A crise da Embrapa
Rodrigo Lara Mesquita
A
Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) tornou produtiva a terra
ácida e arenosa do cerrado brasileiro. Esse milagre tem grandes chances de se
repetir na África, com seus quase 400 milhões de hectares de savana. Como dizem
e pedem os africanos: temos sol, água e terras. Falta a Embrapa! Mas essa
admiração conquistada pela Embrapa, aqui e no exterior, está em risco.
A empresa perdeu foco e orientação estratégica nos últimos anos. A Embrapa
está em crise,deixando sem resposta problemas graves da agricultura brasileira.
Em
1973, quando foi criada a Embrapa, o País vivia a década do milagre econômico,
mas era importador de alimentos. Os investimentos feitos na época em
infraestrutura de transportes, comunicações e armazenamento pelo governo federal
começaram a promover uma mudança na exploração agrícola. Com estrutura física
modesta, alguns veículos, poucos implementos e muita vontade, os pioneiros da
empresa que nascia formaram as equipes de trabalho. Mais de mil jovens
pesquisadores foram enviados às melhores universidades da Europa e dos EUA para
mestrados e doutorados, num dos maiores programas de capacitação em pesquisa já
realizados no Brasil.
Do
nascimento da Embrapa aos dias de hoje, tornamo-nos uma potência agrícola. A
sexta economia do mundo tem no agronegócio 25% de toda a riqueza gerada no
País. Somos os maiores produtores mundiais de soja, milho, café, suco de
laranja e etanol. E os maiores exportadores de carne bovina. A tecnologia da
Embrapa e parceiros tropicalizou a produção de soja e levou o grão do Sul para
o Nordeste, o Centro-Oeste e até para os Estados do Maranhão, Piauí e
Tocantins, a novíssima fronteira agrícola brasileira. Uma reinvenção da
agricultura tropical, com formidáveis conquistas em produtividade e conservação
de solos.
Hoje,
nos 47 centros de pesquisa em todo o Brasil, que contribuíram para esse
processo, aparecem sinais de fadiga. Muitos não acompanham o desenvolvimento
tecnológico de produtos aos quais estão ligados. A contribuição para as
sementes melhoradas caiu vertiginosamente. Cerca de 70% a 80% da soja, 60% do
milho e 80% do algodão vêm de programas de melhoramento genético privado.
Empresários do meio rural cada vez mais buscam soluções e inovações em outros
países. Na outra ponta, a Embrapa parece abandonar seus programas voltados para
a pequena agricultura e o combate à miséria no campo.
A
omissão da Embrapa no debate do Código Florestal é outro exemplo. Os impactos
da implantação das áreas de proteção permanente em beiras de rios deveriam ter
sido pesquisados pela empresa nos últimos anos para apresentar respostas
técnicas às demandas do Legislativo e da sociedade, antes da votação da
matéria. Houve omissão e censura científica. Pesquisadores foram proibidos de
se manifestar sobre o tema em nota da direção da Empresa, assunto denunciado
publicamente durante a Rio+20.
A
falta de transparência da atual gestão é mais um problema. Nos últimos três
anos criou-se na Embrapa uma nova estrutura para gestão de projetos
internacionais de cooperação, as plataformas África-Brazil Marketplace e Latin
America-Caribe Marketplace, com recursos do Banco Mundial, do Fórum para
Pesquisa Agrícola na África e da Fundação Bill & Melinda Gates, entre
outras instituições. O Departamento de Pesquisa e Desenvolvimento, que
centraliza os programas e projetos da Embrapa, não participa diretamente da
coordenação. O montante exato de recursos captados até o momento é desconhecido
e não há clareza sobre quem audita tais plataformas.
A
crise na direção da empresa, debatida pelo setor agrícola, chegou à mídia com
artigos neste jornal (Os problemas da Embrapa, em 22 de março; A Embrapa perdeu
o bonde, em 1.º de abril; O bonde da Embrapa, em 17 de abril) e no jornal Valor
Econômico (Embrapa perde terreno na pesquisa agrícola, em 21 de março), entre
outros, sem que sua diretoria apresentasse um contraponto ou sua visão sobre os
problemas levantados.
A
Embrapa é uma federação de redes. Suas unidades refletem os diversos elos da
agricultura e pecuária brasileira em todos os sentidos: social, econômico e político.
A empresa pretende ampliar sua atuação para a África e América Latina e não tem
uma atuação estruturada nas mídias sociais. Isso tanto no aspecto da interação e
articulação das suas próprias células quanto na sua relação com seu mercado
atual, ou que pretende conquistar e o público, considerando esse contexto. Esse
comportamento em relação às mídias tradicionais e digitais reflete o âmago da
crise da empresa: falta de visão estratégica e menosprezo pelas demandas da
sociedade.
Acompanho
a Embrapa desde o final dos anos 70. Como repórter, estive presente na
implantação de alguns de seus novos centros no Nordeste e no Sudeste, tendo
sido, por vários anos, membro do Conselho Assessor Externo de uma de suas
unidades. A constatação é preocupante: a Embrapa vem perdendo sua visão
estratégica e, consequentemente, seu protagonismo. Relega a obtenção de
patentes e se consola com um papel de coadjuvante no desenvolvimento da
agricultura brasileira, com uma pauta voltada para o socioambiental. A grande
produção agrícola nacional dependerá exclusivamente da pesquisa privada? Ou,
pior ainda, de programas de pesquisa da Embrapa definidos e coordenados do
exterior?
Ao
longo do recente 11.º Congresso Brasileiro do Agronegócio, promovido pela ABAG em
São Paulo, ficou evidente a ausência de referências à participação da Embrapa
no enfrentamento dos desafios atuais da agricultura, apesar dos discretos, mas
incisivos apelos dirigidos à sua diretoria nesse sentido. A Embrapa é um
patrimônio do Brasil. A direção da empresa parece sofrer da síndrome do sapo
fervido. A água está em ebulição. E o sapo continua ali, parado,
sendo fervido lentamente.
Sol,
água, terra e... Embrapa! A equação africana também é verdadeira para o Brasil.
O Estado de S.Paulo , 11 de
agosto de 2012.
Nenhum comentário:
Postar um comentário