Por Anônimo.
Lembro-me com clareza de algo que disse o professor Olavo de Carvalho a respeito da China quando ministrou um curso de ciência política na PUC-PR. Naquela ocasião, há quase vinte anos -- o curso foi dado em 2002 --, o professor já identificava o gigante asiático como um dos mais temíveis agentes políticos a cobiçar o Brasil. Aquilo que pode parecer hoje uma obviedade para muitos, há vinte anos atrás seria facilmente encarado como loucura. Assisti a esse curso pelas gravações, em 2013, quando a China já possuía uma ação muito mais relevante no Brasil.
O que mais me marcou foram os elementos usados pelo professor Olavo em 2002 para prever desenvolvimentos que, aos meus olhos, em 2013, ainda não eram tão óbvios como são agora na virada de 2020 para 2021. Em resumo, o professor Olavo disse que vinha observando como os chineses ocupavam cada vez mais espaço em todas as camadas da sociedade brasileira -- se me lembro bem, ele usou o exemplo de um chinês recém imigrado, que escondia cocaína em seu carrinho de lanches, morava em uma favela e gradualmente trazia seus parentes para o Brasil --, e como isso era característico da forma de sutil e paciente do espírito chinês atuar, o que naturalmente se desdobraria em um modo lento e gradual de ocupação política.
O professor terminava sua observação questionando, de forma hiperbólica, o que aconteceria se de repente a China enviasse um quinto de sua população para o território brasileiro.
A conclusão era óbvia: metade do Brasil seria chinesa, a outra metade brasileira, e nacionalidade brasileira estaria assim perdida em termos numéricos. Daí em diante problema de falta de abastecimento do país asiático poderia ser equacionado de maneira mais segura e vantajosa para os chineses a médio e longo prazos.
Escrevi esse parágrafo introdutório para dar ciência de que essas possiblidades especuladas pelo professor Olavo de Carvalho há mais de 20 anos não são mais apenas especulações. São realidades. O Brasil é hoje, de fato e de direito, uma colônia da China, e os próximos anos só servirão para deixar clara essa realidade, trazendo-a cada vez mais ao conhecimento e ao dia a dia do grande público. Como toda previsão feita com décadas de antecedência, os detalhes concretos não foram adiantados, porque nenhum cientista político tem bola de cristal, mas o plano chinês para o Brasil foi antevisto de forma cristalina pelo professor, e hoje já é um projeto concluído.
No dia de ontem, 22/12/2020, o Congresso Nacional votou e aprovou quase que sem discussão o PL 5.191/2020, do deputado Arnaldo Jardim (CIDADANIA), que cria a figura do Fiagro -- Fundo de Investimento nas Cadeias Produtivas Agroindustriais. Na prática, o projeto inseriu na Lei 8.668, que criou os Fundos Imobiliários no Brasil em 1993, essa nova categoria de fundo de investimentos. Em si mesma, a lei não tem nada de essencialmente errado, mas no meio de uma pandemia em que o único país que cresceu economicamente foi a China, os efeitos dessa lei, em sinergia ou não com a lei que regulamenta a compra de terras por estrangeiros aprovada no Senado há poucos dias, significa, na prática, amarrar o único setor superavitário do Brasil ao capital chinês, uma coisa que será impossível desfazer depois. Para que o leitor que não tem familiaridade com o mundo dos investimentos possa entender a gravidade do que ocorreu ontem, vou explicar de maneira breve e didática como funciona um fundo de investimentos para que fique fácil de compreender a genialidade estratégica do sutil lobby chinês.
Na nossa vida diária, nós trabalhamos e geramos riqueza. Muitas pessoas produzem riqueza o suficiente apenas para pagar as contas, outras nem isso. As primeiras ficam no zero a zero, e as últimas precisam pegar riqueza emprestada com outras pessoas, fazendo dívida. Algumas pessoas, porém, produzem mais do que apenas o necessário para pagar as contas. A essa riqueza que sobra chamamos “poupança”. Quando uma pessoa consegue poupar, ela pode simplesmente guardar o que sobrou de baixo do colchão, mas muitas pessoas chegam à conclusão de que aquele dinheiro que ficaria parado ali na cama seria mais vantajoso se servisse pra alguma outra coisa.
A essa outra coisa damos o nome de “investimento”. Daí que muitas pessoas, por exemplo, compram casas para alugar para outras pessoas. Assim pelo menos o dinheiro não fica no colchão, e de quebra o dono da nova casa ganha um dinheirinho extra com aluguel. O que acontece, porém, se a pessoa que comprou essa casa para alugar julgar que dá muito trabalho cuidar dela? E se essa pessoa ficar com medo de perder seu inquilino e assim, além de ter gasto aquilo que poupou na compra do imóvel, ter agora que arcar com os custos de manutenção da casa sem ganhar nada em troca? É aí que entra a figura do “fundo de investimento”, nesse caso específico, o fundo imobiliário. Ao invés de comprar e cuidar da casa por conta própria, o poupador/investidor dá esse dinheiro para um profissional que vai cuidar da casa para ele e devolver o aluguel no final do mês.
