quinta-feira, 11 de março de 2021

FÉRIAS EM PERNAMBUCO (CONTO)



Por, Lourinaldo T. Bezerra.


Haviam vestígios claros da presença dela naquela sala, por isso procurei-a por toda parte, mas não a encontrei ali. Voltei, então, à praça e lá estava ela a sorrir de mim...
Cumprimentou-me com um beijinho de “olá”, seja bem-vindo, e começamos a conversar. Contou tudo sobre os seus desencontros no amor e pude sentir a sua decepção com relacionamentos. Eu, também, contei-lhe sobre algumas situações análogas às que ela passara e nos situamos na conversa.

Depois de algum tempo concordamos em irmos fazer um pequeno lanche, pois já passava das 16:00 h. Escolhemos uma casa de chás ali pertinho e para lá nos dirigimos. Após nos acomodarmos no ambiente, pedimos à moça atendente o que pretendíamos comer e beber.

A nossa conversa mudara de tema, agora estávamos falando da nossa profissão, qual seja advocacia. Enveredamos por casos ganhos e perdidos, discutimos jurisprudência e terminamos concordando em muitos tópicos. Por fim, tratamos, também, sobre coisas do nosso dia a dia. Terminamos o nosso lanche e acertamos em nos encontrarmos no dia seguinte no fórum da cidade.

Mas, à noite ela me ligou desmarcando o nosso encontro, devido ao surgimento de um problema o qual ela teria que resolver ao amanhecer. Deixamos para a sexta-feira depois do almoço na mesma praça em frente ao fórum. Nos encontramos e nos cumprimentamos com beijinhos e abraços apertados e gostosos.

Sentamo-nos num dos bancos ali existentes e começamos a conversar.
Ela contou-me sobre o problema que resolvera na quarta-feira passada, quando não pudemos nos encontrar e me disse que tudo ficara resolvido.
Então, entramos num terreno que nos agradava muito: amor!
Confesso que não esperava muito dela, mas me espantei com o resultado do nosso colóquio naquela praça.
Progredimos tanto numa relação a dois que assumimos um compromisso logo de cara.

Vimos que nos daríamos muito bem se namorássemos...
E assim o fizemos, estávamos namorando, tínhamos muito o que ganharmos com aquela relação já que éramos advogados e tínhamos tantos pontos em comum.
A partir do momento em que consentimos em sermos namorados, tudo passou a ser muito mais agradável entre nós.
Estávamos nos apaixonando muito rapidamente.
Em sua casa estudávamos casos dela e na minha casa passávamos a limpo meus casos mais espinhosos.
A lucratividade entre nós, do ponto de vista profissional, era muito boa, mas estava um tanto quanto secundário: o amor.

Depois de alguns casos ganhos, tanto da minha parte quanto da parte dela, passamos a nos divertir mais.
Fomos a muitos shows, concertos sinfônicos, cinemas, praia, etc.
Até que, aproximando-se a primavera, vimos que estavam quase coincidindo as datas em que sairíamos de férias.
Cada um verificou o que poderia ser ajustado para que uma data fosse estipulada para o evento.

E conseguimos os ajustes necessários para a nossa viagem ao Nordeste do Brasil, em setembro vindouro.
Nos preparamos bem, compramos algumas coisas que precisaríamos na viagem e embarcamos no Aeroporto de Cumbica, exatamente às 9:45h do dia 3 de setembro de 2001, rumo a Recife. Exatamente às 12:45h do mesmo dia chegamos a Recife, onde o Sol fazia brilhar a maravilhosa capital do estado de Pernambuco.
Fomos diretamente para o hotel em Boa Viagem, descansamos da viagem e nos amamos com um ardor incrível.
Estávamos muito felizes naquele quarto de hotel na Rua dos Navegantes, no bairro de Boa Viagem.


                                   Praia de Boa Viagem, Recife.


Da janela do nosso apartamento não víamos o mar, mas estávamos bem pertinho dele, a ponto de sentirmos o cheiro característico da maresia.
Tomamos uma chuveirada e fomos almoçar ali mesmo no restaurante do hotel.
Comemos uma peixada à moda da casa, uma delícia.
Após voltarmos ao apartamento para escovarmos os dentes e nos vestirmos adequadamente para o ambiente de praia, descemos e nos dirigimos ao calçadão da Av. Boa Viagem.

