Por Humberto Wendling *
Uma
arma de fogo é um objeto inofensivo por natureza. Tão inofensivo quanto
a faca que corta o pão; a madeira do pé de mesa; a viga que sustenta
uma casa; as mãos que pintam quadros; as pernas que jogam bola; a panela
de pressão que cozinha o alimento. A arma de fogo no coldre do
policial, além de inofensiva, é o instrumento que o protege daqueles
empenhados desde cedo no crime e na violência gratuitas contra a
comunidade. Uma arma nas mãos do homem bom é a última linha de defesa
pessoal e familiar (talvez sua última chance) contra o resultado da
política barata de segurança pública. Armas de fogo, facas, pedaços de
madeira, vigas metálicas, mãos, pernas e panelas são itens inertes.
Apesar disso, uns são vitais, outros são importantes e alguns são
necessários. A diferença entre a inércia desses objetos e a capacidade
deles serem usados para ferir ou matar está apenas na presença humana.
Não é qualquer presença, mas o ser humano hostil, incapaz de viver livre
e em harmonia com os propósitos mais elevados da sociedade. As armas de
fogo não são o verdadeiro problema. As pessoas são o problema,
inclusive aquelas que insistem em implementar leis de banimento ou
controle intransigentes de armas, quer por ingenuidade ou ignorância dos
fatos, seja a ignorância inocente ou dogmática.
Alguém
já disse que armas não matam pessoas; pessoas matam pessoas. Por essa
razão, muitos assassinatos são cometidos com facas, tesouras, machados,
paus, pedras, garrafas, mãos e pernas. E exemplos de assassinatos sem
armas de fogo não faltam: os ataques com faca que feriram quatorze
pessoas numa universidade no Texas (EUA); o caso Daniella Perez
(assassinada a golpes de tesoura); o caso do índio Galdino Jesus dos
Santos (queimado vivo num ponto de ônibus em Brasília/DF); o atentado
terrorista em Boston (EUA) onde foram utilizadas panelas de pressão. A
diferença de uma arma para ataque e outra destinada a defesa se resume
na utilização criminosa dessa arma. Assim, é o criminoso e não a arma o
verdadeiro problema de segurança pública. Mas criminosos são idolatrados
e romanticamente tidos por muitos como o resultado da injustiça social
do mundo capitalista. Entretanto, a causa do crime e da violência não é a
exclusão social ou a pobreza. Não é a falta de escolaridade ou de
educação familiar. É o interesse próprio, a inveja, a preguiça, o
descaso e a loucura do homem inclinado ao crime, seja ele um criminoso
mirim ou um veterano. Dito isso, e considerando que é mais fácil
subjulgar o cidadão honesto (o complacente pagador de impostos com
endereço certo) do que implementar políticas sérias, profissionais e
consistentes de segurança pública, surge o conceito desarmamentista, a
última demonstração de frouxidão e desinteresse estatal no combate ao
crime e a violência. Preguiça e desinteresse que impedem o Estado de
solucionar os problemas do sistema prisional; que o impede de perceber
que a cadeia não é lugar para ressocialização de delinquentes
profissionais, mas um local destinado à separação de indivíduos
perniciosos do restante da comunidade pacífica; que impede uma visão
moderna da estrutura e da investigação policial, etc. Quanto a isso,
basta dizer que o percentual de elucidação dos crimes no país está
abaixo dos 10%. Essa cifra é tão triste quanto afirmar que "Dados
oficiais mostram que 80% dos crimes ocorridos no Brasil são realizados
com armas adquiridas legalmente." quando outro estudo1, do qual
participou a entidade Viva Rio (defensora do desarmamento), demonstrou
que apenas 25,6% das armas apreendidas em circunstâncias criminais no
Rio de Janeiro entre os anos de 1951 e 2003 possuíam registro oficial.