Essa forma de investir facilita algumas coisas e dinamiza a economia. Se o poupador antes precisava esperar juntar, digamos, R$ 100.000,00 para comprar uma casa, agora ele pode se juntar com outros 10 poupadores que conseguiram juntar R$ 10.000,00 cada um e comprar a casa com mais facilidade. Os, suponhamos, R$ 1.000,00 de aluguel mensais que o inquilino dessa casa paga para morar nela são então divididos entre os 10 poupadores, R$ 100,00 para cada um. Além de não ter que se preocupar em cuidar da casa ou se vai perder o inquilino, porque um gestor profissional é quem está tomando conta do imóvel, esse poupador agora, se quiser sair do negócio, não precisa vender a casa toda. Basta ele arranjar alguém que também poupou R$ 10.000,00 e vender sua parte no negócio para essa pessoa, ou mesmo arranjar 10 pessoas que pouparam apenas R$ 1.000,00. Essa parte no negócio que o poupador/investidor pode vender são as famigeradas “cotas” do fundo. É assim, grosso modo, a forma de funcionamento de um fundo de investimentos, que é mais formalmente conhecido como um “condomínio de cotistas”. Pois bem, não há nada de essencialmente errado nessa forma um tanto engenhosa de fazer negócios. Pense, porém, na situação concreta que temos hoje no Brasil e no mundo, em que basicamente temos a China rica e o resto do mundo pobre.
O que acontece se o poupador/investidor “Brasil” enxergar dificuldades em continuar mantendo a casa que comprou, e de repente lhe aparecer um bom gestor com a seguinte ideia salvadora: “senhor, quero comprar sua casa que lhe está causando dor de cabeça. Sou um profissional da área e encontrei 10 investidores ao redor do mundo que estão dispostos a correr o risco de tentar conseguir um inquilino para ela. Podemos pagar mais do que o senhor acha que sua casa vale.”? O que acontece se na verdade todos esses 10 investidores forem chineses?
O grande problema com o PL 5.191/2020 é que ele é completamente vago em relação aos limites de participação estrangeira na nova modalidade de fundo de investimento. Ainda assim, na justifica à apresentação do projeto, o deputado Arnaldo Jardim não esconde suas reais intenções:
“Embora a Lei n° 13.986/2020 tenha modificado a Lei n° 5.709/1971 no sentido de permitir a aquisição de terras por estrangeiros no caso de execução de garantias, é preciso avançar mais nesse ponto. É certo que há projetos no sentido de regulamentação do art. 190 da Constituição Federal para estabelecer critérios para aquisição de terras por estrangeiros, como por exemplo o PL 2.963/2019. No entanto, o assunto é bastante controverso e não há garantias que projetos como esse avançarão com a celeridade devida.”
Ou seja, é preciso avançar o mais rápido possível na permissão de aquisição de terras por estrangeiros, porque não há garantias de que o PL 2.963/2019 -- que é projeto que flexibiliza a compra de terras brasileiras por estrangeiros -- será aprovado no Senado. Deve ser por isso que o projeto de lei do deputado Arnaldo Jardim tramitou com tanta rapidez: por incrível que pareça, na mesma Câmara em que muitos projetos de lei levam anos para ir a plenário, o projeto do deputado do CIDADANIA foi apresentado, analisado em comissões, pautado e aprovado no espaço de um mês. O PL 5.191/2020 foi apresentado no dia 18/11/2020 e ontem já foi a plenário para aprovação, em condições suspeitíssimas.
No dia 08/12/2020 o deputado Evair Vieira de Mello (PP), membro da Frente Parlamentar Brasil-China, colocou o projeto para tramitação em regime de urgência. No dia 16/12/2020 o relator do projeto, deputado Christino Aureo (PP), também membro da Frente Parlamentar Brasil-China, deu parecer seu parecer, e o projeto ficou para ser votado em todas as sessões a partir do dia 17/12/2020. Não houve tempo em nenhuma delas, mas curiosamente houve tempo justamente no dia 22/12/2020, dia para o qual havia manifestações marcadas e em que, por fatalidade, as atenções estavam todas voltadas para o caso Oswaldo Eustáquio. Bem mais suspeito do que isso foi forma de condução da votação. Por uma incrível coincidência, Rodrigo Maia retirou-se da Câmara e não presidiu a sessão. Sem o político mais odiado da nação estar presente, a Câmara ficou completamente fora dos holofotes. Pela primeira vez, Kim Kataguiri conduziu os trabalhos. Ele iniciou os trabalhos lendo a ordem de projeto para votação, quando então, por uma coincidência ainda mais incrível, recebeu um comunicado de Rodrigo Maia para que o projeto dos Fiagro fosse o primeiro a ser pautado. Um total de zero brasileiros viu, em um espaço de menos de 4 horas, o estranho caso em que, sem entender o que estava em jogo e apenas para fazer oposição, PT e PSOL defenderam a soberania brasileira, e o relator Christino Aureo nadou de braçada na defesa de um crime de lesa pátria, mentindo deliberadamente sobre a contestação principal. Para rebater as alegações de que o projeto abriria a porteira para a aquisição de terras por estrangeiros, o relator inventou a desculpa ridícula de que os bens do fundo não se comunicariam com os do administrador, como se qualquer novato no mundo dos investimentos não soubesse disso. Dizendo essa obviedade, o deputado tergiversou e camuflou o fato de que os bens de um fundo são de propriedade dos cotistas. Não houve ninguém que o contestasse nesse vício evidente e o projeto foi aprovado sem maiores problemas.