Tomamos uma água de coco para saciar a sede que a peixada proporcionou e fomos caminhar pela avenida movimentada.
De repente aconteceu o inesperado!
Alguns tiros foram disparados em algum lugar ali por perto e ficamos atônitos sem saber o que fazermos.
Ao ver uma barraca de cocos nas proximidades, peguei na mão da Beth, e corremos abaixados para nos abrigarmos. Só então vimos que ela havia sido atingida de raspão por um projétil no ombro direito, que sangrava muito.
Ela sentiu a umidade escorrendo por seu braço e num grito desesperador me mostrou a lista de sangue ao longo do membro atingido.
Real Hospital Português de Boa Viagem 



Chamei um Uber e em menos de 10 minutos estávamos no pronto atendimento do Real Hospital Português de Boa Viagem, a cerca de 1 km de onde ocorreu o acidente. O PS do Real Hospital Português, é um espetáculo de nosocômio. O atendimento é de primeiro mundo em todos os aspectos.

Examinado o ferimento, o médico disse que não havia nenhuma gravidade, mas que ela precisava repousar por, pelo menos, dois dias até ser descartada a possibilidade de infecção. Fomos direto para o hotel e lá ficamos tomando os cuidados necessários. Pela televisão, soubemos do ocorrido naquela tarde quando passeávamos pelo calçadão da Av. Boa Viagem.

Uma discussão idiota entre dois empresários locais provocara a reação de um dos dois contendentes, que meio bêbado, sacara a arma e disparara a esmo, sem acertar, entanto, seu oponente, mas quase provocando uma tragédia entre nós dois.

Informamos à polícia sobre o ocorrido, duas horas após chegarmos ao hotel.
Através de um telefonema, eu me comuniquei com o delegado plantonista na Delegacia de Boa Viagem, e marcamos para o final da tarde a minha oitiva.

Compareci à delegacia e dei meu depoimento, apresentando o laudo médico que me foi fornecido no PS, onde a Beth fora atendida. Formalizada a queixa e feito o Boletim de Ocorrência, voltei ao hotel, onde encontrei minha amada dormindo. Dei-lhe um beijinho e deitei-me ao seu lado onde adormeci por umas três horas.

No dia seguinte, o ombro da Beth parecia bem melhor, quase cicatrizado.
Trocamos o curativo no PS, e fomos almoçar na praia de Barra de Jangadas, ao sul de onde estávamos.

O ferimento no ombro da minha gatinha não incomodava tanto, sendo assim concordamos em irmos a São José da Coroa Grande, no dia seguinte. Mas, não sem antes passarmos em Porto de Galinhas, cidade turística pernambucana, a qual era um sonho de Beth, conhecer.

No outro dia, uma manhã de um sábado ensolarado, alugamos um carro e fomos para o litoral sul de Pernambuco, um paraíso na Terra. Percorremos a PE-60 em quase toda a sua extensão e entramos em Porto de Galinhas, por volta das 8:30 h daquela manhã.


Porto de galinhas

Andamos ao longo da praia e um jangadeiro nos ofereceu um passeio até os bancos de areia no meio do mar. Infelizmente não pudemos fazer o passeio tão desejado por Beth, pois ela já sabia daquele périplo de praxe para quem visita Porto de Galinhas.
É que o ombro ferido dela a impedia de entrar no mar já que poderia infeccionar o ferimento que ainda estava recente.

Lamentamos e acertamos para voltarmos lá no próximo ano, quando ficaríamos hospedados no resort que lá existe e que é excelente. Foi então que me lembrei de um medicamento fabricado em Recife, que cicatriza milagrosamente qualquer ferimento em questão de horas.

Seguimos viagem pela PE-60, até São José da Coroa Grande, em seguida, e em lá chegando fomos a uma farmácia, onde eu comprei um frasco de “Sanativo”, gaze, água oxigenada a 10 volumes e esparadrapo.


Esse medicamento, o “Sanativo”, é fabricado com extrato de mandacaru, angico e aroeira. São três plantas medicinais da região Nordeste, bastante usadas pelos cangaceiros de Lampião, na época do cangaço em Pernambuco, os quais usavam as três plantas para curarem seus ferimentos diversos.

