sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

A presidência faz mal à saúde


Presidente argentina Cristina Kirchner é a quinta líder sul-americana a ser diagnosticada com câncer nos últimos anos. Por Julio Burdman*



Depois de Hugo Chávez, Fernando Lugo, Lula e Dilma Rousseff, a presidente argentina Cristina Kirchner é a mais nova líder política sul-americana a ser diagnosticada com câncer, e embora seu caso aparentemente não tenha a mesma gravidade dos casos anteriores, ela irá se submeter a uma cirurgia na glândula tireoide. Nos blogs e nas redes sociais o número de casos de câncer entre os líderes sul-americanos dá margem a teorias conspiratórias, afinal todos eles são, em maior ou menor medida líderes desafiantes no cenário internacional.
A questão ganha relevância por duas presunções de risco. A primeira é a de que a presidência representa um risco para aqueles que a exercem. A segunda, é que a má saúde dos presidentes põe em risco o programa político que eles representam. O segundo risco parece mais certo que o primeiro.
Na Argentina se passou a acreditar que o frenesi do poder presidencial acelera o fim da vida, a partir da morte de Néstor Kirchner e da publicação de um livro do médico e jornalista Nelson Castro sobre o tema. Entretanto, a história mostra que os presidentes vivem mais e melhor que seus eleitores. Nos Estados Unidos, a Meca do presidencialismo, a maior parte dos presidentes supera largamente a expectativa de vida da população. Se excluirmos os quatro presidentes norte-americanos que foram assassinados (Lincoln, Garfield, McKinley e Kennedy), e morreram com uma idade média de 52 anos, os 34 presidentes dos EUA que faleceram, morreram com uma idade média de 73 anos. E 23 desses 34, viveram até uma idade média de 78 anos, superando em mais de 20 anos a expectativa de vida de sua época e seu segmento demográfico. Quanto mais retrocedemos nessa pesquisa, maior é o tempo extra de vida: os oito primeiros presidentes do país, de Washington a Van Buren, viveram uma média de 79,8 anos, quando a expectativa de vida para os homens brancos não chegava a 38 anos. Todos esses dados vêm de um artigo publicado há poucos dias no Journal of the Medical Association.
Essas estatísticas com certeza são correspondentes à experiência lationoamericana, porque no mundo todo a longevidade se correlaciona fortemente com variáveis como um maior nível socioeconômico e ao acesso à educação e a bons médicos, algo que nossos presidentes também tiveram. Sabe-se que o estresse pode matar, mas pior que o estresse é a depressão, e o poder é pura libido. Não é à toa que o poder é algo tão desejado.
Institucionalmente, todos os presidentes são perecíveis e substituíveis: todos os países presidencialistas contam com cadeias de sucessão estipuladas pela lei. Mas politicamente, está bem claro que as coisas não são assim, e isso não se deve a um marco institucional, mas sim a um padrão cultural: a política presidencialista, do Alasca à Terra do Fogo, é baseada na imagem pessoal e no populismo, e não faz sentido se perguntar se isso é bom ou ruim: as coisas simplesmente são assim, com seus prós e contras. O presidente é o verdadeiro receptor dos votos, e como tal, é a encarnação das exigências, dos planos de governo e dos espíritos das épocas.
Os problemas de saúde dos presidentes não põem em risco a institucionalidade do sistema, mas, até certo ponto, põem em risco a continuidade dos ciclos políticos. A tendência à personalização eleitoral e à midiatização se aprofunda na política contemporânea, e por isso a saúde presidencial se torna cada vez mais importante. Em outros tempos, os presidentes adoeciam e a opinião pública os ignorava. Na era atual, noticias sobre o assunto geram efeitos diferentes na opinião pública, que vão desde o temor a respeito da capacidade dos presidentes em exercer sua função, até sentimentos de simpatia e solidariedade que impulsionam sua popularidade. Tudo indica que a doença da presidente Cristina Kirchner é perfeitamente reversível, mas os casos anteriores explicam a comoção que ela gerou na sociedade argentina.
* Professor de relações internacionais na Universidade de Belgrano

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