Os Fiagro, sim, meus caros, poderão ser usados para aquisição de terras por grupos estrangeiros, de uma maneira muito mais difícil de rastrear do que pela aquisição direta prevista no PL 2.963/2019, que na data em que escrevo também já foi aprovado. E é justamente neste ponto que se encontra a genialidade estratégica do lobby chinês em trabalhar com dois projetos de lei ao mesmo tempo, nas duas casas: trata-se de dialética marxista em estado puro.
O PL 2.963/2019, aprovado no Senado, é o mais antigo e gerou muito mais polêmica. Muitas coisas provavelmente o presidente Bolsonaro vetará. Já o PL 5.191/2020 passou e ninguém se deu conta dele. O governo acha que é um projeto inofensivo, e foi feito um trabalho muito eficaz durante sua rápida elaboração de colocá-lo como uma alternativa segura ao projeto do Senado, como se o projeto dos fundos permitisse o investimento externo sem a efetiva posse, o que, como já vimos, não é o caso. Ou seja, se o projeto do Senado não resistir ao escrutínio público e à sanção, projeto dos Fiagro será uma alternativa, mas se ambos passarem, trabalharão em sinergia para que investidores chineses possam comprar terras no Brasil. É um jogo em que só se perde. O “sim” e o “não” foram controlados. Para piorar a situação, Câmara e Senado vão procurar ser o mais pacíficos que puderem quando cada casa for revisar o projeto da outra, já que se trata da mesma temática e de projetos que foram aprovados ao mesmo tempo. “Ajuda o meu, que eu ajudo o seu”. A partir daqui, fica mais fácil compreender aonde quero chegar: o projeto do deputado Arnaldo Jardim é o centro da estratégia chinesa. Do contrário, ele não teria sido conduzido com o cuidado que seu irmão no Senado não mereceu. A coisa foi rápida, cirúrgica, longe dos olhos de todos e cada momento foi calculado com extremo cuidado.
Os Fiagro serão destinados não apenas à aquisição de imóveis rurais, mas também a investimento em papéis e valores mobiliários diversos relacionados à atividade agroindustrial, cotas de outros fundos de investimento, bem como investimentos em crédito relativo ao setor. Isso quer dizer que um Fiagro poderá atuar no mercado de crédito para o setor do agronegócio. Ao invés de um produtor brasileiro pegar um empréstimo caro em um banco ou com o governo, terá agora um mundo de fundos dispostos a emprestar dinheiro, bastando que coloquem como garantia suas terras, suas vacas, suas fábricas de iogurte ou de chocolates, o que seja. Tudo isso é agroindústria. Imaginem os efeitos que um crédito assim poderá gerar em um cenário de pandemia no qual a China foi o único país a produzir riqueza. O PIB chinês foi o único que cresceu. A China poupou, e portanto poderá investir. O resto do mundo é palco para esses investimentos. A China poderá emprestar dinheiro barato para o agronegociante brasileiro e ter os ativos brasileiros como garantia. Mais um baque em nossa frágil economia -- e com a mania de segunda, terceira, milésima onda da pandemia isso é a coisa mais fácil do mundo de se conseguir! -- e o agronegociante brasileiro não poderá arcar com esses empréstimos. Seus bens serão simplesmente executados como garantia e passarão a integrar os fundos dos chineses. É uma ameaça muito mais grave do que mil leis de terras que o Senado aprove.
Para que não reste dúvida de que atuar através dos instrumentos do mercado de capitais é principal forma que agentes externos possuem para atuar sobre a soberania territorial brasileira, basta checar no site da CVM a quantidade de fundos de investimento relacionados ao agronegócio que foi registrada nos últimos meses. Procurem pelos Fundos de Investimento em Participações relativos ao setor, e até pelos Fundos de Investimento Imobiliário. Vocês verão que fundos como os da SP Ventures ou mesmo o “Quasar Agro” são só os mais famosos dentre eles. Essa penetração do mercado financeiro no agronegócio brasileiro é a oportunidade de ouro para que a China finalmente domine o setor de terras e alimentos no Brasil.
Presidente Bolsonaro, o senhor não precisa sequer esperar para vetar esses projetos. Peça publicamente para que, na revisão, o Congresso avalie novamente se o momento de tramitação delas foi propício, e se não é o caso de criar mecanismos de transparência, segurança e prazos mais claros. Em último caso, vete sem medo e passe a bola para que as pessoas que o elegeram discutam publicamente o tema e pautem o Congresso. O tempo é pouco, e o que está em jogo é soberania brasileira e até a “segurança alimentar” de que o senhor falou tanto em sua campanha. Nem sei se posso dizer que existe uma última chance de barrar o avanço chinês, mas até mesmo as chances de lutar contra ele estão acabando.
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