Retirei o curativo do ombro de Beth, limpei bem com água oxigenada e pedi a ela que mordesse a toalha de rosto da pousada onde estávamos e apliquei umas gotinhas do medicamento milagroso ao longo do corte feito pela bala. Ela fez uma carinha de pavor por causa da dor intensa que o medicamento provoca, mas logo se acalmou. Cobri o ferimento, quase cicatrizado, com um novo curativo e fomos conhecer os arredores.
Igreja de São José


Percorremos a pé a rua de trás da pousada até a igrejinha matriz na praça central de São José, onde adentramos o templo secular para que ela pudesse conhecer.
Ela ficou deslumbrada com a riqueza de detalhes em ouro que existe no altar-mor da igrejinha fundada em meados do século XIX.
Na saída da igrejinha, um rapaz que conhecemos na pracinha da matriz, nos informou que poderíamos alugar um buggy e irmos até a Fazenda Morim, um passeio turístico muito concorrido. Aceitamos a sugestão do rapaz e fomos conhecer a Fazenda Morim, um verdadeiro sonho através do tempo.
Interior da sede da Fazenda Morim (sala de jantar)

A imponente sede da Fazenda Morim

Vista aérea da sede da Fazenda Morim



Depois de meia hora de viagem por uma estrada de terra batida de ótima qualidade à bordo de um buggy amarelo pilotado por Arnaldo Ferreira, o nosso motorista, chegamos em frente à imponente sede da fazenda. Era uma maravilha construída no século XVIII, pela baronesa Gindahy, em pleno sucesso da produção de açúcar no Estado.

A fazenda tem 1129 hectares, em sua maior parte constituída de mata atlântica muito bem preservada. O interior da sede da fazenda é um deslumbre arquitetônico da época colonial portuguesa. Percorremos todo o interior do prédio secular para encanto da minha Beth, que ficou felicíssima quando soube que essa fazenda foi citada no célebre livro do mestre Gilberto Freire: “Casa-Grande & Senzala”.
Rodamos uns 20 quilômetros dentro da propriedade, através de uma estradinha que margeia o açude local e voltamos esfomeados para São José.

Foi um passeio deslumbrante para nós.

Por sugestão do Arnaldo, o nosso motorista, fomos almoçar no “Calamares”, um dos bons restaurantes da Cidade. Nos deliciamos com frutos do mar, apesar do ferimento no ombro da minha amada, que dizem não ser de bom alvitre comer esse tipo de comida quando estiver curando um ferimento. Crendices.
Frutos do mar no Restaurante Calamares


Após o farto repasto, fomos tirar uma soneca na pousada onde estávamos hospedados, que ninguém é de ferro.

Acordamos por volta das 15:30 h, pegamos nosso carro e fomos até a praia de Maragogi, já no estado de Alagoas, já que estávamos exatamente na divisa dos dois estados.


Praia de Maragogi, AL

Maragogi é famosíssima nos roteiros turísticos por ser uma das mais lindas praias do Brasil. Rodamos 10 kms até a praia, pela AL-101, e desfrutamos de uma visão fenomenal.

Devo esclarecer que sou filho natural do estado em que estávamos, Pernambuco, mas a minha namorada é paulistana e ainda não conhecia nada por lá.

Depois do nosso super agradável passeio pelo litoral sul de Pernambuco, retornamos a Recife, depois do café da manhã do domingo

Após deixarmos nossa bagagem no nosso apartamento no hotel em Boa Viagem, e almoçarmos, nos dirigimos a Olinda, cidade histórica, próxima a Recife, visita obrigatória de todos que visitam a capital do estado.

Porém, quase me esquecia de mostrar à minha amada, o magnífico "Castelo de Brennand" no imenso parque da família, por trás do Q. G. do Exército do Nordeste. A visitação dura apenas 3 horas e dificilmente se poderá ver toda a coleção de armas do maior museu particular de armas antigas da América Latina. Com mais de 10 mil peças, o museu fica instalado majestosamente num castelo projetado e construído pelo fundador, para esse fim, onde existem todos os tipos de armas e armaduras da Idade Média.

Castelo de Brenand


Interior do Museu de Armas Antigas




Armaduras medievais




Em Olinda, visitamos várias igrejas - lá existem 23 igrejas seculares -  cada uma mais linda do que a anterior.
Olinda, vendo-se ao fundo a cidade de Recife.

