quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Agonizante social-democracia


Rodrigo Constantino, O GLOBO

A crise financeira voltou a assombrar o mundo. Assim como em 2008, a busca por bodes expiatórios é automática. Os especuladores são o alvo preferido nessas horas. Mas poucos têm focado no cerne da questão. O que está em jogo é a própria sobrevivência de um modelo de sociedade: a social-democracia.
O sonho “igualitário” conquista corações há séculos. O socialismo foi seu grande experimento no século 20. Deixou um rastro de miséria, terror e escravidão por onde passou. Seus “órfãos” encontraram refúgio na social-democracia europeia, uma espécie de “socialismo light”. Todos teriam “direito” a uma vida digna, garantida pelo Estado.
Buscando se perpetuar no poder, os políticos faziam leilões de promessas irrealistas. Aquele que oferecesse mais benesses ao maior número de pessoas seria eleito. As “conquistas” trabalhistas foram se amontoando, concomitantemente à perda de competitividade das economias. Todos passaram a esperar tudo do governo, de mão-beijada.
Se os produtos importados são mais baratos, o governo cria barreiras protecionistas. Se a produção agrícola é ineficiente, o governo oferece subsídios. Se a empresa falir, o governo a salva. Se a produtividade é baixa, o governo aumenta o salário por decreto. Se trabalhar duro é “desumano”, o governo limita a quantidade permitida de horas trabalhadas.
A economia fica menos competitiva. O governo ataca os sintomas. Se o empregado é demitido, ele pode viver à custa do governo por vários anos. Ele conta com ampla rede de proteção, tudo “grátis”. O mecanismo de incentivos é perverso, desestimulando a produção e alimentando o parasitismo. Ser funcionário público, com mais privilégios ainda, torna-se a meta de muitos.
Para agravar o quadro, o governo criou um verdadeiro esquema piramidal de Previdência Social. As pessoas se aposentam cedo, mesmo vivendo mais. E a aposentadoria guarda pouca relação com o que foi efetivamente poupado durante os anos trabalhados. Trata-se de um esquema Ponzi de transferência de recursos.
Esta ilha da fantasia pode ser mantida enquanto houver demografia favorável. Mas, inevitavelmente, a conta terá de ser paga. O inverno um dia chega para as cigarras. Com o envelhecimento da população, o sistema implode.
A entrada da China na globalização foi responsável por um dos maiores choques de produtividade da história. São milhões de formigas dispostas a produzir tudo mais barato. Os bancos centrais, cúmplices dos governos deficitários, puderam manter estímulos artificiais sem grandes impactos na inflação. O mundo todo crescia. Era a “Grande Moderação”. As cigarras estavam felizes.
Mas o inverno chegou. A bolha de crédito explodiu, sendo absorvida por governos já demasiadamente endividados. O déficit fiscal saiu de controle, e a dívida pública passou de 100% do PIB em alguns casos. Com carga tributária já na casa dos 50% do PIB, os governos ficaram sem margem de manobra. Resta cortar drasticamente os gastos públicos, desmontando o Estado social.
Claro que este encontro com a dura realidade incomoda muita gente. Inúmeras pessoas se acostumaram com a “dolce vita” das cigarras. A tensão social cresce visivelmente nas ruas. A alternativa tentadora é imprimir moeda. Mas a Europa não conta com a mesma flexibilidade dos EUA, e a Alemanha representa um obstáculo à “solução” inflacionária. Ela já viu o diabo da hiperinflação de perto e sabe como ele é feio.
Não há saída fácil para esta sinuca de bico. A crise é fruto de décadas de gastos públicos crescentes, gradual perda de competitividade econômica e envelhecimento populacional. O euro, uma criação política, fez os países mais irresponsáveis ganharem tempo. Mas chegou a hora da verdade.
O modelo de bem-estar social europeu está em xeque, ainda que Obama queira seguir no mesmo caminho. Por isso o Tea Party gera tanta revolta. Os social-democratas gostariam de crer que é possível viver eternamente no conto de fadas. Estão apavorados com a idéia de que finalmente a fatura dos anos de farra irresponsável chegou. Com juros.
“No longo prazo estaremos todos mortos”, disse um dos ícones desta mentalidade hedonista. Mas o longo prazo chegou. E se Keynes já morreu, muitos ainda estão vivos. É a social-democracia keynesiana que corre risco de vida.
E o Brasil? Seguimos aqui o mesmo modelo falido. Enquanto a China e a demografia ajudarem, a farra poderá continuar. Mas um dia a fatura chegará para os brasileiros também. Podem anotar.

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