O jovem que viu a namorada ser morta por assaltantes em São Paulo tenta encarar o futuro
"Não sei se choro ou se desconto meu ódio.” Jardel Alves do Nascimento, o jovem mineiro de 24 anos que viu a namorada ser assassinada na sua frente no domingo passado, em São Paulo, parece quebrado por dentro. Os acessos de choro e riso nervoso se alternam enquanto ele fala. Seus olhos não desgrudam do chão e as mãos, que ele rabiscou inteiras de caneta BIC, se apertam ininterruptamente. “É a sensação de impotência que me angustia”, diz. Jardel é mais um sobrevivente da violência. Está vivo, mas carrega a dor, o trauma e até mesmo a culpa de quem não pôde evitar a morte da namorada. A culpa de quem ficou para trás.
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“O que ele sente é mais que um luto amoroso. Além da violência que matou a namorada, há também a perda de perspectiva. O futuro que ele vislumbrava, de repente, desabou”, diz a psiquiatra Laura Andrade, do Hospital das Clínicas. “O rapaz sobreviveu, mas é tão vítima quanto a namorada.” Neste ano, Laura publicou um estudo realizado em parceria com a Universidade Harvard sobre problemas psiquiátricos em São Paulo. Foram entrevistadas mais de 5 mil pessoas, uma amostra grande para pesquisas do gênero. Constatou-se que 55% já haviam vivido algum crime traumático na cidade. Dos paulistanos, 36% já viram alguém ser ferido ou morto. Por causa disso, foram diagnosticadas alteração elevada de humor, ansiedade e depressão.
No domingo 21, Jardel e Caroline Silva Lee foram ao aniversário da melhor amiga dela, no bairro da Consolação. Saíram de lá por volta da meia-noite e meia. Uma hora depois, no bairro de Higienópolis, foram surpreendidos por dois assaltantes. Um deles segurou Jardel. O outro abordou Caroline. “Ela não quis largar a mochila que estava carregando. O cara atirou e saiu correndo. Ela caiu no meu colo... Não pude fazer nada”, afirma Jardel. Embora Jardel gritasse por ajuda, ninguém se aproximava. Uma moradora do prédio vizinho da ocorrência chamou uma ambulância. Caroline já estava morta. Preso dez minutos depois, o assassino de 18 anos disse apenas uma frase, segundo a polícia: “Isso é o que acontece a quem resiste”.
O casal namorava havia um ano e meio. Caçula de nove irmãos, Jardel custou a se aproximar da menina. Diz que se apaixonou quando ouviu suas opiniões. Caroline ainda não tinha completado 15 anos. Ela tinha bolsa de estudos no Colégio São Luís, uma escola particular e tradicional. Jardel concluíra o ensino médio em Minas Gerais, numa escola pública. Em São Paulo, queria ganhar dinheiro para fazer faculdade. O trabalho como servente de obras não bastava. Ele começou a aprender artes marciais numa academia onde um de seus irmãos é instrutor. Jardel tinha o sonho de dar aulas de kung fu. “O Jardel era o patinho feio do kung fu. Era muito desajeitado”, diz Francisco Nobre, seu professor. Depois de engatar o namoro, Jardel começou a se esforçar mais. Caroline o incentivava. Ele passou a treinar todos os dias, durante a manhã e à noite. “Quando a Carol voltava do colégio, ele mostrava como tinha melhorado”, afirma Nobre. “Ela fazia muito bem a ele. Os dois tinham planos juntos.”
No fim do ano passado, Jardel, desempregado, teve de sair da pensão onde morava. Nobre permitiu que ele passasse a dormir na academia de kung fu, e Caroline quis se juntar ao namorado. De acordo com Jardel, a relação da menina com a família tinha se abalado desde a morte do pai dela, em 2006. Um no outro, eles encontraram acolhimento. “Experimentei com ela coisas novas. Fizemos juntos nossa primeira viagem de avião, e ela me levou para conhecer a praia”, diz Jardel, enquanto mexe num aro de chaveiro, posto como aliança no dedo anelar esquerdo. Ele dera um igual a Caroline, o mesmo que ela usava quando morreu.
Jardel passou a manhã da quarta-feira 24 numa loja do Centro de São Paulo comprando camisetas. Quer estampar a foto de Caroline em cada uma e organizar uma passeata para protestar. Contra quem? “Quero levar a público tudo o que aconteceu e tentar melhorar as coisas, por ela.”
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