Terminamos o passeio na igreja matriz, que fica numa das muitas colinas, a mais elevada, em que situa-se a bela cidade de Olinda.
Mosteiro de São Bento, Olinda






Rua de Olinda










Voltamos ao hotel e nos preparamos para jantarmos. O nosso final de semana foi maravilhoso, mesmo tendo acontecido o quase trágico caso na Av. Boa Viagem, no dia da nossa chegada à capital pernambucana.

A respeito disso, eu entrei, como procurador de Beth, com uma queixa-crime contra o atirador, um empresário recifense, quando pedi, através de medida judicial, uma indenização por tentativa de homicídio no valor de R$ 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil reais).

Já em São Paulo, meses depois, recebi um telefonema do advogado do réu, o qual me fez uma proposta de indenização à vista no valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais).
Em concordância com a Beth, eu dei o meu aceite e acertamos tudo num cartório de São Paulo, por meio de precatória.

Esse valor custeou, com sobra, a nossa lua de mel em Paris, no ano seguinte, já que pretendíamos nos casar na próxima primavera.

A advogada, Elizabeth Sá Cordeiro Celibelli, e o advogado, Luiz Albuquerque dos Santos Mattos, casaram-se na igreja de Nossa Senhora do Brasil, Jardim Europa, no dia 6 de setembro de 2003, um lindo sábado ensolarado, como gostavam.











sexta-feira, 1 de janeiro de 2021

COMO A CHINA DESTRUIU O QUE SOBRAVA DA SOBERANIA BRASILEIRA NO APAGAR DAS LUZES DE 2020

 


Por Anônimo.


Lembro-me com clareza de algo que disse o professor Olavo de Carvalho a respeito da China quando ministrou um curso de ciência política na PUC-PR. Naquela ocasião, há quase vinte anos -- o curso foi dado em 2002 --, o professor já identificava o gigante asiático como um dos mais temíveis agentes políticos a cobiçar o Brasil. Aquilo que pode parecer hoje uma obviedade para muitos, há vinte anos atrás seria facilmente encarado como loucura. Assisti a esse curso pelas gravações, em 2013, quando a China já possuía uma ação muito mais relevante no Brasil.


O que mais me marcou foram os elementos usados pelo professor Olavo em 2002 para prever desenvolvimentos que, aos meus olhos, em 2013, ainda não eram tão óbvios como são agora na virada de 2020 para 2021. Em resumo, o professor Olavo disse que vinha observando como os chineses ocupavam cada vez mais espaço em todas as camadas da sociedade brasileira -- se me lembro bem, ele usou o exemplo de um chinês recém imigrado, que escondia cocaína em seu carrinho de lanches, morava em uma favela e gradualmente trazia seus parentes para o Brasil --, e como isso era característico da forma de sutil e paciente do espírito chinês atuar, o que naturalmente se desdobraria em um modo lento e gradual de ocupação política.


O professor terminava sua observação questionando, de forma hiperbólica, o que aconteceria se de repente a China enviasse um quinto de sua população para o território brasileiro.


A conclusão era óbvia: metade do Brasil seria chinesa, a outra metade brasileira, e nacionalidade brasileira estaria assim perdida em termos numéricos. Daí em diante problema de falta de abastecimento do país asiático poderia ser equacionado de maneira mais segura e vantajosa para os chineses a médio e longo prazos.



Escrevi esse parágrafo introdutório para dar ciência de que essas possiblidades especuladas pelo professor Olavo de Carvalho há mais de 20 anos não são mais apenas especulações. São realidades. O Brasil é hoje, de fato e de direito, uma colônia da China, e os próximos anos só servirão para deixar clara essa realidade, trazendo-a cada vez mais ao conhecimento e ao dia a dia do grande público. Como toda previsão feita com décadas de antecedência, os detalhes concretos não foram adiantados, porque nenhum cientista político tem bola de cristal, mas o plano chinês para o Brasil foi antevisto de forma cristalina pelo professor, e hoje já é um projeto concluído.


