quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Por que a 148ª Divisão Alemã se entregou somente aos brasileiros na Itália?




Cel.Hiram Reis e Silva

“Foi em abril de 1945. Os alemães tinham retraído da Linha Gótica depois da
nossa vitória em Montese, e provavelmente pretendiam nos esperar no vale do
rio Pó, mais ao Norte. Nosso Esquadrão de Reconhecimento, comandado pelo
Pitaluga, os avistou na Vila de Collechio, um pouco antes do rio. A pedido
do General fui ver pessoalmente e lá, por ser o mais antigo, coordenei a
noite um pequeno ataque com o esquadrão e um pelotão de infantaria, sem
intenção maior do que avaliar, pela reação, a força do inimigo. Sem defender
efetivamente o local, os alemães passaram para o outro lado do rio e
explodiram a ponte. Então observamos que se tratava de uma tropa muito maior
do que poderíamos ter imaginado. Eram milhares deles e nós tínhamos atacado
com uma dezena de tanques e pouco mais de cinquenta soldados”.

“Informamos ao comando superior que o inimigo teria lá pelo menos um
regimento. O comando, numa decisão ousada, pegou todos os caminhões da
artilharia, encheu-os de soldados e os mandou em reforço à pequena tropa que
fazia frente a tantos milhares.” – ” Considerei cumprida a minha parte e fui
jantar com o Coronel Brayner, que comandava a tropa que chegara” prosseguiu
Dionísio. “Durante a frugal refeição de campanha, apresentaram-se três
oficiais alemães com uma bandeira branca, dizendo que vieram tratar da
rendição. Fiquei de interprete, mas estava confuso; no início nem sabia bem
se eles queriam se entregar ou se estavam pensando que nós nos
entregaríamos, face ao vulto das tropas deles, que por sinal mantinham um
violento fogo para mostrar seu poderio”.

“Esclarecida a situação, pediram três condições: que conservassem suas
medalhas; que os italianos das tropas deles fossem tratados como
prisioneiros de guerra (normalmente os italianos que acompanhavam os alemães
eram fuzilados pelos comunistas italianos das tropas aliadas) e que não
fossem entregues à guarda dos negros norte-americanos”.

“Esta última exigência merece uma explicação: a primeira vista parece
racismo. Que os alemães são racistas é óbvio, mas porque então eles se
entregaram aos nossos soldados, muitos deles negros? Bem, os negros
americanos naquela época constituíam uma tropa só de soldados negros, mas
comandada por oficiais brancos. Discriminados em sua pátria, descontavam sua
raiva dos brancos nos prisioneiros alemães, aos quais submetiam a torturas e
vinganças brutais. É claro que contra eles os alemães lutariam até a morte.
Não era só uma questão de racismo”.

“Eu perguntei ao interprete do lado alemão (nos entendíamos em uma mistura
de inglês, italiano e alemão), por que queriam se render, com tropa muito
superior aos nossos efetivos e ocupando uma boa posição do outro lado do
rio. Ele me respondeu que a guerra estava perdida, que tinham quatrocentos
feridos sem atendimento, que estavam gastando os últimos cartuchos para
sustentar o fogo naquele momento e que estavam morrendo de fome. Que queriam
aproveitar a oportunidade de se render aos brasileiros porque sabiam que
teriam bom tratamento”.

“Combinada a rendição, cessou o fogo dos dois lados. Na manhã seguinte
vieram as formações marchando garbosamente, cantando a canção ‘velhos
camaradas’, também conhecida no nosso Exército”.

“A cerimônia era tocante” – prosseguiu Dionísio. “Era até mais cordial do
que o final de uma partida de futebol. Podíamos ser inimigos, mas nos
respeitávamos e parecia até haver alguma afeição. Eles vinham marchando e
cada companhia colocava suas armas numa pilha, continuando em forma, e seu
comandante apresentava a tropa ao oficial brasileiro que lhe destinava um
local de estacionamento. Só então os comandantes alemães se desarmavam. A
primeira Unidade combatente a chegar foi o 36 Regimento de Infantaria da 9°
Divisão Panzer Grenadier. Seguiram-se mais de 14 mil homens, na maioria
alemães, da 148° Divisão de Infantaria e da Divisão Bessaglieri Itália que
os acompanhava”.

“Entretanto houve um trágico incidente: Um nosso soldado, num impulso de
momento, não se conteve e arrancou a Cruz de Ferro do peito de um sargento
alemão. O sargento, sem olhar para o soldado, pediu licença a seu comandante
para sair de forma, pegou uma metralhadora em uma pilha de armas a seu lado
e atirou no peito do brasileiro, largou a arma na pilha e entrou novamente
em forma antes que todos se refizessem da surpresa. Por um momento ninguém
sabia o que fazer. Já vários dos nossos empunhavam suas armas quando o
oficial alemão sacou da sua e atirou na cabeça do seu sargento, que esperou
o tiro em forma, olhando firme para frente. Um frio percorreu a espinha de
todos, mas foi a melhor solução”
 - Concluiu Dionísio.

Ao ouvir esta história, eu já tinha mais de dez anos de serviço, mas não
pude deixar de me emocionar. Não foram as tragédias nem as atitudes altivas
o que mais me impressionaram. O que mais me marcou foi o bom coração de
nossa gente, a magnanimidade e a bondade de sentimentos, coisas capazes de
serem reconhecidas até pelo inimigo. Capazes não só de poupar vidas como
também de facilitar a vitória. É claro que isto só foi possível porque os
alemães estavam em situação crítica; noutro caso, ninguém se entregará só
porque o inimigo é bonzinho, mas que a crueldade pode fazer o inimigo
resistir até a morte, isto também é real. Na História Pátria podemos ver
como Caxias, agindo com bondade, só pacificou, e como Moreira César, com sua
crueldade, só incentivou a resistência até a morte em Canudos.

O General Dionísio e o interprete alemão – Major Kludge, se tornaram amigos
e se corresponderam até a morte do primeiro, no início dos anos 90. O
General Mark Clark, comandante do 5° Exército norte-americano, ao qual a FEB
estava incorporada, disse que foi um magnífico final de uma ação magnífica.
Dionísio disse apenas que a história real é ainda mais bonita do que se
fosse somente um grande feito militar."

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