28 de maio de 2013, em Análise, Guerra às Drogas, Noticiário Nacional, Polícia Militar, Segurança Pública,Tática, Tráfico de Drogas, Violência, por Nicholle Murmel
Um relatório de inteligência preparado por forças de segurança do estado para explicar ações do tráfico na Maré, mesmo depois da pacificação, pode dar uma pista importante do problema que a polícia também enfrenta em outra região: os complexos da Penha e do Alemão. Em 15 páginas repletas de fotografias de traficantes armados e levantamento aéreo, o documento informa que os bandidos passaram a adotar táticas de guerrilha, com ações que combinam ocultação e extrema mobilidade de grupos que atuam em frações reduzidas e fortemente armados.
Uma demonstração de uso de tática militar aconteceu no último domingo. Em mais uma ação audaciosa, criminosos fizeram disparos contra a sede da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) da Vila Cruzeiro, pouco antes da largada da 4ª edição da corrida Desafio da Paz, que começou no Complexo da Penha e terminou no Alemão. A área foi pacificada em novembro de 2010. No ataque, os bandidos, que estariam armados com fuzis, vieram de fora, em número reduzido, e teriam recebido apoio logístico local. Chegaram, atiraram e foram embora. A polícia já investiga o envolvimento de bandidos que teriam saído de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense.
- É uma tática clássica de guerrilha. No caso específico, o ataque de domingo foi apenas para levar terror, desestabilizar e gerar insegurança – disse um policial envolvido nas investigações e que preferiu não ser identificado.
Segundo o documento ao qual O GLOBO teve acesso, um grupo formado por ex-militares das Forças Armadas e cooptados pelo tráfico controlaria atualmente o conjunto de favelas da Maré e estaria presente também em outras áreas pacificadas, como os morros da Mangueira (São Cristóvão) e Macacos (Vila Isabel); a favela do Jacarezinho (Méier) e a parte alta da Rocinha (São Conrado); além das comunidades do Alemão e da Penha.
No relatório, os criminosos são descritos em detalhes: “Eles recebem treinamento físico e de combate, além de usarem roupas pretas durante suas ações, uniformes considerados por eles como de guerra”. Duas dessas roupas já foram apreendidas pela 21ª DP (Bonsucesso) e em operações da PM. A radiografia sobre a dinâmica do crime nessas favelas observa que os traficantes agem usando experiência adquirida no meio militar: “o bando tem elevado nível de organização e controle de suas atividades no crime, talvez pelo fato de contar com vários ex-militares em suas fileiras”.
No caso específico da Maré, o relatório ilustra a situação com o histórico do traficante Marcelo Santos das Dores, o Menor P, acusado de ter sequestrado e torturado o jogador Bernardo, do Vasco – em depoimento à polícia o atacante negou ter sido agredido. Chefe do tráfico na região, Marcelo foi paraquedista do Exército. Na 1ª Divisão de Exército (DE), a informação é de que o traficante foi apenas recruta, deixando a corporação depois de prestar serviço militar obrigatório.
Crime age em rede, diz especialista
As favelas da Maré estão na relação de comunidades cotadas para receber um novo pacote de pacificação, no momento em que a cidade dá início a um ciclo de segurança máxima para receber grandes eventos religiosos e esportivos, que vão atrair milhares de pessoas, como a Copa das Confederações e a Jornada Mundial da Juventude, ambas este ano.
Na opinião do antropólogo Roberto Kant de Lima, professor da UFF e membro do Instituto de Estudos Comparados em Administração de Conflitos (Ineac), a polícia do Rio terá que, cada vez mais, investir em investigação e em ações de inteligência para enfrentar os bandos.
- Para que essas ações tenham eficácia, é preciso integração entre as instituições, visando à cooperação. Também seria necessário adotar procedimentos que imputassem responsabilidade pessoal aos agentes, sujeitos à fiscalização e à prestação de contas de suas atividades de investigação, e não apenas a obrigações de suas atividades cartorárias – disse Kant.
O antropólogo observa que é preciso criar mecanismos de cooperação eficientes entre as instituições:
- O problema é que as ações dessas instituições, muitas vezes, se sobrepõem, o que acarreta uma competição entre elas e, portanto, a manutenção das informações obtidas por cada uma longe do alcance das outras.
O professor da UFRJ Francisco Carlos Teixeira, autor do livro “Terrorismo na América Latina”, acredita que o combate ao narcotráfico nasceu com um grave erro de diagnóstico.
- Pensando em termos de estratégia, não conseguimos identificar corretamente o adversário, com seus pontos fracos e pontos fortes. A ocupação de território, sempre com aviso prévio, deu condições para o adversário retrair-se, reagrupar-se e voltar ao local disfarçado de cidadão. Assim, não entendemos que o “crime em rede” não precisa do território – disse o professor da UFRJ.
Texeira acha que as autoridades ainda não fizeram o dever de casa, ao desconsiderar ações básicas contra o crime organizado.
- O tráfico continua se comunicando e mantém seu fluxo financeiro, lavando dinheiro. Continua cooptando colaboradores, fazendo alistamento de novos “recrutas” e ainda recebe armas e mercadorias. É necessário cooperação estreita, permanente, entre policiais estaduais e federais e Receita Federal, Banco Central e Inteligência Militar. Se essas medidas não forem adotadas, o estado vai continuar enxugando gelo.
Marcelo, o Menor P, controla uma fatia importante do tráfico na Maré. Tem ainda sob seu domínio as favelas Vila do João, Vila dos Pinheiros, Salsa e Merengue, Conjunto Esperança, Timbau, Baixa do Sapateiro e parte importante da Nova Holanda. Marcelo é foragido do Instituto Penal Plácido Sá Carvalho desde 2007, quando deixou a prisão após receber o benefício de cumprir sua pena no semiaberto.
FONTE: O Globo via Resenha do Exército
Nenhum comentário:
Postar um comentário