No dia de ontem, 22/12/2020, o Congresso Nacional votou e aprovou quase que sem discussão o PL 5.191/2020, do deputado Arnaldo Jardim (CIDADANIA), que cria a figura do Fiagro -- Fundo de Investimento nas Cadeias Produtivas Agroindustriais. Na prática, o projeto inseriu na Lei 8.668, que criou os Fundos Imobiliários no Brasil em 1993, essa nova categoria de fundo de investimentos. Em si mesma, a lei não tem nada de essencialmente errado, mas no meio de uma pandemia em que o único país que cresceu economicamente foi a China, os efeitos dessa lei, em sinergia ou não com a lei que regulamenta a compra de terras por estrangeiros aprovada no Senado há poucos dias, significa, na prática, amarrar o único setor superavitário do Brasil ao capital chinês, uma coisa que será impossível desfazer depois. Para que o leitor que não tem familiaridade com o mundo dos investimentos possa entender a gravidade do que ocorreu ontem, vou explicar de maneira breve e didática como funciona um fundo de investimentos para que fique fácil de compreender a genialidade estratégica do sutil lobby chinês.


Na nossa vida diária, nós trabalhamos e geramos riqueza. Muitas pessoas produzem riqueza o suficiente apenas para pagar as contas, outras nem isso. As primeiras ficam no zero a zero, e as últimas precisam pegar riqueza emprestada com outras pessoas, fazendo dívida. Algumas pessoas, porém, produzem mais do que apenas o necessário para pagar as contas. A essa riqueza que sobra chamamos “poupança”. Quando uma pessoa consegue poupar, ela pode simplesmente guardar o que sobrou de baixo do colchão, mas muitas pessoas chegam à conclusão de que aquele dinheiro que ficaria parado ali na cama seria mais vantajoso se servisse pra alguma outra coisa.


A essa outra coisa damos o nome de “investimento”. Daí que muitas pessoas, por exemplo, compram casas para alugar para outras pessoas. Assim pelo menos o dinheiro não fica no colchão, e de quebra o dono da nova casa ganha um dinheirinho extra com aluguel. O que acontece, porém, se a pessoa que comprou essa casa para alugar julgar que dá muito trabalho cuidar dela? E se essa pessoa ficar com medo de perder seu inquilino e assim, além de ter gasto aquilo que poupou na compra do imóvel, ter agora que arcar com os custos de manutenção da casa sem ganhar nada em troca? É aí que entra a figura do “fundo de investimento”, nesse caso específico, o fundo imobiliário. Ao invés de comprar e cuidar da casa por conta própria, o poupador/investidor dá esse dinheiro para um profissional que vai cuidar da casa para ele e devolver o aluguel no final do mês.


Essa forma de investir facilita algumas coisas e dinamiza a economia. Se o poupador antes precisava esperar juntar, digamos, R$ 100.000,00 para comprar uma casa, agora ele pode se juntar com outros 10 poupadores que conseguiram juntar R$ 10.000,00 cada um e comprar a casa com mais facilidade. Os, suponhamos, R$ 1.000,00 de aluguel mensais que o inquilino dessa casa paga para morar nela são então divididos entre os 10 poupadores, R$ 100,00 para cada um. Além de não ter que se preocupar em cuidar da casa ou se vai perder o inquilino, porque um gestor profissional é quem está tomando conta do imóvel, esse poupador agora, se quiser sair do negócio, não precisa vender a casa toda. Basta ele arranjar alguém que também poupou R$ 10.000,00 e vender sua parte no negócio para essa pessoa, ou mesmo arranjar 10 pessoas que pouparam apenas R$ 1.000,00. Essa parte no negócio que o poupador/investidor pode vender são as famigeradas “cotas” do fundo. É assim, grosso modo, a forma de funcionamento de um fundo de investimentos, que é mais formalmente conhecido como um “condomínio de cotistas”. Pois bem, não há nada de essencialmente errado nessa forma um tanto engenhosa de fazer negócios. Pense, porém, na situação concreta que temos hoje no Brasil e no mundo, em que basicamente temos a China rica e o resto do mundo pobre.


O que acontece se o poupador/investidor “Brasil” enxergar dificuldades em continuar mantendo a casa que comprou, e de repente lhe aparecer um bom gestor com a seguinte ideia salvadora: “senhor, quero comprar sua casa que lhe está causando dor de cabeça. Sou um profissional da área e encontrei 10 investidores ao redor do mundo que estão dispostos a correr o risco de tentar conseguir um inquilino para ela. Podemos pagar mais do que o senhor acha que sua casa vale.”? O que acontece se na verdade todos esses 10 investidores forem chineses?


