quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Candidata branca rejeitada pede na Justiça dos EUA fim de cotas raciais



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ADAM LIPTAK
DO "NEW YORK TIMES", EM WASHINGTON
Abigail Fisher é uma jovem esbelta, de cabelo loiro escuro, com um sorriso que surge sem dificuldade e um histórico acadêmico positivo. Ela jogou futebol no segundo grau e é uma boa violoncelista.
Mas a universidade em que estava determinada a ser aceita, aquela em que seu pai e irmã estudaram, rejeitou seu pedido de admissão.
"Fiquei arrasada", ela conta em sua primeira entrevista desde a rejeição pela Universidade do Texas em Austin, quatro anos atrás.
Fisher, 22, é branca e se formou recentemente na Universidade Estadual da Louisiana, e alega que sua raça a prejudicou no processo seletivo, e a Corte Suprema dos Estados Unidos considerará seu caso na quarta-feira, o que volta a atrair atenção para a controversa questão da admissibilidade constitucional do sistema de preferências raciais nas decisões de admissão de universidades que recebam verbas públicas.
"Minha esperança", ela diz, "é que a raça seja completamente removida do processo de admissão, e que todos possam ser admitidos à escola que preferirem, não importa qual seja sua raça e com base apenas em seus méritos e em seus esforços".
A universidade afirma que Fisher não teria sido admitida mesmo que a preferência racial não influenciasse o processo, e questiona que ela tenha sido lesada de alguma maneira que justifique um processo.
Mas a postura de defesa mais ampla da universidade é a de que a instituição precisa de liberdade para montar o mais variado corpo discente que possa, como parte de sua missão acadêmica e social. A Corte Suprema sustentou essa interpretação em 2003, votando por cinco a quatro em favor dessa interpretação no caso Grutter vs. Bollinger.
Dirigentes da universidade afirmam que o programa de ação afirmativa da instituição é necessário para criar um corpo discente diversificado o bastante para incluir estudantes minoritários de ampla variedade de origens, e para que o campus tenha uma "massa crítica" de estudantes minoritários na maior parte de suas salas de aula.
A interação entre os estudantes nas salas de aula e no campus, diz Kedra Ishop, diretora de admissões da universidade, ajuda os estudantes a superar seus preconceitos e contribui para uma sociedade diversificada.
"O papel da Universidade do Texas em Austin", afirma, "é formar lideranças para o Estado".
REJEIÇÃO
A opinião majoritária no caso Grutter, redigida pela juíza Sandra Day O'Connor, rejeitou o uso de cotas raciais nas decisões de admissões mas afirmou que a raça deveria ser considerada como um fator entre muitos, como parte de uma "revisão holística".
O'Connor se aposentou em 2006, e sua substituição pelo juiz Samuel Alito Jr. abriu caminho a uma decisão que reduziu o escopo dessas políticas de admissão por critérios raciais, ou proibiu seu uso.
Os departamentos de admissões em faculdades e universidades quase todos endossam a ideia de que estudantes de origens diversificadas aprendem uns com os outros, superam estereótipos e ao fazê-lo se preparam para posições de liderança na sociedade.
Muitos críticos da ação afirmativa alegam que não existe forte elo causal entre raça e a apresentação de uma gama diversificada de opiniões na sala de aula.
Outros dizem que a constituição não permite que o governo separe as pessoas por raça, ainda que em nome de um objetivo digno.
"Embora a diversidade racial nos campi universitários seja benéfica, não pode ser obtida por meio da discriminação racial", disse Edward Blum, que aconselhou Fisher em seu processo e é uma das forças motoras de todo o episódio.
SEMINÁRIO
Os argumentos em disputa são difíceis de testar em termos práticos, mas uma visita recente a um seminário destinado a alunos de primeiro ano da Universidade do Texas em Austin sugere que a vida intelectual dos estudantes de graduação da instituição é variada e vibrante.
O curso se chamava "debates sobre a democracia nos Estados Unidos", e o tópico do dia era "The Known World", o romance de Edward Jones sobre um negro que é dono de escravos.
As aulas começaram há apenas três semanas, mas os 18 alunos presentes, de diferentes etnias e origens, estavam dialogando com facilidade e seriedade sobre os ecos contemporâneos da escravatura.
Um estudante asiático mencionou a mão de obra barata da China. Um aluno hispânico falou sobre as formas pelas quais os empregadores norte-americanos exploram os imigrantes ilegais.
Outros comentários contrariavam os possíveis estereótipos. D'wahn Kelley, um aluno negro, afirmou que hesitava em condenar de maneira severa demais o protagonista do romance.
