segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Desânimo americano no Golfo preocupa





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RASHEED ABOU-ALSAMH
Um decreto real saudita baixado no dia 3 de fevereiro anunciou que o reino da Arábia Saudita encarcerará por três a 20 anos qualquer cidadão que for lutar num conflito no exterior. Depois de anos deixando sauditas lutar com os rebeldes na Síria, essa nova lei veio como uma surpresa. Com medo das consequências domésticas, quando esses guerrilheiros retornarem para casa, o rei Abdullah quer evitar o desastre que ocorreu quando jihadistas sauditas voltaram da luta contra os soviéticos no Afeganistão no fim dos anos 1980 e formaram a rede terrorista Al-Qaeda, que se virou contra o governo saudita, entre muitos outros.
Alguns analistas mais cínicos disseram que o rei saudita decidiu baixar essa nova lei antes da visita oficial do presidente americano Barack Obama ao reino no mês que vem. Na análise deles, seria porque os sauditas querem convencer Obama a tomar medidas mais enérgicas sobre a guerra civil na Síria, para derrubar o regime de Bashar al-Assad. A decisão de Obama de não atacar a Síria com mísseis deixou uma rachadura profunda nas relações dos EUA com os países do Golfo, que ficaram muito decepcionados com a decisão americana, que eles viram como um sinal de fraqueza ante as tentativas iranianas de influenciar e dominar o Oriente Médio.
Estima-se que até 2.500 sauditas podem estar na Síria, entre guerrilheiros e pessoas levando ajuda humanitária para os milhares de refugiados. Mas eles formam somente uma pequena parte dos milhares de muçulmanos estrangeiros que foram lutar contra o regime secular de Assad, inclusive muçulmanos de Tunísia, Líbia, Iraque, França, Grã-Bretanha, Dinamarca e Austrália. Uma estimativa saudita acredita que 20% dos sauditas que foram lutar na Síria já voltaram para casa. Mesmo assim, sabe-se que alguns dos comandantes do grupo radical islamita Jabhat al-Nusra, tão extremo e sangrento que até a Al-Qaeda se distanciou dele na Síria, são sauditas, e que eles nunca vão desistir de lutar e voltar para a Arábia Saudita.
“O que aconteceu na Síria está realmente causando problemas para nós”, disse Abdulrahman al-Hadlaq, chefe da diretoria de segurança ideológica do Ministério do Interior saudita, à agencia de noticias Reuters.
Por dois anos, os sauditas têm canalizado ajuda financeira e militar para os rebeldes na Síria, mas a polarização aguda dos combatentes lá tem dado pausa para a reflexão de que talvez armar os grupos islamistas mais radicais não seria tão boa ideia. Mesmo assim, os sauditas e os outros países do Golfo estão resolutos de que o regime de Assad tem que ser derrubado, o que quer dizer que essa ajuda não vai diminuir tão cedo assim.
A insistência cínica da Rússia em apoiar o regime sírio tem sido o maior empecilho para a partida de Assad do poder. As negociações de paz em Genebra entre o regime e os rebeldes têm alcançado quase nenhum avanço para ter um cessar-fogo de verdade. Um pequeno cessar-fogo aconteceu na cidade de Homs, sitiada e bombardeada por meses por forças governamentais. Por dois dias, refugiados deixaram as partes encurraladas da cidade e foram levados para abrigos onde iam encontrar comida e camas. Aos jovens guerrilheiros também foi dada passagem segura, mas as autoridades do regime Assad disseram que iam ser julgados por crimes de guerra. Num relato eletrizante para a “International Business Times”, a jornalista síria Rasha Elass contou na semana passada como soldados do governo ficaram de alerta quando os refugiados chegaram de ônibus e ficavam falando em voz alta que reconheciam fulano e sicrano, supostamente responsáveis por matar colegas ou parentes deles.
Em tudo isso, temos que lembrar que se trata de uma guerra civil. São sírios lutando contra sírios, muitas vezes famílias divididas por lealdades opostas. Bashar al-Assad tem demonstrado muito bem o quanto brutal seu regime pode ser nessa guerra civil, usando bombas de barril contra civis e cortando a entrega de comida, água, luz e gás para áreas controladas pelos rebeldes. Mas, curiosamente, nos subúrbios da capital, Damasco, o regime tem adotado uma postura muito mais acomodativa. A rede Al-Arabiya disse que, em algumas cidades no entorno da capital, as forças governamentais foram vistas fazendo rondas de segurança com guerrilheiros do Exercito Sírio Livre. Isso, claro, somente aconteceu depois de tréguas assinadas após anos de luta com muitas mortes dos dois lados.
Mas essas tréguas isoladas no entorno de Damasco são talvez um sinal do desespero do regime de Assad por não querer perder a capital para os rebeldes. Obama deveria seguir os conselhos dos sauditas em março e concordar em formar uma zona de exclusão aérea sobre áreas controladas pelos rebeldes, para dar um fim de vez em Assad. Essa postura de pacifismo que Obama tem adotado, no fim das contas, vai custar muito mais vidas sírias do que uma ação enérgica e decisiva custaria.
FONTE: O Globo

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