O grande problema com o PL 5.191/2020 é que ele é completamente vago em relação aos limites de participação estrangeira na nova modalidade de fundo de investimento. Ainda assim, na justifica à apresentação do projeto, o deputado Arnaldo Jardim não esconde suas reais intenções:


“Embora a Lei n° 13.986/2020 tenha modificado a Lei n° 5.709/1971 no sentido de permitir a aquisição de terras por estrangeiros no caso de execução de garantias, é preciso avançar mais nesse ponto. É certo que há projetos no sentido de regulamentação do art. 190 da Constituição Federal para estabelecer critérios para aquisição de terras por estrangeiros, como por exemplo o PL 2.963/2019. No entanto, o assunto é bastante controverso e não há garantias que projetos como esse avançarão com a celeridade devida.”


Ou seja, é preciso avançar o mais rápido possível na permissão de aquisição de terras por estrangeiros, porque não há garantias de que o PL 2.963/2019 -- que é projeto que flexibiliza a compra de terras brasileiras por estrangeiros -- será aprovado no Senado. Deve ser por isso que o projeto de lei do deputado Arnaldo Jardim tramitou com tanta rapidez: por incrível que pareça, na mesma Câmara em que muitos projetos de lei levam anos para ir a plenário, o projeto do deputado do CIDADANIA foi apresentado, analisado em comissões, pautado e aprovado no espaço de um mês. O PL 5.191/2020 foi apresentado no dia 18/11/2020 e ontem já foi a plenário para aprovação, em condições suspeitíssimas.


No dia 08/12/2020 o deputado Evair Vieira de Mello (PP), membro da Frente Parlamentar Brasil-China, colocou o projeto para tramitação em regime de urgência. No dia 16/12/2020 o relator do projeto, deputado Christino Aureo (PP), também membro da Frente Parlamentar Brasil-China, deu parecer seu parecer, e o projeto ficou para ser votado em todas as sessões a partir do dia 17/12/2020. Não houve tempo em nenhuma delas, mas curiosamente houve tempo justamente no dia 22/12/2020, dia para o qual havia manifestações marcadas e em que, por fatalidade, as atenções estavam todas voltadas para o caso Oswaldo Eustáquio. Bem mais suspeito do que isso foi forma de condução da votação. Por uma incrível coincidência, Rodrigo Maia retirou-se da Câmara e não presidiu a sessão. Sem o político mais odiado da nação estar presente, a Câmara ficou completamente fora dos holofotes. Pela primeira vez, Kim Kataguiri conduziu os trabalhos. Ele iniciou os trabalhos lendo a ordem de projeto para votação, quando então, por uma coincidência ainda mais incrível, recebeu um comunicado de Rodrigo Maia para que o projeto dos Fiagro fosse o primeiro a ser pautado. Um total de zero brasileiros viu, em um espaço de menos de 4 horas, o estranho caso em que, sem entender o que estava em jogo e apenas para fazer oposição, PT e PSOL defenderam a soberania brasileira, e o relator Christino Aureo nadou de braçada na defesa de um crime de lesa pátria, mentindo deliberadamente sobre a contestação principal. Para rebater as alegações de que o projeto abriria a porteira para a aquisição de terras por estrangeiros, o relator inventou a desculpa ridícula de que os bens do fundo não se comunicariam com os do administrador, como se qualquer novato no mundo dos investimentos não soubesse disso. Dizendo essa obviedade, o deputado tergiversou e camuflou o fato de que os bens de um fundo são de propriedade dos cotistas. Não houve ninguém que o contestasse nesse vício evidente e o projeto foi aprovado sem maiores problemas.


Os Fiagro, sim, meus caros, poderão ser usados para aquisição de terras por grupos estrangeiros, de uma maneira muito mais difícil de rastrear do que pela aquisição direta prevista no PL 2.963/2019, que na data em que escrevo também já foi aprovado. E é justamente neste ponto que se encontra a genialidade estratégica do lobby chinês em trabalhar com dois projetos de lei ao mesmo tempo, nas duas casas: trata-se de dialética marxista em estado puro.