É
possível determinar o calibre de uma arma utilizada num homicídio pelo
exame da vítima e do projétil, mas nada disso impede a reincidência do
assassino que está à solta e não foi alcançado pela baixa qualidade da
investigação policial. É o que informa Fabrício Rebelo2:
"De
acordo com um estudo produzido pelo Ministério Público do Rio de
Janeiro, subsistem, apenas naquele estado, 60 mil homicídios ocorridos
na última década ainda sem elucidação. Destes, em 24 mil não se
identificou sequer a vítima. Embora sejam dados assustadores, o fato é
compatível com a realidade brasileira, que aponta uma taxa de solução de
homicídios de apenas 8%, ou, em termos práticos, somente 4 mil dos 50
mil assassinatos registrados anualmente no país, conforme os dados
adotados oficialmente no Mapa da Violência 2011." (REBELO, 2011).
Não
que isso seja culpa dos homens e mulheres de polícia, mas é o resultado
do modelo policial engessado e da legislação que persistem no país.
O
maior erro nas leis desarmamentistas é acreditar que elas controlam as
armas de fogo e diminuem a violência. Tais leis não conseguem controlar
ou evitar aquilo que realmente interessa: o contrabando e o uso
criminoso das armas, simplesmente porque criminosos não obedecem regras,
estatutos ou leis. Essas normas apenas criam restrições que FORÇAM o
desarme das pessoas honestas enquanto os criminosos continuam
encontrando e utilizando suas armas ilegais. Nenhuma arma usada por
delinquentes para matar cidadãos está sob controle. Mas é possível que
armas legalizadas caiam nas mãos de bandidos? Claro que sim! Contudo,
apenas um quarto das armas de fogo utilizadas em ações criminosas
possuem registro. É o que disse o próprio estudo do Viva Rio. Em
recentes operações da Polícia Federal, além de quase uma tonelada de
pasta base de cocaína, também foram apreendidos uma pistola Ruger .45
ACP, um fuzil FN Fal 7,62 mm e um fuzil Colt M16 5,56 mm com lançador de
granadas e com as inscrições "Propriedade do Governo Norte Americano". A
Ruger e a Colt são americanas e a FN é belga. Então, como essas armas
entraram no Brasil? Foram legalmente importadas ou foram
contrabandeadas? Por onde? Por quem? Por quê? Como? Quando? As leis
desarmamentistas são incapazes de responder essas perguntas e de
controlar essas armas. Essas são as armas importadas que equipam
quadrilhas especializadas e grupos organizados. E como é o controle do
bom e velho 38, por exemplo? Depende de quem o possui: se estiver nas
mãos do cidadão, está sob controle rígido ou foi entregue para
destruição na campanha do desarmamento; se estiver nas mãos criminais
para matar inocentes, está nas ruas em local incerto e não sabido. A
entrega de armas na campanha do desarmamento é outra questão. O post
denominado "Primeiro mês do ano registra aumento de 51% de armas
entregues" diz que "O ano de 2013 começou com um significativo aumento
de armas de fogo entregues pela população à Campanha do Desarmamento. Em
janeiro, saíram de circulação 3.714 armas de fogo, 51% a mais do que as
recolhidas em dezembro do ano passado (2.373)." O texto sugere que
milhares de pessoas estão aderindo voluntariamente ao desarmamento por
acreditarem que menos armas indicam menos assassinatos (questão que será
tratada na parte 2 desse artigo). Mas a história informa que o Estado
autorizou o registro de armas de fogo sem que os proprietários
precisassem se submeter aos requisitos previstos na Lei nº 10.826/2003
(a chamada anistia). Com isso, muitas pessoas recadastraram suas armas,
cumprindo um dever cívico. Agora, essas pessoas estão retornando para
renovar seus registros. Entretanto, com o fim da anistia, os
proprietários são informados que precisam preencher os requisitos da
lei. Para se desvencilhar da burocracia e do custo do procedimento, a
maioria está entregando suas armas a contragosto. Não há qualquer
convencimento de que esses infelizes cidadãos, as vítimas em potencial,
estão participando ativa e voluntariamente do desarmamento.
