafael Correa, mesmo depois de Obama ter anunciado que não iria se envolver em ‘conluios e negociações’ sobre a extradição.
A ameaça de suspensão da ajuda americana ao Equador, que equivaleria a uns míseros 12 milhões de dólares em 2014, torna ainda mais evidente uma abordagem desastrosa. As tradicionais fontes de influência dos EUA – poder suave, alianças regionais e peso financeiro – parecem estar a secar. A mensagem transmitida ao mundo é clara: os EUA não são a potência regional que deviam ser.
Finalmente, em relação à Europa, a atitude irreverente de Obama sobre a alegada espionagem norte-americana à União Europeia e aos seus Estados-Membros demonstra que o excepcionalismo americano continua bem vivo. Em vez de reconhecer a legitimidade das preocupações europeias, Obama menosprezou-as, como se de frivolidades se tratassem: “Garanto-vos que nas capitais europeias, existem pessoas que estão interessadas, se não no que tomei no desjejum, pelo menos em quais serão os assuntos que irei focar caso venha a reunir-me com os seus líderes”.
Os EUA têm certamente interesse em obter um conhecimento analítico mais profundo das tomadas de decisões dos seus aliados europeus, que pode ser obtido simplesmente através de um telefonema, por exemplo, à chanceler alemã, Angela Merkel. Ao aceitar que, na prática, a espionagem faz parte do conjunto de ferramentas dos EUA, nós, europeus, esperamos seja conduzida de forma responsável.
Ao menosprezar as preocupações europeias sobre a forma como essa vigilância é levada a cabo, Obama demonstrou um dos piores hábitos da América – a atitude paternalista em relação à Europa. Na verdade, os europeus levantaram questões sérias sobre as práticas dos serviços de informações dos EUA.
As questões vão desde a falta de profissionalismo inerente ao fato de se permitir que funcionários contratados realizem este tipo de trabalhos de natureza sensível, a uma abordagem menos interventiva dos EUA em relação a certos aliados, como o Reino Unido e a Nova Zelândia, relegando muitos dos seus outros aliados – incluindo a maior parte da União Europeia – à condição de “vigiáveis”.
A amarga ironia é que, neste momento repentinamente pouco auspicioso, a Europa e os EUA estão a lançar o seu projeto conjunto mais significativo desde a criação da NATO – um acordo de comércio livre transatlântico. Em prol do sucesso desta parceria, será demasiado pedir aos EUA que desempenhem o seu papel internacional com um pouco mais de competência e profissionalismo e que tratem os seus parceiros com respeito?
Tradução: Teresa Bettencourt
 
Francisco Vianna

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