"Você deve ser julgado por aquilo que sabe, e não por aquilo que não sabe", disse, em referência às limitações da imaginação moral do protagonista. "Na época, quem desejava fazer sucesso usava do direito de ter escravos".
Em resposta, Ashley Vazquez, uma aluna hispânica, afirmou que rejeitava "essa balela de que é preciso aprender para distinguir o certo do errado".
"Para mim é difícil imaginar", afirma, "que alguém possa viver sossegado com a ideia de que vai proprietário de outro ser humano".
ADMISSÃO
Três quartos dos alunos texanos da universidade são admitidos sob um programa que garante admissão aos melhores alunos das escolas secundárias do Estado. (O programa é conhecido pelo apelido Top Ten, mas a porcentagem de admissões varia. Fisher não conseguiu admissão sob esse programa por margem ínfima.)
Os demais estudantes do Texas, e os de outros Estados e países, são selecionados com base em padrões que levam em conta realizações acadêmicas e outros fatores, entre os quais etnia e raça.
O programa Top Ten resulta em diversidade racial e étnica substancial. No final do ano passado, os ingressantes admitidos sob o programa eram 26% hispânicos e 6% negros. A população texana conta com 38% de hispânicos e 12% de negros.
A questão prática em Austin é determinar o que a eliminação dos programas de admissão que tomam a raça como critério significaria para seminários como aquele a que assisti sobre democracia, e para a interação nos alojamentos e refeitórios.
A universidade afirma que o programa Top Ten não permite sintonia fina, e que as aulas sobre diversos assuntos contam com poucos ou nenhum alunos minoritários.
Acrescenta que a diversidade propiciada pelo Top Ten "deriva basicamente do fato de que as escolas de segundo grau do Texas continuam altamente segregadas, em algumas áreas do Estado", o que "limita a diversidade que pode ser obtida dentro de grupos raciais".
EXCLUÍDOS
Entre os alunos excluídos do programa Top Ten, alega a universidade, estão "os filhos negros ou hispânicos de profissionais liberais bem sucedidos em Dallas, com resultados fortes nos testes seletivos e com liderança em atividades extracurriculares, mas que não conseguem ficar entre os 10% de melhores alunos em suas escola de segundo grau (ou estudam em escolas privada de elite que não classifica seus alunos sob esses critérios)".
Os advogados de Fisher alegam que existe "um interesse recentemente desenvolvido por elitismo disfarçado em diversidade intrarracial". Acrescentam que a universidade vem buscando ativamente "o tipo de minorias que prefere", à custa de estudantes brancos como Fisher, que oferecem qualificações similares.
Nosa Aimuyo, cujos pais são imigrantes nigerianos e que foi admitido à universidade fora do programa Top Ten, diz que um processo de admissão que leve em conta a raça do candidato é necessário para "corrigir a disparidade de oportunidades entre as escolas de segundo grau, o que afeta as minorias desproporcionalmente".
Em entrevista em seu escritório em Austin, o reitor William Powers Jr. diz que os atributos que a universidade procura têm muitas dimensões.
"Desejamos diversidade em termos de origem econômica, primeira geração, geografia, centros urbanos, classe média suburbana", afirmou.
Perguntado sobre o que diria a Fisher, que provém da classe média, quanto à decepção causada por sua rejeição, ele parou por um instante para refletir.
"Consideramos as características holísticas de todos", disse.
CONVERSA
No mês passado, Fisher passou a manhã conversando comigo em um clube privado em Washington, e depois eu a levei em uma visita não planejada à Corte Suprema, cujo ambiente grandioso parece tê-la levado a considerar a gravidade da questão que propôs aos juízes.
Ela está trabalhando em Austin, onde sempre desejou morar, como analista financeira. Disse que teve uma boa experiência universitária na Universidade Estadual da Louisiana, e que havia desfrutado da camaradagem da equipe de boliche.
Mas acrescentou ter sido privada de um benefício que o governo do Texas decidiu distribuir por outro critério que não o mérito.
"O que perdi é o que poderia ter nos anos pós-formatura", diz. "Ser parte da rede de ex-alunos da UT me ajudaria. E se eu tivesse estudado na UT, provavelmente teria conseguido uma melhor proposta de emprego".
Ela diz que está tentando se enquadrar ao papel que desempenha em um caso que pode mudar o rumo do ensino superior nos Estados Unidos. Perguntada se encarava a perspectiva como interessante, inspiradora ou assustadora, ela respondeu: "Tudo isso".
Mas Fisher não hesitou em dizer como dirigiria o sistema de admissões.
"Não creio que devêssemos nem ter um espaço para definição racial no formulário de admissão", ela diz.
Tradução de PAULO MIGLIACCI

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