Segundo a denúncia, que chegou a parar no Ministério Público, o comandante do Exército, Enzo Peri, ganhou de presente caras lentes de contato de R$ 3 mil de uma empresa que presta serviços à Força
General é acusado de ganhar lente para renovar contrato
Segundo a denúncia, que chegou a parar no Ministério Público, o comandante do Exército, Enzo Peri, ganhou de presente caras lentes de contato de R$ 3 mil de uma empresa que presta serviços à Força
Em conversa gravada, gerente do Centro Brasileiro de Visão diz que lente foi um presente para o general Enzo Peri - Antonio Cruz/ABr
Em fevereiro de 2008, o comandante do Exército, general Enzo Martins Peri, realizou uma cirurgia para implantar uma lente intraocular no olho esquerdo. A cirurgia rendeu-lhe uma acusação de corrupção. Ele foi acusado de ter ganho como cortesia a lente e o procedimento médico para implantá-la, realizado pelo Centro Brasileiro da Visão, em Brasília, no valor de R$ 3 mil. Credenciado há mais de 15 anos junto ao Fundo de Saúde do Exército (FUSEx), depois da cirurgia do general, o Centro Brasileiro de Visão teve seu contrato renovado, com cláusulas mais vantajosas.
A denúncia contra o comandante do Exército foi feita pelo sargento Fernando Alcântara, e gerou um procedimento preparatório na Procuradoria da República no Distrito Federal, que iniciou a investigação em 5 de abril de 2010. Em 28 de maio de 2010, a procuradora enviou um ofício ao ex-ministro da Defesa, Nelson Jobim, para pedir informações sobre os fatos relatados. O ministério tinha 30 dias para responder, mas o ex-ministro só encaminhou as informações em 26 de agosto do mesmo ano. A conclusão do ministro foi de que as informações eram infundadas e careciam de comprovação. A procuradora, então, arquivou o processo em 28 de setembro de 2010, por falta de provas suficientes que pudessem condenar o general.
No mesmo documento apresentado como resposta, o ex-ministro da Defesa solicitou à procuradora que determinasse a apuração de responsabilidade em decorrência de oferecimento de acusações infundadas e falsas. O ofício que embasa a resposta do ministro foi assinada pelo General-de-Divisão Joaquim Silva e Luna, chefe do Gabinete do Comandante do Exército, subordinado direto do general Enzo Peri.
Para o autor da denúncia, a forma como a procuradora agiu na investigação dá margens para concluir que o procedimento não foi bem apurado. “Não houve inquérito policial, não existe nenhuma peça que se encontre de que a Polícia Federal foi chamada pela procuradora Raquel Branquinho, como deveria ser, para que realmente investigasse por meio de inquérito policial. Então são, dois pesos e uma medida. Se existe a capacidade de determinar que haja uma investigação contra quem prestou a notícia-crime, você deveria ter tomado o cuidado de investigar por meio de inquérito policial também contra aquele que foi acusado de cometer o crime. E isso não ocorreu no caso. Ou seja, o que leva a crer que houve uma articulação política”, afirma Fernando.
“Provas suficientes”
Para Raquel Branquinho, o Exército apresentou provas suficientes para a conclusão do procedimento e a determinação de seu arquivamento. Em sua defesa, o Exército garante que as lentes foram pagas pelo convênio de acordo com todas as regras.
Ocorre que, apesar das alegações do Exército e das conclusões de Raquel Branquinho, houve a admissão do próprio gerente de relacionamento do Centro Brasileiro de Visão, Leonardo Carvalho Aguiar, de que a lente e o procedimento cirúrgico foram um presente. Em 2008, foi gravada uma conversa de Leonardo com o subtenente Davi Reis. Apresentando-se como funcionário do gabinete do comandante do Exército, Davi Reis perguntou: “Vocês fizeram uma cortesia para o general Enzo?”. E Leonardo respondeu: “Foi”. Em seguida, Leonardo diz que a razão para o agrado foi o relevante cargo do general.
Ouça aqui o áudio da conversa entre Leonardo e Davi Reis
Entenda a cirurgia
O general Enzo Peri realizou uma facectomia, procedimento que consiste na extração do cristalino doente e posterior colocação de uma lente artificial em seu lugar. A lente implantada é da empresa Alcon, modelo WFIQ, que consta na tabela de preços do CBV com o valor de R$ 3 mil. Segundo o gerente, esta não é a lente mais cara que existe, mas é a que tem maior valor na clínica. Ele explica que o tipo de lente a ser usada depende das necessidades do paciente, que devem ser atestadas por um médico.
A lente em questão diminui a ocorrência de problemas visuais decorrentes de alterações na córnea. Ela é indicada para pacientes que apresentam irregularidades na córnea, astigmatismos que não podem ser corrigidos por uma lente intra-ocular, pacientes previamente submetidos a cirurgias refrativas e pacientes que tenham problemas de visão em baixa luminosidade. Uma lente normal possui apenas proteção para raios ultravioletas (UVA e UVB).
Ao longo da conversa, Reis diz que a razão da conversa era entender como o procedimento cirúrgico foi feito, pois outros generais queriam usufruir da mesma benesse. Segundo ele, dentre os que se sentiram desprestigiados estava o general Adhemar da Costa Machado Filho, que à época era o Comandante Militar do Planalto. Ele teria pleiteado a mesma cirurgia, mas não foi atendido. Davi Reis afirma que Adhemar ficou sabendo da cirurgia e quis uma também. Além dele, o ex-ministro do Superior Tribunal Militar, general Max Hoertel, também teria pedido tal “cortesia”.
Sobre isso, Leonardo afirma: “Rapá (sic), mas será que isso não vai ficar ruim para a gente? Agora todo general vai querer a lente agora não, cara? De cortesia? Quê isso, se todo mundo querer (sic) usar, ótimo”.
O general Adhemar é o mesmo que fez declarações homofóbicas contra o casal de sargentos Laci Marinho de Araújo e Fernando Alcântara. Ao longo da conversa, o militar ressalta que é contra a instalação de inquéritos para investigar denúncias de corrupção, “porque fugiriam ao seu controle”. Ele também afirma sentir saudades dos tempos da ditadura militar em que se podia empregar métodos nada ortodoxos, como invadir o apartamento do casal, sem mandado judicial, “para dar uma surra”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário