Publicado no "Diário do Poder"
Primeiro,
quero transcrever aqui suas próprias palavras a respeito do Mensalão e dos
protagonistas que nele atuaram para promover o maior e mais memorável escândalo
com dinheiro público desde 1889, quando da proclamação da República:
” Esse processo criminal revela a
face sombria daqueles que, no controle do aparelho de Estado, transformaram a
cultura da transgressão em prática ordinária e desonesta de poder, como se o
exercício das instituições da República pudesse ser degradado a uma função de
mera satisfação instrumental de interesses governamentais e de desígnios
pessoais. Esse quadro de anomalia revela as gravíssimas consequências que
derivam dessa aliança profana, desse gesto infiel e indigno de agentes
corruptores, públicos e privados, e de parlamentares corruptos, em
comportamento criminosos, devidamente comprovados, que só fazem desqualificar e
desautorizar, perante as leis criminais do país, a atuação desses marginais do
poder. Estamos a condenar não atores políticos, mas protagonistas de sórdidas
práticas criminosas. Esses delinquentes ultrajaram a República. É o maior
escândalo da história.”
Ministro decano do STF, Celso de Mello.
Agora,
vejam o que escreveu o ex-ministro da Justiça do governo José Sarney, Dr. Saulo
Ramos, em seu livro “Código da Vida”, Ed. Planeta, 8ª edição, 2007:
“Terminado seu mandato
na Presidência da República, Sarney resolveu candidatar-se a Senador. O PMDB —
Partido do Movimento Democrático Brasileiro — negou-lhe a legenda no Maranhão.
Candidatou-se pelo Amapá. Houve impugnações fundadas em questão de domicílio, e
o caso acabou no Supremo Tribunal Federal. Naquele momento, não sei por quê, a
Suprema Corte estava em meio recesso, e o Ministro Celso de Mello, meu
ex-secretário na Consultoria Geral da República, me telefonou:
— O processo do Presidente será distribuído amanhã. Em Brasília, somente
estão por aqui dois ministros: o Marco Aurélio de Mello e eu. Tenho receio de
que caia com ele, primo do Presidente Collor. Não sei como vai considerar a
questão.
— O Presidente tem muita fé em Deus. Tudo vai sair bem, mesmo porque a
tese jurídica da defesa do Sarney está absolutamente correta. Celso de Mello
concordou plenamente com a observação, acrescentando ser indiscutível a matéria
de fato, isto é, a transferência do domicílio eleitoral no prazo da lei. O
advogado de Sarney era o Dr. José Guilherme Vilela, ótimo profissional. Fez
excelente trabalho e demonstrou a simplicidade da questão: Sarney havia transferido
seu domicílio eleitoral no prazo da lei. Simples. O que há para discutir? É
público e notório que ele é do Maranhão! Ora, também era público e notório que
ele morava em Brasília, onde exercera o cargo de Senador e, nos últimos cinco
anos, o de Presidente da República. Desde a faculdade de Direito, a gente
aprende que não se pode confundir o domicílio civil com o domicílio eleitoral.
E a Constituição de 88, ainda grande desconhecida (como até hoje), não
estabelecia nenhum prazo para mudança de domicílio. O sistema de sorteio do
Supremo fez o processo cair com o Ministro Marco Aurélio, que, no mesmo dia,
concedeu medida liminar, mantendo a candidatura de Sarney pelo Amapá. Veio o
dia do julgamento do mérito pelo plenário. Sarney ganhou, mas o último a votar
foi o Ministro Celso de Mello, que votou pela cassação da candidatura do
Sarney. Deus do céu! O que deu no garoto? Estava preocupado com a distribuição
do processo para a apreciação da liminar, afirmando que a concederia em favor
da tese de Sarney, e, agora, no mérito, vota contra e fica vencido no plenário.
O que aconteceu? Não teve sequer a gentileza, ou habilidade, de dar-se por
impedido. Votou contra o Presidente que o nomeara, depois de ter demonstrado
grande preocupação com a hipótese de Marco Aurélio ser o relator.
Apressou-se
ele próprio a me telefonar, explicando:
— Doutor Saulo, o senhor deve ter estranhado o meu voto no caso do
Presidente.
— Claro! O que deu em você?
— É que a Folha de S. Paulo, na véspera da votação, noticiou a afirmação
de que o Presidente Sarney tinha os votos certos dos ministros que enumerou e
citou meu nome como um deles. Quando chegou minha vez de votar, o Presidente já
estava vitorioso pelo número de votos a seu favor. Não precisava mais do meu.
Votei contra para desmentir a Folha de S. Paulo. Mas fique tranqüilo. Se meu
voto fosse decisivo, eu teria votado a favor do Presidente. Não acreditei no
que estava ouvindo. Recusei-me a engolir e perguntei:
— Espere um pouco. Deixe-me ver se compreendi bem. Você votou contra o
Sarney porque a Folha de S. Paulo noticiou que você votaria a favor?
— Sim. — E se o Sarney já não houvesse ganhado, quando chegou sua vez de
votar, você, nesse caso, votaria a favor dele?
— Exatamente. O senhor entendeu?
— Entendi. Entendi que você é um juiz de merda! Bati o telefone e nunca mais falei
com ele.”
Moral da história: O
caráter de uma pessoa se julga por seus atos e não por seus diplomas ou cargos!
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