Outro
texto que merece atenção foi publicado na página no IPEA em 01/04/2013.
O artigo denominado "Compra de armas por pessoa cai 40,6% após
Estatuto" informa o seguinte, quando se refere ao perfil do consumidor
de arma de fogo:
"Os
jovens de 20 a 29 anos superam em 172% as pessoas 20 anos mais velhas
na compra de armas, mas a queda da demanda dos jovens foi de 51,2% após o
Estatuto. Embora tenham menor renda, os analfabetos e as pessoas com
até 3 anos de estudo compram armas com o dobro da frequência observada
entre pessoas com 12 anos ou mais de estudo. Por estrato de renda, as
chances de compra são maiores entre os membros da classe C, que superam
em 7,5% e 103% as aquisições das classes AB e E, respectivamente."
(IPEA, 2013). (Grifo nosso).
Esse
texto leva à conclusão de que os dados foram obtidos por meio de
ENTREVISTA PESSOAL. Se isso estiver correto, então os dados estão de
acordo com a realidade do submundo das ARMAS ILEGAIS. Até porque o
Estatudo proíbe a comercialização de armas de fogo para menores de 25
anos idade. Homens, jovens, solteiros, de baixa renda e pouca
escolaridade, exatamente o perfil do criminoso violento e das vítimas
por armas de fogo no Brasil, conforme demonstra o Mapa da Violência
2013, e que NÃO estão devolvendo suas armas. Além disso, como alguém
semi-alfabetizado e sem renda para as necessidades fundamentais teria
condições e capacidade para atender os seguintes requisitos (compra de
arma REGISTRADA):
1. Declarar a efetiva necessidade do armamento;
2.
Comprovar a idoneidade, com apresentação de certidões negativas de
antecedentes criminais fornecidas pela Justiça Federal, Estadual,
Militar e Eleitoral e não estar respondendo a inquérito policial ou a
processo criminal;
3. Apresentar documento comprobatório de ocupação lícita e de residência certa;
4. Comprovar a capacidade técnica e a aptidão psicológica para o manuseio de arma de fogo.
É
óbvio que o percentual de aquisição LEGAL de armas de fogo por homens
adultos, casados, alfabetizados e com renda acima da média está em
declínio, pois esse é o objetivo e o resultado das restrições impostas
às pessoas que desejam exercem o direito de autodefesa. É esse também o
perfil dos que tentam comprar armas legalmente. Infelizmente, é o mesmo
perfil daqueles que estão entregando sua última chance de defesa.
Portanto, as armas que matam e trazem o terror aos cidadãos não estão
nas mãos da sociedade ordeira, dos policiais ou militares, mas nas
garras de criminosos profissionais (menores, jovens e adultos). Desarmar
o cidadão e permitir que esses criminosos ordenem atos de violência de
dentro do sistema prisional é um dos exemplos da omissão, inabilidade e
amadorismo que cercam a segurança pública. O cenário só não é devastador
em razão do empenho dos policiais engajados na luta contra o crime. É o
estilo de vida desses profissionais e o desejo de fazer o bem, apesar
das adversidades, da desmotivação e da descrença, que impedem o
desmantelamento completo da segurança social.
Fonte
1: Small Arms in Brazil: Production, Trade, and Holdings, 2010;Fonte 2:
REBELO, Fabricio. Falta de esclarecimento dos crimes impede traçar
perfil criminal brasileiro. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 3009, 27
set. 2011. Disponível em: .Fonte 3: Compra de armas por pessoa cai
40,6% após Estatuto, IPEA, 2013.
*
Humberto Wendling é Agente Especial da PF, Professor de Armamento e
Tiro e Autor do livro Autodefesa Contra o Crime e a Violência – Um guia para civis e policiais.
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