O PL 2.963/2019, aprovado no Senado, é o mais antigo e gerou muito mais polêmica. Muitas coisas provavelmente o presidente Bolsonaro vetará. Já o PL 5.191/2020 passou e ninguém se deu conta dele. O governo acha que é um projeto inofensivo, e foi feito um trabalho muito eficaz durante sua rápida elaboração de colocá-lo como uma alternativa segura ao projeto do Senado, como se o projeto dos fundos permitisse o investimento externo sem a efetiva posse, o que, como já vimos, não é o caso. Ou seja, se o projeto do Senado não resistir ao escrutínio público e à sanção, projeto dos Fiagro será uma alternativa, mas se ambos passarem, trabalharão em sinergia para que investidores chineses possam comprar terras no Brasil. É um jogo em que só se perde. O “sim” e o “não” foram controlados. Para piorar a situação, Câmara e Senado vão procurar ser o mais pacíficos que puderem quando cada casa for revisar o projeto da outra, já que se trata da mesma temática e de projetos que foram aprovados ao mesmo tempo. “Ajuda o meu, que eu ajudo o seu”. A partir daqui, fica mais fácil compreender aonde quero chegar: o projeto do deputado Arnaldo Jardim é o centro da estratégia chinesa. Do contrário, ele não teria sido conduzido com o cuidado que seu irmão no Senado não mereceu. A coisa foi rápida, cirúrgica, longe dos olhos de todos e cada momento foi calculado com extremo cuidado.


Os Fiagro serão destinados não apenas à aquisição de imóveis rurais, mas também a investimento em papéis e valores mobiliários diversos relacionados à atividade agroindustrial, cotas de outros fundos de investimento, bem como investimentos em crédito relativo ao setor. Isso quer dizer que um Fiagro poderá atuar no mercado de crédito para o setor do agronegócio. Ao invés de um produtor brasileiro pegar um empréstimo caro em um banco ou com o governo, terá agora um mundo de fundos dispostos a emprestar dinheiro, bastando que coloquem como garantia suas terras, suas vacas, suas fábricas de iogurte ou de chocolates, o que seja. Tudo isso é agroindústria. Imaginem os efeitos que um crédito assim poderá gerar em um cenário de pandemia no qual a China foi o único país a produzir riqueza. O PIB chinês foi o único que cresceu. A China poupou, e portanto poderá investir. O resto do mundo é palco para esses investimentos. A China poderá emprestar dinheiro barato para o agronegociante brasileiro e ter os ativos brasileiros como garantia. Mais um baque em nossa frágil economia -- e com a mania de segunda, terceira, milésima onda da pandemia isso é a coisa mais fácil do mundo de se conseguir! -- e o agronegociante brasileiro não poderá arcar com esses empréstimos. Seus bens serão simplesmente executados como garantia e passarão a integrar os fundos dos chineses. É uma ameaça muito mais grave do que mil leis de terras que o Senado aprove.


Para que não reste dúvida de que atuar através dos instrumentos do mercado de capitais é principal forma que agentes externos possuem para atuar sobre a soberania territorial brasileira, basta checar no site da CVM a quantidade de fundos de investimento relacionados ao agronegócio que foi registrada nos últimos meses. Procurem pelos Fundos de Investimento em Participações relativos ao setor, e até pelos Fundos de Investimento Imobiliário. Vocês verão que fundos como os da SP Ventures ou mesmo o “Quasar Agro” são só os mais famosos dentre eles. Essa penetração do mercado financeiro no agronegócio brasileiro é a oportunidade de ouro para que a China finalmente domine o setor de terras e alimentos no Brasil.


Presidente Bolsonaro, o senhor não precisa sequer esperar para vetar esses projetos. Peça publicamente para que, na revisão, o Congresso avalie novamente se o momento de tramitação delas foi propício, e se não é o caso de criar mecanismos de transparência, segurança e prazos mais claros. Em último caso, vete sem medo e passe a bola para que as pessoas que o elegeram discutam publicamente o tema e pautem o Congresso. O tempo é pouco, e o que está em jogo é soberania brasileira e até a “segurança alimentar” de que o senhor falou tanto em sua campanha. Nem sei se posso dizer que existe uma última chance de barrar o avanço chinês, mas até mesmo as chances de lutar contra ele estão acabando.